Título conquistado por São José dos Campos auxilia no despertar da sociedade e das autoridades para a importância de políticas industriais consistentes a longo prazo.
O presidente da AIAB (Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil), Julio Shidara, comenta que a conquista do título de “Capital Estadual da Indústria Aeroespacial e Capital do Avião” por São José dos Campos (SP), além de reconhecer a importância do município para o setor, ainda chama a atenção da sociedade e de autoridades para o panorama atual crítico do segmento espacial brasileiro.
“A maior parte dos cidadãos não se dá conta do quanto os serviços que utilizamos em nossa vida cotidiana dependem de satélites para funcionarem: internet; telefonia móvel; energia elétrica; operações bancárias; entretenimento online; modais de transporte aéreo, rodoviário e marítimo; agricultura de precisão; previsão de tempo, serviços de emergência, dentre outros”, explica Shidara.
Segundo ele, a dependência do Brasil por satélites estrangeiros foi aumentando lenta e gradualmente ao longo de décadas sem que nos déssemos conta do grau de vulnerabilidade que tal fato representa para nossa sociedade nos tempos atuais.
Shidara cita que dos 18 sistemas de infraestrutura considerados críticos pelos Estados Unidos, 15 deles dependem do sinal de tempo do sistema GPS (Global Positioning System) para sua operação. “A situação não deve ser diferente no Brasil”, comenta.
A Associação tem realizado um incessante trabalho na busca de conscientização da sociedade e dos tomadores de decisão acerca do atual cenário de fragilidade do Brasil no setor espacial.
PANORAMA DA INDÚSTRIA ESPACIAL BRASILEIRA
Shidara ressalta que o último projeto de porte do PEB (Programa Espacial Brasileiro) que contou com participação extensiva da indústria nacional foi a PMM (Plataforma Multi-Missão), que equipa o satélite Amazônia 1, lançado em fevereiro de 2021, da Índia, mas que o envolvimento da indústria nesse projeto terminou há quase oito anos, sem novas iniciativas de satélites desde então. “Trata-se de uma lacuna sem precedentes na história recente do PEB”, afirma. “Sem novos projetos de satélites que envolvam a indústria nacional no curtíssimo prazo, o Brasil perderá competências tecnológicas essenciais para desenvolver futuros projetos de interesse do país”.
Diante desse cenário, o presidente da AIAB tem se mobilizado intensamente, realizando audiências constantes com autoridades ligadas diretamente aos órgãos responsáveis pelas decisões do setor. “O que está em jogo não é apenas o futuro da indústria espacial brasileira, mas a soberania do Brasil”.
Para superar esse cenário crítico, a AIAB defende a contratação emergencial de um dos cinco projetos mobilizadores da indústria, aprovados pelo Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB) em 2018: o projeto Carponis, satélite ótico de observação da Terra, dada à sua adequada capacidade de mobilização industrial, além de ser o projeto que (re)aproveitará, da melhor maneira possível, tecnologias desenvolvidas em projetos anteriores similares como CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite) e Amazônia.
Na área de lançadores, o presidente da AIAB explica ser fundamental o Brasil retomar o caminho de busca pela autonomia tecnológica, sem a qual, futuros projetos de lançadores do PEB ficarão seriamente comprometidos. “Infelizmente, o país não alcançará a desejada autonomia como resultado de sua participação no projeto do VLM – Veículo Lançador de Microssatélites, em função da divisão de trabalhos e de responsabilidades acordada entre o Brasil e a Alemanha”, declara Shidara.
Ele comenta que o projeto defendido pela AIAB é o VLN – Veículo Lançador de Nanossatélites, que será desenvolvido de maneira incremental, com base no consolidado veículo suborbital brasileiro VSB-30, com demonstração prática de viabilidade por meio de colocação em órbita baixa de uma carga simbólica em um prazo de cerca de 18 meses, e a conclusão do projeto em três anos.
Shidara acrescenta que a AIAB luta pela priorização de alocação de recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para iniciar, ainda em 2022, os projetos do satélite ótico de observação da Terra Carponis e do VLN, os quais foram apresentados pela indústria na reunião do Comitê Gestor do Fundo Setorial Espacial, em 3 de fevereiro.
Ele destaca que, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), investimentos públicos desempenham papel essencial em programas espaciais bem sucedidos em todo o mundo[i].
“Com decisão política favorável, que adote o PEB como Programa do Estado Brasileiro, com comprometimento de alocação de recursos financeiros a longo prazo, compativelmente com a declarada prioridade atribuída ao PEB, certamente o Brasil alcançará posição de destaque no cenário mundial, à semelhança do que ocorreu com o conceituado setor aeronáutico brasileiro”, declara Shidara.
“Prioridade e alocação de recursos são aspectos absolutamente indissociáveis”, finaliza.
PAPEL DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Shidara destaca que, em setores de elevado conteúdo tecnológico como o aeroespacial, a inovação intensa e ininterrupta é o combustível que proporciona alcançar patamares cada vez mais elevados de competitividade em escala global, sem a qual a própria sobrevivência do segmento estaria ameaçada. Nesse sentido, a indústria apresentou o projeto das Plataformas Demonstradoras de Novas Tecnologias, cuja fase 1 deverá ser financiada com recursos do FNDCT. “Os resultados diretos e indiretos que serão gerados neste projeto beneficiarão setores como a agricultura; óleo e gás; mineração; mobilidade urbana e cidades inteligentes, dentre outros, além de impulsionar o ecossistema aeroespacial brasileiro para um novo patamar de competitividade em escala global, afirma.
CAPITAL DA INDÚSTRIA AEROESPACIAL E DO AVIÃO
O presidente da AIAB parabeniza todos aqueles que se empenharam no processo de designação de São José dos Campos como “Capital Estadual da Indústria Aeroespacial e Capital do Avião”. “É uma honraria mais do que merecida.Que este marco sirva de inspiração para que mais cidades brasileiras possam receber designações semelhantes em áreas de elevado conteúdo tecnológico, como é o caso do setor aeroespacial, por meio de políticas públicas que proporcionem previsibilidade de investimentos e respeitem as especificidades do setor em questão, dentre outros fatores essenciais para o seu desenvolvimento”, finaliza.
SOBRE A LEI
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou e o governador sancionou a Lei que denomina a cidade de São José dos Campos como “Capital Estadual da Indústria Aeroespacial e Capital do Avião” – Lei nº 17.418, de 08 de outubro de 2021. A autoria da lei é da deputada estadual Leticia Aguiar, de São José dos Campos. No mês de fevereiro, estão ocorrendo diversos eventos na cidade para marcar e comemorar a conquista do título.
A AIAB fica em São José dos Campos, mas é uma entidade de classe que congrega e representa as indústrias do segmento aeroespacial de todo o país, promovendo e defendendo seus interesses e objetivos comuns, no Brasil e no exterior.
[i] The Space Economy in Figures, OECD (Organization for Economic Cooperation and Development), 2019 (https://read.oecd-ilibrary.org/science-and-technology/the-space-economy-in-figures_c5996201-en#page20).