As alianças dos Estados Unidos na região do Indo-Pacífico vão além do recém anunciado pacto AUKUS, e incluem também o diálogo Quad e o mais antigo Five Eyes.
A estratégia de defesa americana mudou. O foco americano em termos de defesa deixou de ser a chamada “Guerra ao Terror”, onde predominam doutrinas de contrainsurgência, e voltou a ser o confronto entre Estados nacionais. Na sinopse da estratégia de defesa divulgada em 2018, eram citados nominalmente China, Rússia, Coréia do Norte e Irã.
A expansão da China, tanto em termos econômicos como militares, é a maior preocupação dos americanos e muito se tem escrito, dito e especulado sobre a possibilidade de guerra entre os Estados Unidos e a China. Nesse contexto, a expansão chinesa no Mar do Sul da China é uma das principais preocupações dos EUA e seus aliados. Além da militarização das ilhas artificiais, especialmente nos arquipélagos das Spratly e das Paracel, a China já possui a maior Marinha do planeta em termos de número de navios. Embora haja diferenças nos tipos de navios e a Marinha americana tenha mais porta-aviões, por exemplo, a China se concentra nessa região, enquanto os americanos precisam se preocupar com o planeta inteiro.
Também é fato que a Marinha americana tem muito mais experiência de combate. A experiência militar chinesa é limitada, e a última guerra que travou, com o Vietnã, na década de 1970, não foi muito bem-sucedida. No entanto, a China vem intensificando sua participação em exercícios militares e tem evoluído muito tecnologicamente. As Marinhas dos países que operam na região do Indo-Pacífico vêm se preocupando cada vez mais, notadamente com os mísseis antinavio chineses, com modelos supersônicos e hipersônicos, em versões lançados de terra, de submarinos e de aeronaves.
Os Estados Unidos têm promovido diversas iniciativas de segurança com países aliados na região. O AUKUS, recentemente anunciado, é uma aliança entre os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália. Ainda não se sabe muito sobre esse pacto, que possivelmente com o passar do tempo ficará mais claro. O acordo envolve iniciativas de Inteligência Artificial, guerra cibernética e uma cooperação de defesa na Antártida, mas ainda não se sabe detalhes. Mas a principal iniciativa do AUKUS, a que causou maior alarde, foi o projeto que prevê a compra de submarinos nucleares pela Austrália, com o consequente cancelamento do contrato de compra de submarinos da França.
O projeto com os franceses vem fazendo água há tempos. Além de problemas alegadamente causados por diferenças culturais, os franceses parecem estar enfrentando problemas para atender aos índices de nacionalização previstos no projeto. Nessa questão cultural, os australianos se queixam do hábito francês de tirar férias durante o mês de agosto, e da tendência de nunca começarem uma reunião de trabalho no horário marcado. Segundo os australianos, tudo isso contribui para atrasos no projeto.
Em paralelo a tudo isso, alguns dizem que na época da assinatura do contrato com a França já se sabia que aquele submarino não atenderia às necessidades estratégicas da Austrália. Agora com o AUKUS, fala-se em oito submarinos nucleares (o contrato com a França previa doze submarinos convencionais em substituição à atual frota australiana de submarinos classe Collins).
Aqui, um parêntese. Submarinos movidos a propulsão nuclear – carreguem ou não armas nucleares – são mais capazes do que submarinos convencionais. Um submarino nuclear é maior, transporta mais carga (leia-se suprimentos e armas) e é muito mais veloz do que um modelo diesel-elétrico. Além disso, devido à propulsão nuclear, é capaz de operar por muito mais tempo e tem um alcance muito maior do que os convencionais. A limitação fica por conta dos suprimentos para a tripulação. Outro ponto importante, o fato de ser maior acaba proporcionando acomodações um pouco melhores para a tripulação, o que não é pouco quando se trata de submarinos.
Uma única vantagem relativa de um submarino convencional é que ele opera com motores elétricos quando submerso, e nessa condição seria em tese mais silencioso do que um submarino nuclear. Mas isso é bastante limitado, porque nessa situação ele opera com baterias que logo precisam ser recarregadas, o que só pode ser feito através dos motores diesel. Portanto, os modelos nucleares têm uma superioridade inegável.
No entanto, isso vem com um custo, que não é barato. Se um submarino convencional não é barato – o contrato francês estava na casa dos mais de 60 bilhões de dólares americanos – um submarino nuclear é bem mais caro. No caso da Austrália, ainda não se sabe se o projeto será baseado na classe Virginia, americana, ou na Astute, britânica, mas pelas indicações, o mais provável é que seja no projeto americano.
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Em qualquer caso, a referência de custo para construir um único submarino, seja baseado no inglês ou no americano, é de 2,5 a 3 bilhões de dólares. Fala-se em oito submarinos. Esse custo se refere apenas à construção, e não considera toda a adequação de estaleiros e parque industrial necessários para a construção de embarcações nucleares – uma estrutura que a Austrália hoje não possui. Também há os custos para treinar todo o pessoal que irá trabalhar nesse projeto, e não estamos falando de meia dúzia de pessoas, mas de algumas centenas ou milhares; nesse tipo de indústria, mesmo os operários mais básicos são profissionais altamente capacitados. Isso tudo certamente vai custar mais algumas dezenas de bilhões de dólares.
Depois disso tudo, o custo de operação, manutenção, insumos, treinamento e capacitação de tripulações para esses submarinos, ao longo do seu ciclo de vida, deve chegar à casa das centenas de bilhões.
Tampouco está claro em que nível se dará a transferência de tecnologia nuclear para a Austrália. Não está definido se a tecnologia será efetivamente repassada para os australianos ou se os reatores dos submarinos serão fornecidos como uma “caixa preta” mantida pelos americanos ou britânicos.
Para os americanos, este acordo é, pelo menos em tese, uma grande jogada. Eles passam a dispor de uma frota de submarinos nucleares operando na região estrategicamente alinhados a eles, pagos pela Austrália. Não se duvida de que vão fazê-lo, mas há dúvidas se a Austrália terá capacidade financeira para arcar com todas essas despesas sozinha. Será interessante acompanhar como o projeto vai se desenvolver. Os primeiros dezoito meses, prazo inicial para definição e especificação dos requerimentos, serão fundamentais.
Mas o AUKUS não é a única iniciativa americana na região. Existem também o Quad e o Five Eyes.
O Diálogo Quadrilateral de Segurança, o Quad, é um diálogo estratégico entre os Estados Unidos, Índia, Japão e Austrália que começou em 2007. A Austrália saiu do Quad em 2008 e voltou em 2010. O diálogo foi acompanhado pelos exercícios navais anuais batizados de Malabar. Desde o início, esse arranjo foi visto como uma resposta dos membros ao aumento do poderio chinês. Agora no início de 2021 os países do Quad fizeram uma declaração conjunta na qual reafirmam uma visão compartilhada de um Indo-Pacífico “livre e aberto”, de uma “ordem marítima baseada em regras nos mares do Leste e do Sul da China”, e que os membros do Quad são fundamentais para conter as reivindicações marítimas chinesas.
O Five Eyes é uma aliança de inteligência que inclui os Estados Unidos, o Reino Unido, a Austrália, o Canadá, e a Nova Zelândia. As origens dessa aliança vêm da Segunda Guerra Mundial, com a colaboração entre os decifradores de códigos americanos e britânicos, continuando durante a Guerra Fria, com um sistema de vigilância criado na década de 1960 para monitorar as comunicações da União Soviética e seus aliados.
A aliança expandiu suas capacidades de vigilância durante a “Guerra ao Terror”, com ênfase no monitoramento da internet. Segundo o Edward Snowden que foi funcionário da NSA americana, os países do Five Eyes espionam os cidadãos uns dos outros para contornar suas próprias leis que restringem a vigilância dos seus cidadãos. Em princípio, o Five Eyes seria uma organização de compartilhamento de inteligência de sinais, mas envolve também inteligência humana e geoespacial.
Há quem diga que com todas essas alianças, os Estados Unidos estão criando uma espécie de OTAN na região do Indo-Pacífico. Tudo isso obviamente irrita profundamente a China, que critica constantemente o que ela chama de “mentalidade da Guerra Fria”, e diz que essas parcerias são “panelinhas” anti-China. Autoridades chinesas dizem que o anúncio do AUKUS é o início de uma corrida armamentista na região da Ásia-Pacífico, além de expor a Austrália a possíveis retaliações nucleares, já que os australianos passariam a operar submarinos que potencialmente poderiam transportar armas nucleares, embora a Austrália afirme que isso não vai acontecer.
A Índia e o Japão, embora fora do AUKUS, saudaram o acordo como um sinal da determinação dos Estados Unidos em confrontar a China. A Malásia e a Indonésia manifestaram preocupação com a possibilidade de uma corrida armamentista na região. A Coréia do Norte criticou o AUKUS e disse que a transferência de tecnologia nuclear para a Austrália reforça a necessidade de a Coréia do Norte continuar a desenvolver seu arsenal de armas atômicas.