Por Carlos Henrique Arantes de Moraes*
Seria importante para o Brasil que a reunião de ministros da Defesa e das Relações Exteriores ocorrida em Brasília alcance resultados práticos.
O Palácio do Itamaraty sediou, no último dia 22 de novembro, a 1ª Reunião Sul-Americana de Diálogo entre Ministros da Defesa e das Relações Exteriores. O evento seguiu o Consenso de Brasília adotado em 30 de maio, em reunião de relançamento da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).
A reunião teve por objetivo, segundo o Ministro da Defesa brasileiro José Múcio Monteiro, propiciar reflexões a respeito da atual conjuntura de paz e segurança internacional e regional, bem como dos elementos que deverão nortear a retomada do diálogo e da cooperação sul-americana em matéria de defesa.
O encontro reuniu autoridades da Defesa e das Relações Exteriores de todos os países, cujos centro de poder encontra-se na América do Sul – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. A França, com seu território guianense de além-mar, não foi convidada.
A acanhada projeção dessa reunião perante a mídia demonstra como o Brasil encara a Defesa Nacional sem devida importância. O evento, obviamente caso apresente uma continuidade nos diálogos e entendimentos, pode permitir a consolidação do maior país sul-americano na liderança regional.
Vale ressaltar que a América do Sul não é uma região pacífica. A paz relativa em que vivemos no cotidiano é resultado de uma profunda debilidade econômica regional. Isto é, a dificuldade econômica impede investimentos assertivos e constantes no campo militar, o que por sua vez gera um equilíbrio disfarçado, contudo instável.
Como exemplo dessa instabilidade, pode-se ressaltar a incessante busca boliviana de saída para o mar do Pacífico e a disputa territorial entre Venezuela e Guiana. Esta última com referendo em 3 de dezembro e com enorme impacto para a soberania do Brasil.
A reunião ministerial reafirmou apoio aos direitos legítimos da Argentina na disputa de soberania sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e as áreas marítimas circundantes. A união do subcontinente em torno da Defesa afasta a presença de nações estrangeiras na América do Sul, fortalecendo, ainda mais, o papel de liderança do Brasil.
Um conflito bélico em nosso continente não pode ser benéfico para nenhum país regional. Independentemente das diferentes ideologias que corriqueiramente assumem a política de cada país, a permanência de uma paz estável é fator contribuidor para o desenvolvimento regional.
Para o Brasil isso é fundamental. O afastamento das grandes potências, a possibilidade de comercialização de bens de Defesa, a coordenação de segurança da fronteira, entre outros, são temas que interessam o Brasil.
LIVRO RECOMENDADO:
A geopolítica e as projeções do poder
• General Meira Mattos (Autor)
• Em português
• Capa comum
A reunião foi concluída com a seguinte declaração:
1. As Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores e os representantes dos países da América do Sul reuniram-se em Brasília, em 22 de novembro de 2023, com o objetivo de realizar a “Primeira Reunião Sul-Americana de Diálogo entre as Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores”, com base no mandato conferido pelos Presidentes da América do Sul no Consenso de Brasília, em 30 de maio, e no Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul, adotado em 5 de outubro.
2. Em um momento em que outras partes do mundo enfrentam conflitos armados, instabilidade política e crescentes tensões geopolíticas, as Ministras e Ministros recordaram a visão comum, registrada no Consenso de Brasília, de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, onde prevalecem o diálogo e o respeito à diversidade, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de Direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e da integridade territorial, a não interferência em assuntos internos e a solução pacífica de controvérsias.
3. Nesse contexto, reafirmaram seu compromisso de retomar o diálogo regular sobre temas de interesse estratégico para a região, com o objetivo de consolidar um espaço de concertação e diálogo que permita fortalecer a confiança mútua e aperfeiçoar a coordenação e a cooperação diante de eventuais desafios e ameaças à segurança enfrentados pela região, baseados no respeito à soberania de cada país e nos princípios de autodeterminação, integridade territorial e não intervenção.
4. Reconhecendo a importância de uma abordagem abrangente para a segurança que leve em conta a natureza multidimensional dos desafios de segurança na região, as Ministras e Ministros mencionaram, como foco inicial de atenção, as seguintes áreas prioritárias: avaliação da conjuntura de paz e segurança internacional e regional; intercâmbio de melhores práticas em defesa cibernética; intercâmbio de experiências em ajuda humanitária, bem como prevenção e resposta a desastres; cooperação em indústrias de defesa; diálogo regular entre as Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores, entre outras.
5. Levando em conta os pontos 8 e 9 do Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul, acordaram:
a) Realizar edições das Reuniões Sul-Americanas de Diálogo entre Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores pelo menos uma vez por ano;
b) Estabelecer uma Rede de Contatos composta por representantes dos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores de cada país para aprofundar a cooperação em áreas de interesse prioritário. Salvo decisão em contrário, a presidência rotativa do Consenso de Brasília atuará como facilitadora da Rede;
c) A Rede de Contatos manterá um diálogo regular e se reunirá, presencial ou virtualmente, quantas vezes sejam necessárias para avançar nas decisões adotadas no contexto das Reuniões Sul-Americanas de Diálogo entre Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores. Grupos de trabalho ad hoc poderão ser criados para tratar temas específicos.
Por fim, resta saber se a reunião alcançará resultados permanentes ou se cairá no marasmo de outras iniciativas que sucumbiram a disputas ideológicas internas da América do Sul. Caso positivo, será de grande valia para a projeção do Brasil.
*Carlos Henrique Arantes de Moraes é major do Exército Brasileiro, turma 2003 da AMAN. Realizou os cursos de Operações na Selva no CIGS, de Aperfeiçoamento de Oficiais na EsAO, de Comando e Estado-Maior do Exército na ECEME e Avançado de Inteligência na EsIMEx. Possui pós-graduação em Ciências Políticas pela Faculdade UNILEYA e mestrado em Ciências Militares pelo Instituto Meira Mattos (IMM) da ECEME.
O grande desafio de segurança na América Latina possui fundamentação interna, simbolizada no desafio que organizações criminosas, com extensões internacionais ou não, agem à margem do estado, quando não com a conveniente concordância de setores da administração pública.