Por Robert Farley*
Embora os exércitos que lutam na Ucrânia sejam tecnologicamente mais avançados do que os que lutaram na Primeira Guerra Mundial, há pouca coisa que um capitão de infantaria ou de artilharia da Frente Ocidental de 1917 estranharia nos atuais combates no Donbass.
Se é difícil aprender as lições certas das guerras do passado, é ainda mais difícil operacionalizá-las de forma útil. E certamente é arriscado buscar lições de guerra em um conflito que ainda está em curso, mas vamos tentar. Nesta série de três partes, tentaremos destilar algumas lições da condução da Guerra Rússia-Ucrânia até este ponto. Nesta primeira parte de uma série de três, discutiremos a guerra terrestre na Ucrânia.
Ucrânia: a manobra ofensiva não acabou
A guerra começou com uma espetacular manobra russa destinada a tomar Kiev e forçar o governo ucraniano a capitular. Essa manobra, que também incluiu um assalto aerotransportado, falhou dramaticamente e levou a uma retirada desordenada nas semanas seguintes. Ao longo dessa retirada, a infantaria, a artilharia e as aeronaves ucranianas atingiram veículos blindados russos aparentemente à vontade. O advento do “Santo Javelin” abriu questões sobre se a honrada dobradinha infantaria e blindados poderia sobreviver em um contexto definido por armas de longo alcance e mais letais. Isso evoluiu para discussões sobre se o tanque de batalha (tradução livre do termo inglês “main battle tank”), o venerável líder blindado dos campos de batalha, finalmente se tornou obsoleto.
As ofensivas ucranianas em Kherson e Kharkov, juntamente com os incessantes pedidos da Ucrânia por mais e mais tanques de batalha modernos, devem acabar com esses argumentos. Embora o sucesso ucraniano tenha dependido de fatores peculiares de cada frente, ambos os seus principais avanços empregaram a tradicional tríade blindado-infantaria-artilharia. Ainda é possível para uma ofensiva cuidadosamente estruturada conquistar território, pelo menos quando todas as peças funcionam em conjunto como deveriam.
A artilharia ainda reina
As campanhas militares aceleradas dos anos 1990 e 2000 pareciam desvalorizar a contribuição da artilharia. Embora os sistemas de artilharia móvel complementassem as operações centradas em manobras, o poder aéreo e as munições standoff pareciam substituir o que veio a ser considerado como o braço de artilharia lento e maçante.
Massas de tropas inimigas não precisam ser destruídas quando podem ser paralisadas ou cercadas. O poder aéreo, pensava-se, poderia fazer o trabalho que antes era deixado para os desajeitados tubos de artilharia.
Não mais. Os tubos de artilharia russos e ucranianos tiveram um efeito devastador sobre as forças inimigas expostas, e a artilharia restabeleceu sua primazia. Barragens esmagadoras tiveram impacto de desgastar a infantaria em posições fortificadas, com as batalhas no Donbass muitas vezes evoluindo para duelos de artilharia. A infantaria, sofredora e entrincheirada, padece de níveis de devastação que teriam sido bem compreendidos em 1916. Massa, ao que parece, ainda tem sua qualidade própria.
Logística e abastecimento
Como Lawrence Freedman apontou, quase todas as guerras longas começam com a ambição de travar uma guerra curta. O fracasso da ofensiva inicial da Rússia em tomar Kiev significou que uma guerra que quase todos esperavam ser curta agora não tem um ponto final claro. Isso significou escavar estoques de equipamentos e munições que nenhum lado esperava usar. Tanto a Ucrânia quanto a Rússia, em determinadas ocasiões, usaram munição em ritmo insustentável.
O ritmo do combate forçou a Rússia a buscar suprimentos na Bielorrússia, Coreia do Norte e Irã. De sua parte, a Ucrânia foi forçada a implorar por equipamentos e munições do Ocidente, muitos dos quais já foram tão usados que estão quebrando pelo desgaste e não pela ação direta do inimigo.
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Infelizmente, os militares da OTAN descobriram que seus estoques têm muito pouco da munição necessária para travar uma guerra de alta intensidade e agora se esforçam para atender às necessidades da Ucrânia.
Para encurtar a história, todo o país precisa se preparar para o fato de que sua guerra agradavelmente curta pode durar muito tempo.
Comunicações
Um dos contrastes mais importantes entre a condução da guerra atual e a condução das guerras passadas envolve as extensas e sobrepostas redes de gerenciamento de informações de ambos os lados. A rede de satélites Starlink de Elon Musk ajudou a manter os militares ucranianos conectados e cientes de seus arredores, tornando possível não apenas construir defesas intrincadas e autossuficientes, mas também conduzir operações ofensivas móveis.
De sua parte, os russos sofreram muito nos primeiros dias da guerra com uma rede de comunicações incompleta, com vários sistemas legados incapazes de se comunicar uns com os outros e com o uso de tecnologia comercial (telefones celulares) muitas vezes possibilitando ataques bem-sucedidos da artilharia ucraniana.
A tecnologia, é claro, não é determinante. A economia da informação das forças russas é muito diferente daquela dos ucranianos. Do lado russo, a disponibilidade de drones e comunicações em tempo real resultou em um sistema de comando e controle ainda mais hierárquico. Os comandantes remotos estão contando com vídeo para monitorar o cumprimento de ordens de suas próprias tropas, mudando a natureza do antigo problema do agente principal.
Do lado ucraniano, a disponibilidade de informações possibilitou um sistema difuso de comando e controle que funcionou bem contra as fragilidades russas.
Guerra da Ucrânia: um retorno à Primeira Guerra Mundial?
No geral, a guerra até aqui mostra que ainda estamos seguindo os fundamentos estabelecidos na Primeira Guerra Mundial. As tecnologias, da balística à eletrônica, ainda não desfizeram a tríade infantaria-blindagem-artilharia, embora possam mudar o equilíbrio em uma direção ou outra.
Não há dúvida de que os exércitos que lutam hoje na Ucrânia são tecnologicamente muito mais avançados do que os exércitos que lutaram na Primeira Guerra Mundial. No entanto, há pouca coisa que um capitão de infantaria ou artilharia da Frente Ocidental de 1917 acharia ininteligível sobre os atuais combates no Donbass.
Leia a Parte 2 desta série.
Publicado no 1945.
*Robert Farley leciona cursos de segurança e diplomacia na Patterson School desde 2005. Ele é bacharel pela Universidade do Oregon e doutor pela Universidade de Washington. É autor de Grounded: The Case for Abolishing the United States Air Force, The Battleship Book, e Patents for Power: Intellectual Property Law and the Diffusion of Military Technology. Farley contribuiu para uma série de jornais e revistas, incluindo The National Interest, The Diplomat, World Politics Review e American Prospect. É fundador e editor sênior da Lawyers, Guns and Money.
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