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Elementos da 24ª Divisão Panzer da Wehrmacht avançam em direção a Stalingrado em agosto de 1942 (Wikimedia Commons).

Elementos da 24ª Divisão Panzer da Wehrmacht avançam em direção a Stalingrado em agosto de 1942 (Wikimedia Commons).

A investida alemã sobre a França, em 1940, foi o ponto alto da Blitzkrieg, uma vitória que surpreendeu o mundo e foi a derrota mais traumática da França.


Europa, França, Paris, 17 de junho de 1940. O dia amanheceu caborteiro. Parte do governo do marechal Pétain havia desertado. A sombra dos estragos de 1914-1918 voltava a pairar sobre os franceses. A ofensiva alemã de braços com a neutralidade soviética dava mostras de sua fúria. A implacabilidade era incontestável. Polônia, Dinamarca e Noruega já haviam provado. A Bélgica estava ocupada sem maiores resistências. A próxima meta do Reich era derrubar a França, Paris e os franceses.

O marechal francês via tudo com apreensão. O bate-cabeça entre seus generais, oficiais, conselheiros políticos e intelectuais era imenso e generalizado. Os mais antigos rememoravam a humilhação de 1871 – Otto von Bismarck, Versalhes e o salão de espelhos. Os menos antigos recordavam da desgraça – ausência de Graça e indiferença de Deus – de Verdun, Marne, Somme. Os mais minuciosos ainda ressentiam o ressoar das catástrofes sem fim nem paralelos. Lembravam que somente na Bataille de la Somme foram envolvidos mais de um milhão de vítimas militares e civis – 1.060.000, para ser preciso como eram aqueles franceses em 1940 –, sendo que 443 mil morreram ou desapareceram à tout jamais. Os mais intelectuais se recordavam do 11 de novembro de 1918 e dos acordos mal-ajambrados tramados, traçados e consumados nos principais palácios franceses nos anos seguintes.

O choque da crise de 1929 ainda se via vivaz. A ascensão de extremos não era mais contestada. Hitler, Stalin, Mussolini corporificavam a rudeza do momento. Teorias, narrativas e abstrações davam lugar à concretude. O mal-estar da civilização e o futuro de uma ilusão que ambientavam as preocupações de Freud anos antes ganhavam tons de verdade: o inferno terreno estava de retorno. E, naquele dia 17 de junho de 1940, pelas ondas de rádio, o marechal Pétain anunciou aos franceses que era isso mesmo e não havia solução. “Le cœur serré qu’il faut cesser le combat” [com peso no coração – anuncio que – não vamos deixar de combater].

A decisão já tinha sido tomada nas vésperas. Mas apenas agora vinha a público na forma de declaração. Outra humilhação.

Inevitavelmente, um mal-estar envolveu franceses e europeus – e povos de todos os continentes. Uma perplexidade de mistura com frustração golpeou de morte os entusiastas da France éternelle.

O contraponto veio em profusão do campo oposto, onde uma alegria efusiva contagiou os frequentadores do Wolfsschlucht, quartel-general do Reich nos arredores de Bruxelas. Hitler e seus generais estavam seguros da revanche e da vitória sobre a França. Mas a previam com quatro ou seis semanas a mais de combate. Aquela antecipação permitia ao general Wilhelm Keitel afirmar ser o Führer “o maior comandante-em-chefe de todos os tempos”. Especialmente porque, mês e pouco antes, em 11 de maio de 1940, reunido com Joseph Goebbels, este nobre general reconhecia que seria prudente não se fixar nos feitos na Polônia. “Uma campanha [contra a França] não tem paralelos”. Pois não foi assim. Aconteceu. A França teve seus dias de Polônia.

No dia seguinte, 18 de junho de 1940, ciente da capitulação do marechal francês, ao passar a tropa em Flandres, Hitler rememorou a ruidosa experiência alemã naqueles prados europeus durante a Grande Guerra. O seu propósito era conter o triunfalismo dos seus oficiais. Ele sabia que capitulação francesa já tinha sido anunciada, mas também entendia que carecia de consumação. Mas o frenesi dos alemães – oficiais ou não – era incontido. Blitzkrieg, Blitzkrieg – essa era a sua explicação para o sucesso corrente.


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Blitzkrieg, guerra relâmpago, parecia ter virado uma especialidade alemã dos alemães. Contrários ao próprio Führer, jornalistas, conselheiros políticos e oficiais militares não entendiam o porquê de não a reconhecer nem utilizar. Desde a Polônia que as forças alemãs massacravam rapidamente seus oponentes e estraçalhavam tudo que encontravam pela frente feito um “relâmpago”.

Foi depois da queda da Polônia que a sensação de Blitzkrieg ingressou no vocabulário e no imaginário populares alemães, europeus e mundiais. Sob a percepção de rolo-compressor da Wehrmacht sobre os poloneses, os periódicos The New York Times, Times e Newsweek tornaram a Blitzkrieg num axioma para a compreensão das razões da força alemã. De toda sorte, foram esses próprios órgãos de imprensa que colocam a expressão no mercado das ideias em 1938 para caracterizar a fluidez da crise entre Alemanha e Tchecoslováquia. E, diferente do que se poderia imaginar, o aparato de propaganda do Reich jamais se permitiu oficialmente difundi-la como peculiaridade alemã. Hitler, menos ainda.

Em 1942, ao ser questionado sobre as razões da excelência da Blitzkrieg alemã, o Führer desconversou. Disse ser uma teoria italiana. Coisa de Giulio Douhet e de sua Dominio dell’Aria de 1921. Entendia que nem a atuação implacavelmente devastadora da Luftwaffe em Varsóvia nem em Rotterdam eram mostras naturais da superioridade alemã e não de uma estratégia militar pontual.

Mas essa estratégia envolvia ofensividade, mobilidade, guerra de movimento, velocidade e efeito surpresa. Nenhum beligerante da ocasião dominava integralmente esses predicados mais que os alemães. Mas Hitler não via assim.

Entretanto, no fundo, toda a programação militar dos principais países europeus do entreguerras seguiam os passos dessa inovação que sugeria a guerra relâmpago. Além do italiano Giulio Douhet, o norte-americano William Mitchell, os britânicos John F. C. Fuller e Basil Liddell Hart, o soviético Mikhail Tukhachevsky e o francês Charles De Gaulle – todos conhecidos, divulgados e exaltados em todas as escolas militares de reputação da época – propugnavam a modernização da arte da guerra. Conseguintemente, defendiam, essencialmente, a mecanização das forças de terra, a substituição da cavalaria por blindados e a troca da tração animal por toda sorte de motores para todos os usos. Tudo isso conduziria, nesse ideário, ao “melhoramento” dos embates, ao fim das trincheiras e à contenção de hecatombes de mortes estilo 1914-1918. Os alemães          e Robert Knauss, que acompanhavam toda essa discussão bem de perto, foram fundamentais para convencer o Führer a apoiar e pôr toda ela em prática.

A investida alemã sobre a França, em 1940, foi o ponto alto dessa prática. A vitória relâmpago sobre o marechal Pétain surpreendeu a todos. Foi a derrota mais traumática da França, dos europeus e ocidentais. Nem o próprio Führer parecia acreditar. Mas foi a última vez. Os homens de Stalin acompanharam tudo aquilo com apreensão e não tardaram a encontrar um antídoto para a Blitzkrieg alemã. Como mujiques de fato, reconheciam que “o mundo não teria muito sentido sem a Rússia”. Ninguém mais que Napoleão compreendeu a força desse preceito em sua investida século e pouco antes. Mas o Führer parece que preferiu subestimar e a sua batalha contra a Rússia deu início ao fim da Blitzkrieg alemã. Depois de Barbarossa, nada mais dela se ouviu falar. Foi o triste fim do relâmpago que começou a anunciar o fim do próprio Reich.

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