Um cinquentão com tudo em cima

Compartilhe:
Um F-5EM da Força Aérea Brasileira retorna de missão durante o exercício CRUZEX 2018 na Base Aérea de Natal-RN (Albert Caballé Marimón/Velho General).

Por Leandro Dantas*

Um F-5EM da Força Aérea Brasileira retorna de missão durante o exercício CRUZEX 2018 na Base Aérea de Natal-RN (Albert Caballé Marimón/Velho General).

O primeiro Northrop F-5E de série continua orgulhosamente servindo na Força Aérea Brasileira, atualmente no 1º Grupo de Caça na Base Aérea de Santa Cruz-RJ.


Em 23 de junho de 1972 a Northrop apresentou a nova versão de seu “caça da liberdade”, o F-5E. A aeronave, com matrícula USAF 71-1417, era o modelo de pré-produção da versão Echo.

Em 11 de agosto daquele ano, a partir da Base Aérea Edwards, o 71-1417 fez seu primeiro voo e entrou para a história da aviação militar como o primeiro F-5E no mundo. Ele foi seguido de um segundo modelo de pré-produção, que recebeu a matrícula 71-1418 e voou em 29 de dezembro.

Ambas as aeronaves foram usadas durante algum tempo como plataforma de testes de armas e desempenho pela USAF e Northrop até serem definitivamente entregues à USAF, onde serviram no 425th Tactical Fighter Training Squadron (TFTS), sediado na Williams Air Force Base (AFB), localizada em Mesa, Arizona. O 425th era vinculado à 58th Tactical Fighter Training Wing (TFTW), com sede na Luke AFB, a unidade então responsável pela formação dos pilotos de F-5 adquiridos por países aliados.

O caminho da Força Aérea Brasileira (FAB) cruzou o do 71-1417 em 1974/75 quando, após a assinatura do contrato de compra do primeiro lote de F- 5E/B em 1973, 10 pilotos e sargentos especialistas foram enviados ao 425th para familiarização com o novo vetor de caça da FAB. Não sabemos se algum dos pilotos brasileiros voou o 71-1417, mas certamente ele estava na linha de voo da Base Aérea Williams no período.

Avançado um pouco mais no tempo, em 1985 a FAB precisava repor perdas e recompletar sua frota de caças de primeira linha, que na época se tornava acanhada. Naquele ano tínhamos apenas 15 Mirage lll operacionais, cinco F-5B e 26 F-5E. A única compra prevista eram os AMX A-1.

Era evidente que a necessidade recompletar as perdas e, se possível, modernizar a frota existente, sob pena de inviabilizar sua operacionalidade em poucos anos. Ciente dessa necessidade, a FAB vinha, desde 1984, procurando células de Mirage III e F-5 no mercado. Infelizmente o fator orçamento sempre foi determinante; a linha de produção do F-5 ainda estava aberta, porém com o valor unitário chegando a oito milhões, e a Northrop mais interessada em vender o F-20 do que negociar mais unidades do F-5.

A FAB procurou mais F-5 no mercado de usados, porém nenhum país na época estava interessado em vender o caça que se mostrou um excelente vetor de combate. Arábia Saudita, Taiwan, Singapura e Coréia do Sul foram sondados sem sucesso.

Outra possibilidade não concretizada foi a aquisição dos F-5E/F chilenos que, naquele momento, estavam fora de uso devido à falta de suprimentos causada pelo embargo político americano contra o governo do ditador Augusto Pinochet. O negócio chegou a ser acertado entre a FAB e a Fuerza Aérea de Chile (FACh), porém não foi adiante pois, devido ao embargo, o governo norte-americano não autorizaria a venda daquelas aeronaves, uma vez que haviam sido adquiridas via Foreign Military Sales (FMS).

A FAB chegou a enviar em 1986, em segredo, um grupo de pilotos à China para avaliar o F-7M Airguard, a versão chinesa do caça MiG 21 soviético.

Nesse mesmo período a USAF percebeu que, primeiro, seus F-5E já davam sinais de fadiga devido ao uso intenso e força G sobre as células, inclusive com acidentes fatais; segundo, o F-5E que simulavam inimigos nos esquadrões agressores não conseguiam simular as novas ameaças soviéticas da época, como MiG-29 e Su-27. Assim, a USAF decidiu paralisar sua frota de F-5 substitui-los pelos F-16.

De uma hora para outra, o que parecia insolúvel teve uma solução.


LIVRO RECOMENDADO

Northrop F-5 no Brasil / Northrop F-5 in Brazil

  • Leandro Casella e Rudnei Dias da Cunha
  • Edição bilingue (português e inglês)
  • Capa comum

Como a FAB precisava de mais F-5 e estava disposta a comprar caças da China comunista, o EUA ofereceram seus F-5E/F ao Brasil. As negociações começaram em 1987 sendo concluídas em 1988.

A FAB comprou quatro F-5F (US$ 5,9 milhões) e 22 F-5E (US$ 7,2 milhões) um custo total de US$ 13,1 milhões. A maioria das aeronaves custou pouco mais de 388 mil dólares. Porém algumas, devido a seu estado, foram arrematadas por 194 mil dólares, um preço bem abaixo do valor de um F-5 novo, estimado à época em US$ 8 milhões. Isso levou alguns integrantes do Ministério da Aeronáutica a rotular a transação como o “verdadeiro negócio da China”.

Entre essas 22 células vieram três joias da história da aviação militar: os USAF 71-01417 (R1001), atual FAB 4856; USAF 71-01418 (R-1002), atual FAB 4857; e o USAF 71-01420 (R-1004), atual FAB 4858, respectivamente, os 1°, 2° e 4° F-5E de série do mundo! Como o F-5E não teve protótipo formal (YF-5E), mas aeronaves de pré-série, estes são três dos quatro primeiros F-5E produzidos pela Northrop.

Devido ao estado das células adquiridas, algumas em péssimas condições, a partir de 1990 o PAMA-SP precisou praticamente refazer cada um desses F-5. O FAB 4856 também foi reformado e começou sua carreira definitiva na linha de voo do 1º/14º GAv em Canoas.

Em 1998 a FAB iniciou o projeto F-5BR, que consistia na modernização da frota a partir do programa da empresa israelense Elbit Systems gerenciado pela Embraer. O custo total do programa original foi de US$ 285 milhões (US$ 6 milhões por célula) com a FAB entregando os F-5E 4874 e 4808 como aeronaves protótipos do projeto em outubro de 2001.

O FAB 4856 novamente se tornou pioneiro na história da aviação militar, pois em 28 de abril de 2003 voou até Gavião Peixoto, onde iniciou sua transformação para o F-5 mais moderno do mundo.

Depois de alguns atrasos no cronograma original, a primeira aeronave F-5EM de série foi aceita pela COMFIREM em meados de junho de 2005 em Gavião Peixoto. Finalmente, em 9 de setembro, o agora F-5EM 4856 regressou ao 1º/14º GAv, em um voo direto de Gavião Peixoto a Canoas sob o comando do então comandante do esquadrão, tenente-coronel aviador Luiz Alberto Pereira Bianchi, tendo como ala o major aviador (S3) Sérgio Barros de Oliveira no F-5F 4806. O pouso ocorreu pouco depois das 16h30min de um dia nublado em Canoas, marcando o primeiro pouso de um F-5EM operacional em uma base da FAB.

Desde 2005 o FAB 4856, o primeiro F-5 do mundo em muitas coisas, continua cumprindo sua importante missão na FAB defendendo os céus brasileiros de forma impecável.

O 4856 começou sua carreira na FAB no 1º/14º GAv e para lá retornou modernizado, porém já registrou passagem no 1º/4º GAv em Manaus e atualmente serve no 1º Grupo de Caça em Santa Cruz, que provavelmente será sua última unidade antes da merecida aposentadoria.

Aproveito aqui para iniciar uma campanha para que esse histórico caça, com um longo currículo de serviço, seja preservado!

A página do grupo História da Aviação Militar Brasileira e do Mundo no Facebook lança a hashtag #preserveo4856 desejando intensamente que o Alto Comando da nossa Gloriosa Força Aérea Brasileira, ao final do serviço do 4856, o preserve em um local que honre todos aqueles que o voaram e fizeram voar.

À la chasse!

Referências

CASELLA, Leandro; CUNHA, Rudnei Dias da. Northrop F-5 no Brasil. Edição dos autores.


*Leandro Dantas é administrador do grupo História da Aviação Militar Brasileira e do Mundo no Facebook desde 2 de dezembro de 2020.

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

____________________________________________________________________________________________________________
____________________________________
________________________________________________________________________

Veja também