Enquanto em 5 de setembro ainda era possível parar o ataque inimigo, no dia seguinte a defesa polonesa quebrou. O comandante-em-chefe, marechal Śmigły-Rydz, ordenou que a unidade do SGO Wyszków, sob Kowalski (as 1ª e 41 de Infantaria, essa última do general Piekarski), então estacionadas nos subúrbios de Pułtusk e Różan, mantivessem o setor seguro de modo que uma retirada para o oeste, na direção do Narew, pudesse ser realizada caso a pressão do inimigo não fosse contida.
Por questões técnicas, a versão em PDF deste artigo será publicada na terceira e última parte.
A aproximação do 19º Corpo
Mesmo antes da ordem do alto-comando chegar, Piekarski já estava engajado em pesados combates na defesa de Różan, contra as tropas do Führungsstab z.b.V. 1 (Kommandostab 1), um corpo de exército destinado ao que os alemães chamavam de “serviços especiais”, sob o comando do general Albert Wodrig (1883-1972), unidade do 3º Exército (Küchler). Entre 5 e 6 de setembro, os poloneses conseguiram repelir todas as sucessivas tentativas de tomada das margens do Narew pelos alemães, que amargaram perdas severas.
Na tarde e noite do dia 6, entretanto, já não foi mais possível segurar as linhas e a defesa polonesa cedeu. As ordens conflitantes do alto-comando – cujos integrantes não conseguiam decidir por uma resistência ativa ou uma retirada progressiva para posições estabelecidas à retaguarda, e que com frequência emitiam ordens discrepantes para as mesmas unidades –, levaram caos ao comando e, consequentemente, a retirada das margens do Narew para o novo local de concentração ao norte de Wyszków.
No mesmo dia, a 41ª foi transferida para o SGO Narew, com o objetivo de retomar Różan. A ela se juntou a 33ª Divisão, do coronel Kalina-Zieleniewski. A unidade partiu em marcha acelerada de Wyszków para Stare Janki, 50 km a sudoeste de Wizna, na região Różan onde também foi designada para SGO “Narew”. Durante a noite, a divisão atacou Różan, mas uma confusão no desenvolvimento da ação fez com que a unidade atacasse na direção errada, para o sul, causando um nó logístico com os trens, colunas de marcha e unidades da 41ª, com seus homens espalhados por grandes espaços, cruzando os setores de Goworowo e Ponikiew Mała, responsabilidades da 41ª. Seu destino foi selado antes mesmo que entrasse em batalha. Os alemães engajaram ambas as divisões em uma ampla frente com armas blindadas, infantaria motorizada e artilharia e rapidamente “fatiaram” as subunidades, liquidando-as em sequência.
Com isso, a batalha imediatamente se transformou em uma série de confrontos individuais onde a coesão foi mantida entre os alemães e estiolada entre os poloneses. Alguns batalhões da 33ª foram cercados, sem possibilidades de avançar, recuar e mesmo manobrar para encontrar alguma brecha. O pânico se instalou entre os homens após uma curta batalha entre os Panzer e os 7TP poloneses. Como resultado, as tropas de ambas as divisões se espalharam, sofrendo pesadas perdas em homens e equipamentos. Kalina-Zieleniewski e Piekarski não conseguiram se falar a fim de alcançar um mínimo de coordenação. Foi uma bagunça…
Do lado alemão, o comunicado emitido pelo Oberkommando der Wehrmacht informava que as unidades do 3º Exército conseguiram vencer a defesa polonesa em Różan e lançar uma ponte sobre o Narew, cerca de 10 km a leste da localidade, ressaltando que a brecha aberta na linha polonesa deu aos alemães a oportunidade de chegar à retaguarda do Exército Modlin e do SGO Narew. Àquela altura, Guderian já se aproximava pelo norte depois do rompimento da fronteira da Prússia Oriental. Ao alvorecer do dia 7, a primeira e segunda linhas de Wizna já eram alvos de milhares de projéteis de artilharia que caíam à mesma profusão das munições da Luftwaffe que saía em apoio à arremetida. Os canhonaços não impediram os poloneses de continuar suas patrulhas de sondagem a fim de identificar por quais caminhos os Panzer apareceriam.
Mas entre os soldados que guarneciam as casamatas, as coisas se mostram sombrias desde o princípio. Os disparos dos canhões inimigos incendiaram o revestimento dos bunkers. Ressecados por conta da estiagem incomum daquele ano, os abrigos se transformaram em fornalhas das quais os homens fugiam procurando refúgio em depressões, buracos, cavidades e baixios no terreno. Como várias das construções não foram concluídas a tempo, muitas não dispunham de ventilação, o que tornavam ainda piores as condições do combate. O moral declinou um pouco mais quando o soldado encarregado de transportar o rancho para as tropas foi alvejado e não havia mais ninguém que pudesse ser dispensado da linha de fogo para substituí-lo. O alimento que sobrara era o que teria de dar.
No dia 7 (alguns historiadores alegam que foi dia 8), o general der Panzertruppe compareceu a uma reunião como o general von Bock, comandante do Grupo de Exércitos Norte. No encontro, ficou sabendo que Bock tencionava subordinar seu 19º Corpo à Küchler, operando em estreita ligação com o flanco esquerdo do 3º Exército e atacar na direção de Orzysz-Łomża, região leste de Varsóvia, evitando ainda que essa grande força ficasse “ensanduichada” entre as unidades de Kluge, o que poderia atrapalhar o comando e controle do 4º Exército, além de facilitar a tomada dos objetivos atribuídos no âmbito do 3º Exército. Guderian, obviamente, discordou do conceito. “Pareceu-me que uma ‘cerrada ligação’ com um exército à base de infantaria não estava em consonância com a grande mobilidade de minhas tropas. Assinalei que a operação proposta não permitiria explorar devidamente a velocidade das divisões motorizadas, e que uma lenta progressão do 19º Corpo concederia aos poloneses a oportunidade de retrair para leste e firmar-se em uma nova posição defensiva no rio Bug”.
Em vista disso, Guderian sugeriu que suas tropas infletissem na direção de Brześć, passando por Wizna, negando os acessos às margens orientais do Bug aos poloneses. Bock aceitou seus argumentos ordenando que, no máximo até 9 de setembro, o 19º cruzasse o Narew na área de Wizna, depois o Bug e seguisse para Siedlce e Mordy, 100 km a leste da capital, a meio caminho entre esta e Brześć. Guderian conseguiu mais. Apesar de perder a 2ª Motorizada, o 19º incorporou a 10ª Panzer, do general Ferdinand Schaal e ainda agregou, retirada do 3º Exército, a Brigada de Infantaria “Lötzen” (dois regimentos de infantaria, um de artilharia, um de engenheiros de combate e um de reconhecimento), do general Otto-Ernst Ottenbacher (1888-1975) – mas sob comando operacional do coronel Franz Gall (1884-1944) – formada por homens de mais idade destinada às operações de fortaleza.
Guderian dispôs três de suas quatro unidades de modo a atacar em leque e todas com objetivos bem definidos. A Lötzen investiria contra a posição Giełczyn; a 10ª Panzer, contra Wizna e Góra Strękowa e a 20ª Motorizada, atuaria no eixo Niwkowo-Grądy-Woniecko. A 3ª Panzer ficou na reserva. Assim, todo o 19º Corpo, de Guderian, alinhava 42 mil soldados, 450 tanques e armas blindadas, 274 peças de artilharia e 195 armas antitanque. As forças destacadas para o ataque a Wizna, marchariam por uma área de 100 km2 de região pantanosa, que deveria constituir uma barreira natural contra o inimigo, mas que com o verão excepcionalmente seco daquele ano, tornou-se quase um campo de provas.
Por volta das 14h00 do dia 7, o capitão Szmidt recebeu uma ligação do tenente-coronel Tabaczyński, do 135º Regimento, alertando-o sobre uma movimentação de tropas alemãs nas proximidades. Por volta das 16h00, tiros provenientes do setor de Jedwabne, foram reportados pelo cabo Józef Oleksy (*†-NI), comandante do Pelotão de Reconhecimento Montado Polonês. Seu relatório alertava “que uma unidade blindada inimiga (carros pequenos) entrara em Jedwabne, e que o seu pelotão de reconhecimento foi dispersado pelo inimigo”. Tratava-se do 90º Batalhão Panzer de Reconhecimento, do tenente-coronel Hans Cramer (1896-1968), unidade da 10ª Panzer, comandada pelo general Stumpff (o general Schaal havia sofrido um acidente) e composta por integrantes da Escola de Cavalaria e Tropas Blindadas de Döberitz-Krampnitz. Sua missão era capturar a ponte sobre o Narew. Os alemães entraram em Jedwabne, atacando a praça do mercado e a rua principal. Na estrada que vai de Jedwabne a Kotowo, foram engajados pelo Pelotão de Reconhecimento. Na refrega, o cabo Oleksy ficou ferido. Os alemães prosseguiram até Boguszki, onde foram bombardeados, mas não detidos. Męczki, a menos de cinco quilômetros do Narew, foi alcançada. Os poloneses tentaram frear o avanço inimigo com um ataque aéreo, sem sucesso.
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Defesa de Wizna, dias 8 e 9 de setembro
Em torno das 17h00, os primeiros veículos de Cramer começaram a atravessar a ponte. Foi quando uma poderosa explosão aconteceu. Por ordem do capitão Szmidt, confirma por Tabaczyński, a ponte foi dinamitada (18,19). Em Włochówka, o cabo Franciszek Pawłak matou todos os desafortunados alemães que conseguiram atravessar a ponte a tiros de metralhadora. “Depois de algum tempo, vimos cerca de 30 veículos na estrada Jedwabne-Wizna, a maioria blindados e off road, que se reuniram na parte nordeste de Wizna; ali o inimigo enviou apenas alguns homens num movimento de sondagem e desapareceu; quando um pelotão de artilharia abriu fogo no local onde o inimigo estava agrupado, toda a unidade alemã se retirou em direção à Jedwabne”. Mas voltaram.
Entendendo que sua força talvez fosse pequena demais para ultrapassar o Narew à força, Cramer decidiu apenas ocupar a cidade de Wizna e aguardar a chegada da totalidade da 10ª Panzer. À noite, uma patrulha alemã cruzou o rio e montou guarda ao lado da ponte demolida. Outras missões de reconhecimento, dessa vez da Lötzen, também atravessaram se aproximaram de Giełczyn, mas depois se retiraram para as barrancas do Biebrza. Na noite de 7 para 8 de setembro, os poloneses tentaram explodir o serviço de balsa do Narew a partir de Niwkówo, a pouco menos de cinco quilômetros ao sul de Wizna. Apesar da tentativa alemã de impedi-los, eles conseguiram destruir a balsa antes de se retirarem. Enquanto o comando alemão decidia se atacaria através de Wizna ou a circundaria, Młot-Fijałkowski foi notificado sobre o crescente número de soldados alemães que chegavam ao seu setor. Sztama: “No entanto, da mesma forma que o Estado-Maior do Comandante Supremo, o general desconsiderou os relatórios recebidos”.
Nem poloneses nem alemães sabiam, mas os dois próximos dias – 8 e 9 – entrariam para a crônica de guerra dos dois países com distintas considerações. As tropas de Schaal, ainda sob o comando de Stumpff, começaram a aparecer em Wizna na manhã do dia 8. O cronograma de Guderian exigia que ele ultrapassasse a seção e seguisse célere para Siedlce, Mordy e Brześć. No início da madrugada, a artilharia pesada dos alemães começou a disparar na direção dos abrigos. Ao mesmo tempo, o apoio aéreo alemão – perto de 12 aeronaves – atingia as defesas de Kurpiki, Góra Strękowa, Giełczyn, Wizna, Wierciszewo e Sieburczyn, precedendo o assalto da 10ª Panzer e da Lötzen, que partiam de Jedwabne.
Enquanto o canhoneio prosseguia, Raginis tratou de brifar seus homens: “Conto com ações ofensivas inimigas pela manhã; quero lembrar aos senhores para que não alertem o inimigo quanto às suas posições, disparando prematuramente; abram fogo a uma curta distância; mantenham seus nervos sob controle”. Às 09h00, chegou o primeiro relatório da posição Giełczyn: “O inimigo está cruzando Biebrza. A infantaria inimiga apareceu em primeiro plano”. De fato, um pelotão de sapadores da Lötzen cruzou o Biebrza, mas um denso nevoeiro desorientou o ataque e toda a pequena unidade foi feita prisioneira pelos homens da Companhia de Engenheiros, a reserva de Raginis, enviada a região depois que o capitão concluiu que o centro de gravidade do ataque alemão estava se dirigindo temporariamente para Giełczyn. Em seguida, a artilharia polonesa, sob o comando do tenente Stanisław Brykalski (1912-1939), se fez presente o bastante para evitar que toda a brigada tentasse cruzar a ponte. Mas não foi o suficiente.
Os canhões alemães assestaram suas armas e atingiram vários pontos de defesa dos poloneses, permitindo que os homens de Guderian avançassem. Apoiados por morteiros, os alemães lançaram um ataque a Włochówka, sudoeste de Wizna, onde foram freados por fogo de metralhadoras, e a Smolarze, que a exemplo de Włochówka já ardia em chamas. Os dois pontos de resistência não mais podiam operar , algo que não chegava a surpreender Raginis. Os primeiros relatórios que chegavam às suas mãos logo pela manhã, davam conta de que as colunas de ataque alemãs eram esmagadoramente superiores. Os canhonaços reiniciaram seus acordes. O fogo alemão atingiu a retaguarda de toda a seção, alcançando inclusive as posições abandonadas pelo 3º Batalhão (Fober), do 71º Regimento, no começo do mês. Nuvens de fumaça densa formavam uma parede em todo o primeiro plano.
Brykalski ficou em silêncio: era necessário economizar munição. Raginis – classificado por quem o conheceu como um sujeito laborioso, modesto, quieto, tão tímido quanto teimoso – sentiu que devia fortalecer o espírito de luta entre seus subordinados. Juntamente com Brykalski, que também era subcomandante da seção, jurou que somente a morte os faria desocupar suas posições de defesa. Enquanto isso, poderosos gêiseres de fogo e fumaça da artilharia pesada enquadravam o alvo e se aproximavam das estruturas de concreto armado.
À tarde, a pontaria dos canhões alemães foi ajustada de modo a acertar diretamente as fortificações. Os canhões do tenente Brykalski tentaram fogo de contrabateria, mas os disparos eram poucos e raramente acertavam o que deveriam. Ao anoitecer, a guarnição dos “filhotes de urso” – os abrigos de batalha leve, mais a oeste de Wizna – não conseguiu mais suportar a pressão e escapou, abandonando seus postos. Sentinelas e a guarnição dos dois “filhotes de urso” atingidos – Włochówka e Grądy-Woniecko – relataram ao capitão que apenas alguns “filhotes” ainda resistiam. “Foi impossível continuar”, lamentou o cabo Pawłak. “Eu entendo, obrigado”, respondeu o comandante.
Raginis precisava de informações, mas as sentinelas postadas no caminho dos alemães não respondiam. Nas horas seguintes, ele mandou batedores para o setor de Sulin-Strumiłowo. O capitão Szmidt, da 8ª Companhia, foi instado a liderar a patrulha. Ele tomou um pelotão e seguiu por quatro quilômetros a oeste, tentando identificar a posição dos alemães. “Ao longo da jornada, minha maior preocupação era manter os soldados comigo, unidos, coesos, mas assim que saí da estrada para o mato, em pouco mais de dez minutos, metade da patrulha desertou”.
Szmidt se viu caçando os desertores ao mesmo tempo em que tentava manter a patrulha em movimento. “No caminho, encontrei alguns soldados em pânico, sem armas, casacos, capacetes. Por volta da 01h00, já a 9 de setembro, ele chegou ao posto de vigilância: “Não encontrei uma alma viva ou morta, apenas barracas cheias de equipamentos, espalhados de tal forma que davam a impressão de uma fuga em pânico. Não havia inimigo na margem leste do rio, mas na outra margem dava para ouvir alguma atividade”. Em seu retorno, ele informou ao seu comandante que a posição avançada em Wizna ainda não havia sido ocupada. Uma ponte, varrida de sangue, estava em chamas, e o rugido constante de motocicletas indicava que a massa blindada do inimigo se reunia para a travessia do Narew, por meio de uma nova ponte de pontões que os alemães estavam construindo. O fogo de artilharia desencadeado continuou e ficou ainda mais forte.
Ciente do que ocorria em Wizna, o tenente-coronel Tabaczyński – a quem Raginis estava subordinado – decidiu apoiar o capitão com o envio do 1º Batalhão (Nowicki), o mesmo que fizera a razia em Prostki, dias antes. O problema é que a unidade estava longe, nos arredores de Osowiec, na floresta de Ruda, e não poderia chegar a Wizna pelo menos até o dia 10. Mas mesmo que Nowicki já tivesse chegado à Osowiec, ainda assim não seria deslocado para Wizna. O episódio é bastante ilustrativo sobre o quanto o comandante-chefe e seu Estado-Maior estavam perdidos, dissociados do quadro geral da batalha que selaria o destino dos poloneses pelo próximo meio século.
A 3ª Companhia do batalhão do Forte Osowiec, a 8ª, do 135º Regimento, parte do 3º Batalhão, do 71º Regimento, que faziam parte da guarnição inicial de Wizna, foram simplesmente retiradas de Raginis antes mesmo do pretendido contra-ataque a Różan, no dia 6. De modo absolutamente inconsequente, Śmigły-Rydz ordenou que tais forças passassem a se subordinar ao general Józef Konstanty Olszyna-Wilczyński (1890-1939)*, comandante da Área Fortificada de Grodno, cuja responsabilidade se estendia à Osowiec/Wizna. Assim, por volta das 23h00 do dia 8, Olszyna-Wilczyński recebeu um comunicado do comandante-chefe, que dizia: “O senhor general assumirá o comando do SGO ‘Grodno’ que consiste em quatro batalhões de infantaria, dois esquadrões de cavalaria, uma bateria de canhões, dois pelotões de artilharia de 40 mm, uma companhia de artilharia antiaérea, baterias de artilharia ligeira, todo o grupamento “Augustów”, composto por três unidades do KOP (comando e dois batalhões), o batalhão KOP “Słobódka” e a bateria de artilharia KOP “Kłeck”, um grupo composto por soldados do 135º Regimento de Infantaria e da 32ª Divisão Blindada, mais a guarnição da região de “Wizna”. E prosseguia: “Tarefa: Carregar logo que possível os grupos ‘Grodno’, ‘Augustów’ e ‘Osowiec’ nos transportes ferroviários. (…) O carregamento da guarnição Osowiec deve ser assegurado pelo batalhão especial de metralhadoras pesadas do Forte Osowiec e a guarnição de Wizna. (…) O senhor general partirá no último transporte após a saída de todos os grupos”.[1]
Guderian toma as rédeas no Narew
Tabaczyński recebeu a ordem de retirar todo o seu 135º da área de operações Osowiec/Wizna e transferi-lo para a área de Białystok. Ele sabia o que isso significava para Raginis e seus homens. Na esperança de que se tratasse de um equívoco, ele ligou para o general Olszyna-Wilczyński, tentando se certificar de que aquilo não fosse, de fato, um erro. “Por favor, confirme”, pediu o tenente-coronel. O general estava tão feliz quanto seu subordinado, já que suas poucas e dispersas forças estavam cobrindo toda a região nordeste. Em conversa telefônica com Śmigły-Rydz, Olszyna-Wilczyński tentou convencer seu comandante da necessidade de manter suas tropas onde estavam: “Marechal, eu lhe digo respeitosamente que posso me trancar no forte e defender Osowiec com sucesso”. O comandante-chefe o interrompeu bruscamente: “Por favor, siga a ordem sem discussão! Você não conhece a situação geral. Eu não me importo com a manutenção de Osowiec no momento”. À solicitação de Tabaczyński, que queria ter certeza de que as ordens eram aquelas mesmas, o comandante do SGO Grodno respondeu: “Sim, de fato; esta é a ordem do Comando Supremo”. Ele explicou que a tomada de Nowogród e Łomża pela 21ª Divisão de Infantaria Alemã (general Kuno-Hans von Both, 1884-1955), unidade do 21º Corpo de Exército (general Paul Nikolaus von Falkenhorst, 1885-1968), e de Wizna por Guderian, convenceram o alto comando de que a única estratégia viável seria defender o sul do país, notadamente Varsóvia, reunindo tudo o que fosse possível para um grande e decisivo contra-ataque. “No momento, estou voltando de Wizna”, relatou Tabaczyński. “O inimigo está preparando um ataque. Se a seção for rompida amanhã, suas unidades motorizadas chegarão a Białystok mais cedo do que as minhas enviadas hoje”. E complementou: “De qualquer forma, não posso retirar a 8ª Companhia de Wizna”. Um pensativo Olszyna-Wilczyński concordou: “Sim, é triste; por favor, aguarde na antessala”, pediu a Tabaczyński, enquanto conversava ao telefone com Śmigły-Rydz. Ao que parece, o general expôs o que acabara de ouvir do tenente-coronel, com quem concordava. Depois de um momento, ele voltou a Tabaczyński: “Carregue o regimento sem 8ª Cia.”.
Em campo, às 05h00 da manhã, Szmidt, ainda na área de Sulin-Strumiłowo, recebia novas ordens de Raginis. “Feche a estrada com cabras espanholas (barreira física consistindo em uma estrutura portátil – na maioria das vezes, uma simples barra –, coberto por diversos espigões longos de ferro, madeira ou lanças), destaque um suboficial com dois canhões e coloque o restante do pelotão em posições à esquerda da estrada. Ao amanhecer, à medida que aumentar o fogo da artilharia, eles se abrigarão nas instalações”.
Cumprida a ordem, Szmidt voltou para Gora e instalou-se na cúpula do bunker Kurpiki, ao sul do GG-126, três quilômetros de Maliszewo-Perkusy-Łynki, de onde observou aviões alemães despejaram panfletos sobre as posições polonesas, sugerindo aos soldados que se rendessem, já que estavam cercados, sem chances de defesa ou de receberem reforços, confrontados por uma força imensamente superior. Em troca, prometiam deixar os soldados viverem. Se os defensores de Wizna tivessem um vislumbre do futuro reservado aos poloneses pelos alemães, lutariam com mais galhardia ainda. Não tinham, mas talvez intuíssem. O fato é que, baldados seus apelos para a rendição, os alemães reiniciaram os canhoneios aéreo e de artilharia.
Após o bombardeio, atacaram o flanco norte do dispositivo polonês, na direção de Sulin-Strumiłowo. Andrzej Krajewski, jornalista do Polska Times, descreve: “Dois pelotões poloneses, localizados ao norte do Narew, foram atacados por três lados; eles responderam ao fogo e causaram fortes perdas o inimigo”. Os defensores encontravam muita dificuldade em disparar dos abrigos devido à fumaça dos incêndios. Entre os alemães, um quase caos controlado reinava, com tráfego de veículos truncado na margem oeste… Até que Guderian apareceu.
Às 08h00, o general alcançou as posições ocupadas pela 10ª Panzer e pela Brigada Lötzen. Para esta última ele só tinha elogios. Em compensação, para as tropas de Stumpff: “Quando cheguei a Wizna, com grande desapontamento soube que ocorrera um engano quanto a situação da infantaria da divisão. Realmente ela havia transposto o rio, mas não conseguira atingir as defesas de concreto da outra margem. Decidi atravessar o rio para ver o comandante do regimento. Não consegui, entretanto, descobrir o seu posto de comando, nem tampouco o dos batalhões (…) Não havia sinal dos carros da divisão, que estavam todos ainda na outra margem (…) As tropas não tinham conhecimento de qualquer ordem de ataque. Um observador da artilharia pesada que encontrei junto aos infantes, não fazia a menor ideia de sua função ali. Ninguém sabia onde se achava o inimigo, nenhuma ação de reconhecimento vinha sendo executada”.
Guderian chamou os soldados aos seus deveres, emitiu ordens para todos os lados – exigindo, inclusive, que o observador de artilharia direcionasse os disparos para as posições polonesas – e quando o comandante do regimento finalmente apareceu, o general ordenou que o acompanhasse por um tour pela frente de batalha. “Assim o fizemos até que começamos a receber tiros. Neste momento quase tropeçamos em uma peça anticarro germânica cujo bravo chefe a havia trazido para ali – diretamente em frente às fortificações de concreto polonesas – por sua própria conta (…) Não posso ocultar que me senti muito desapontado por tudo o que observara”. Para dar mais impulso ao ataque, Guderian colocou a 3ª Divisão Panzer (Schweppenburg) na direção de Wizna. E a artilharia alemã não descansava. Já nas primeiras horas da manhã, Brykalski fez seu relato a Raginis por telefone: “A artilharia inimiga está disparando contra a posição; um canhão foi destruído; temos mortos e feridos”. Ao longo do dia, o fogo de contrabateria ou de apoio polonês cessou de vez quando os restos da artilharia recuaram para Białystok. Mas seu comandante não acompanhou seus homens para a nova posição. Monitorando o campo de batalha do bunker de comando em Góra Strękowa – o GG-126 – Brykalski foi atingido por um fragmento de projétil na cabeça e morreu quase instantaneamente.
Na subsecção Giełczyn, a luta eclodiu feroz logo pela manhã. A cidade estava quase toda tomada pelas chamas resultantes dos disparos da artilharia alemã. O tenente Kiewlicz, um soldado KOP, defendia o setor com o 2º Pelotão do Forte Osowiec e com o 3º Pelotão da 8ª Companhia, do 135º Regimento, unidade que Tabaczyński se recusara a retirar de Raginis. Este, sob intensa pressão dos contínuos ataques alemães, não pôde socorrer a guarnição de Giełczyn. Sua própria posição em Gora já estava em perigo de ser ultrapassada. Uma sentinela avançada relatou a aproximação de tropas, que partiam da ala norte, desde a aldeia de Kołodzieje. “Este é o começo do fim”, pensou Kiewlicz.
Desde a partida do 3º Batalhão do 71º Regimento, aquele setor não fora ocupado por forças polonesas. O que a sentinela viu foi o surgimento da Brigada Lötzen (Gall) que liderava a ação. Temendo um ataque frontal, Gall optou por tentar romper a defesa pela retaguarda, mas mesmo assim enfrentou duro fogo de oposição, quando os poloneses efetuaram um contra-ataque pela floresta de Giełczyn. Se uma abordagem direta era necessária, seria assim que os alemães agiriam. Com esse fito, levaram a frente canhões antitanque, entre eles o formidável Krupp 88 mm Flak 18, uma arma concebida inicialmente para ser usada contra aeronaves, mas que se revelou um poderosíssimo engenho antitanque. Com seu cano de disparo em alça zero, seus tiros contra os bunkers, a pouca distância, se revelaram devastadores. O fogo inimigo atingiu a cúpula blindada do abrigo comandada por Kiewlicz. Ferido e atordoado, ele recebeu uma ordem de Osowiec para queimar a ponte sobre o Narew, eixo Leste-Oeste, perto de Góra Strękowa, e recuar com o seu grupo para Białystok. Uma quantidade considerável de feno e madeira foi recolhida e depois de um tempo a ponte ardeu como um fósforo. Bem a tempo.
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Mal a ponte incendiou, com suas seções desabando, na outra margem os tanques de Guderian apareceram. Mas a situação dos poloneses não era também das melhores. Entre ser capturado ou tentar escapar, o tenente Kiewlicz escolheu seu caminho através do fogo. Restos dos defensores seguiram para Białystok, onde se uniram às forças do general Franciszek Kleeberg (1888-1941), comandante do 9º Corpo de Exército, carregando seu comandante ferido e queimado.
A morte do capitão Raginis
Quando a Brigada Lötzen conseguiu superar Giełczyn, unidades das 10ª Panzer já se aproximavam de Góra Strękowa. A todo momento, o fluxo de homens e veículos que atravessavam o Narew engrossava as colunas atacantes. No setor de Maliszewo-Perkusy-Łynki, flanco esquerdo de Góra Strękowa, o capitão Szmidt assinalou que por volta das 10h00, uma grande barragem de artilharia teve início, abrangendo toda a seção. Guderian ordenara que os artilheiros não dessem descanso aos poloneses e atirassem o dia todo. Às 12h00, a infantaria inimiga, apoiada por canhões de assalto, apareceu em primeiro plano, iniciando um ataque direto às fortificações. “Por causa da fumaça, era impossível atirar dos abrigos sem ventilação; então as armas foram levadas para as trincheiras”, lembra o coronel Apoloniusz Zawilski (1912-2004), doutor em história e autor do livro “Batalha do setembro polonês” (Bitwy polskiego września).
Raginis designou um pelotão para apoiar Szmidt. Mas a situação do capitão de Kurpiki em nada diferia da dos seus companheiros. Quando Stumpff se colocou em movimento contra seus abrigos, ele dispunha de três Ckm wz .30 funcionando, mas suas armas antitanque não mais existiam. Por conta disso, os blindados alemães se aproximavam e a curta distância disparavam petardos demolidores sobre as posições. Às 15h00, o inimigo penetrou o perímetro defensivo de Kurpiki e Maliszewo-Perkusy-Łynki. Szmidt recorda: “Às 15h00 perdi minha primeira metralhadora pesada e fiquei temporariamente cego devido a explosão de um foguete na cúpula do bunker”.
No momento em que Szmidt lutava para voltar a enxergar e continuar a dar combate, no bunker GG-126, às 16h00, o capitão Raginis estabeleceu sua última comunicação via rádio com Osowiec. O canhoneio alemão havia cortado os fios telefônicos do abrigo, mas o sargento N. N. Maks (*†-NI) e o Cabo N.N. Wiśniewski (*†-NI) conseguiram remendá-los. Raginis então informou ao major Antoni Korpal (1899-†NI), comandante do batalhão KOP de Osowiec, que sofrera pesadas perdas, estava ferido e sem artilharia, mas que não cessaria a defesa. Logo após essa conversa, o único rádio de Raginis foi destruído.
A infantaria dos abrigos, apesar do fogo assassino de todos os tipos de armas que grassava pelo campo de batalha, saía para contra-atacar, entendendo que somente assim poderia ter alguma chance de sobrevivência até o anoitecer. Muitos conseguiram chegar às valas de tiro e ocupar os restos dos abrigos, dos quais disparavam na infantaria alemã que os ultrapassava, um expediente que lhes custaria caro ao final dos combates. Os únicos que não passavam pelos abrigos antes de explodi-los eram os tanques. Dezenas de colossos blindados surgiram à frente das casamatas de Kurpiki e Maliszewo-Perkusy-Łynki, levando de roldão posições, bunkers, trincheiras e valas de tiro. Três deles queimaram como tochas e outros dois foram paralisados depois de atingidos por minas.
Isso, entretanto nada significava. Juntas, a 3ª e a 10ª Panzer alinhavam cerca de 400 tanques. Cada projétil que explodia sobre os bunkers os inundava com gás, fumaça, destroços, terra e poeira, que entravam pelas aberturas dos abrigos. Tentando se proteger de algum modo, os soldados tapavam os ouvidos, fechavam os olhos, suspendiam a respiração, numa combinação de condições que os sufocava. Muitos desmaiavam. Szmidt: “Às 18h00, o inimigo havia danificado todas as metralhadoras do abrigo, ferindo gravemente a mim e a cinco soldados. As condições dos 26 feridos, amontoados em um quarto completamente escuro, deterioravam-se rapidamente; pouco depois perdi minha última Ckm. Então decidi entregar a posição”. O desenrolar da luta descrita pelo sturmbannführer (major) U. V. (unbekannter Vorname, primeiro nome desconhecido) Malzer (ou Mäser), do 19º Corpo, revela um pouco do que foi a batalha: “O ataque principal ao bunker não levou ao objetivo. Os duros defensores poloneses não desistiam da luta e nossa unidade foi novamente engajada com fogo de metralhadora. O comandante dos sapadores decidiu contornar a posição, através da aldeia [Kurpiki] transformada em escombros; a unidade atacante atingiu diagonalmente o abrigo, que ainda disparava contra nossa infantaria. Os tanques chegaram e, sob sua cobertura, a unidade de assalto se aproximou do abrigo. Quando os tanques abriram fogo contra as posições de tiro e temporariamente incapacitaram as pesadas metralhadoras polonesas, um dos engenheiros conseguiu correr para a porta da frente e plantar uma carga explosiva. Uma forte detonação derrubou a porta e a entrada foi imediatamente coberta com fogo de submetralhadoras. O segundo sapador rastejou até a abertura e lançou uma granada por ela, de modo que a arma silenciou. A tentativa de invadir o bunker falhou porque a metralhadora da cúpula nos mantinha sob fogo. Os poloneses ainda assim permaneciam lutando, muito embora praticamente todas as suas armas tivessem sido destruídas. Somente quando um dos engenheiros lançou algumas granadas na casamata é que a resistência foi finalmente quebrada. Encontramos nove mortos no abrigo”.
No entardecer do dia 9, a situação dos poloneses era desesperadora e sem esperanças. Dos abrigos de defesa, Włochówka caíra no dia anterior, e a ela se seguirá, no dia seguinte, Giełczyn e a linha Kurpiki e Maliszewo-Perkusy-Łynki. Grądy Woniecko, a mais meridional das posições da seção Wizna, fora duramente assaltada por forças da 20ª Motorizada (Wiktorin) e embora os comandados do tenente Przybylski – um pelotão de infantaria, uma companhia de marcha e uma equipe de Ckm – tenham lutado até o fim da munição, saindo para o combate com granadas e luta corpo a corpo, não tiveram chance e sucumbiram ao peso material e humano dos alemães.
A situação em Sulin-Strumiłowo também era desastrosa e o envio do sargento Maks, por Raginis, ao segmento, em nada alterou o resultado, a não ser para dar ao inimigo mais prisioneiros. Assim, com exceção de Góra Strękowa, que ainda resistia, todos os outros abrigos estavam dominados pelos alemães. Os que ficaram no último reduto – infantaria polonesa, remanescentes de artilheiros sem canhão, sapadores – forçados a abandonar as trincheiras e demais abrigos de campo e recuar para dentro dos bunkers restantes, viam os alemães cruzarem sua linha de defesa e avançar para Tykocin, a leste, na direção de Brześć, e Zambrów, a sul. Percebiam também que as tropas de Stumpff, que ficavam para liquidar a posição, passaram a flanquear o dispositivo, penetrando na floresta pela estrada de Góra Strękowa-Mężenin, 15 km, além da linha de abrigos, a fim de abordar o forte pelo setor sul, como Gall tentara em Giełczyn.
A artilharia alemã trovejava. Sob a cobertura negra do céu, tudo o que os poloneses podiam ver de suas posições era sua terra queimando. Fazendas, celeiros cheios de grãos, palheiros, árvores, cercas, grama seca, tudo ardia. Bombas e fogo de metralhadoras dos aviões de apoio da Luftwaffe alimentavam os incêndios. A estrada Wizna-Góra Strękowa também estava sob fogo. Com seu cronograma entrando em atraso, Guderian buscava acelerar a travessia dos veículos pelo Narew. Ele ordenou que o transporte dos mesmos fosse feito em balsas, já que a ponte de pontões ainda não dava conta de suportar o tráfego dos blindados. No meio da tarde, Guderian percebeu que a atividade antitanque do inimigo já não era mais a mesma.
De fato, Raginis não tinha mais nenhum equipamento anticarro. Sua arma primária era o rifle antitanque Kb Ppanc Wz.35 (Karabin przeciwpancerny Wz.35) de 7,9 mm. Desenhada pelo engenheiro polonês Józef Maroszek (1904-1985), o equipamento disparava um possante projétil a uma velocidade inicial de até 1.275 m/s, a uma taxa de oito a dez tiros/min., capaz de penetrar armaduras de 33 mm a 100 m e 15 mm a 300 m. Tratava-se de uma arma robusta de quase 10 kg (sem munição). Vê-se, portanto, que o problema não era propriamente a arma, mas a quantidade disponível e a dotação de munição: dois rifles, 20 tiros. Se cada polonês fosse hábil o suficiente para acertar e paralisar um tanque (sem contar demais veículos de apoio) a cada tiro disparado, no final 40 tanques teriam sido atingidos. Restariam “somente” 360 a serem abatidos. “O fato de que, naquele dia, os defensores de Wizna tenham destruído uma dúzia de tanques alemães parece ser literalmente um milagre”, afirma Krajewski.
Mas agora que os alemães entenderam que os poloneses não tinham mais como se defender dos tanques, eles os aproximaram ainda mais. Por ordem de Guderian, os blindados chegavam a poucos metros dos abrigos individuais, cortavam a comunicação entre os postos de defesa e despejavam fogo a curtíssima distância. Nos intervalos das detonações, a infantaria cercava os fortins e rendia os soldados.
Os alemães finalmente conseguiram romper a defesa polonesa. Ao anoitecer, cercaram dois abrigos de batalha em Góra Strękowa. Tentativas de invasão resultaram em infantes inimigos ceifados por metralhadoras. A situação nos abrigos era crítica. Evadir-se era impossível pois cada vez que alguém abria a porta do abrigo, uma avalanche de tiros de metralhadora do inimigo inundava o recinto. O tenente-coronel Tabaczyński assinala em seu relatório, escrito em dezembro de 1946: “Desde a manhã [do dia 9] não tive contato com Wizna. Da direção do setor, eu podia ouvir forte fogo de artilharia o dia todo. Durante a marcha para Knyszyn [sudeste de Osowiec], vários soldados da 8ª Companhia que lutaram em Giełczyn, foram trazidos a mim; suas palavras eram: ‘Os alemães capturaram nossas trincheiras. Todos estão mortos’”.
Por seu turno, o general Wilczyński-Olszyna informou o Comando Supremo sobre os eventos do dia: “A situação na região de Wizna é nieprzyjemna (desagradável, sic). O setor está sob forte ataque e é protegido apenas por uma companhia de metralhadora, uma de infantaria e dois pelotões de artilharia. O líder do grupo está ferido, os abrigos principais caíram e Osowiec, a 36 km de distância, não pode ajudá-lo. Se Góra Strękowa cair, a direção para Białystok estará aberta”. A verdade é que, à altura em que o general descrevia o tétrico cenário para o alto comando (usando a expressão “desagradável” para ilustrar um cenário que estava catastrófico), Gora já havia caído. O fato de Raginis ainda não ter se rendido não queria dizer nada. Guderian vencera. Ele administrou pessoalmente as batalhas, principalmente no âmbito da atuação da 10ª Panzer. Dezessete dos 18 pontos de defesa de Wizna estavam tomados. O último era uma questão de – pouco – tempo. Guderian: “A divisão conquistou rapidamente o objetivo, com perdas muito pequenas. Uma enérgica e resoluta liderança teria obtido o mesmo resultado ainda pela manhã”.
A noite foi dedicada a consolidação dos abrigos tomados, recolhimento de prisioneiros, operações de limpeza. Alguns poloneses, isolados, deixaram suas posições. Na madrugada do dia 10, irritados soldados do 19º Corpo partiram para liquidar com o que restava das defesas de Góra Strękowa. Wizna já estava nocauteada em pé, massa de soldados e equipamentos alemães marchavam acelerados para Brześć, do ponto de vista operacional, a seção já deixara de existir e Raginis insistia em continuar lutando com os restos do seu batalhão. Sucessivos ataques foram repelidos e pela manhã a posição ainda não havia sido dominada.
Exaustos, feridos, alguns semimortos, sem comunicação, sem medicamentos, suprimentos e munição, a situação de Raginis era inominável. Foi com essa situação que o artilheiro Seweryn Biegański (*†-NI) se deparou quando chegou ao bunker de Raginis com a mensagem do capitão Tadeusz Naróg (1899-†NI). Ele constatou que não era mesmo essa a intenção do capitão e sua chegada só serviu para que acrescentasse mais um soldado ao esquálido componente de defesa de Góra. Raginis não pensava em rendição, mas não desejava que seus homens morressem lutando por algo que já não tinha mais propósito.
O que se seguiu entre 10h00 e 12h00 do dia 10 de setembro nunca pôde ser suficientemente confirmado. De acordo com os relatos apresentados por dois sobreviventes após a guerra, em algum momento o inimigo parou de atirar e um soldado com uma bandeira branca aproximou-se do abrigo. Krajewski: “Em nome do general Guderian, ele apresentou ao capitão Raginis um ultimato: ou o bunker se rendia ou todos os prisioneiros poloneses capturados durante a batalha seriam fuzilados”.
Raginis não tinha mais como opor qualquer defesa. Mais ou menos às 12h00, engenheiros alemães fizeram os arranjos para explodir o que restava dos bunkers de Góra. No interior do bunker, Raginis ponderava a respeito de suas opções. Não tinha nenhuma, pelo menos não uma que lhe desse chance de negar a oferta dos alemães. Às 13h30, ele se voltou para os homens que ainda estavam com ele, agradeceu por tê-lo acompanhado até então e cumprido seus deveres, e ordenou que saíssem do abrigo e se rendessem. O último a deixar o abrigo, justamente o artilheiro Biegański, descreveu o momento: “O capitão olhou para mim calorosamente e gentilmente me pediu para deixar o abrigo; quando estava na saída, ouvi uma forte explosão”. O Capitão Raginis detonara uma granada junto ao corpo.
Confusão no alto comando polonês
A morte do comandante de Wizna não foi o fim dos combates na região. Tão logo soube da morte do capitão, Młot-Fijałkowski ordenou que o setor fosse retomado. E aqui reside mais um episódio da confusão que reinava nos escalões superiores das forças polonesas. Na noite do dia anterior à queda posição, o general Olszyna-Wilczyński, considerando a situação de toda a frente norte, recebeu ordens para interromper a reunião de tropas que deveriam seguir para o sul a fim de proteger Varsóvia.
No dia 10, o 135º Regimento, que já se encontrava em Knyszyn, a meio caminho de Białystok, recebeu uma ligação de Osowiec. Tabaczyński: “Por volta de 01h00, durante o carregamento do 1º escalão [do 135º Regimento], na estação ferroviária de Knyszyn, recebi uma ordem do major Korpal para que devolvesse o regimento à seção”. O general Młot-Fijałkowski pretendia recapturar Wizna. “O mais importante para mim era Wizna”, relembra Tabaczyński. “Recebi uma ordem por escrito do general Młot-Fijałkowski a respeito, que mandava recriar aquele subsegmento, com o 1º Batalhão do 135º, uma bateria de artilharia e uma cia. antitanque”. Às 12h00, Młot-Fijałkowski emitiu tais ordens. O último reduto da seção Wizna, Góra Strękowa, estava pouco mais de 25 km a sudoeste de Knyszyn e o percurso poderia ser coberto com alguma facilidade, apesar da área estar sob o impacto das bombas e metralha das aeronaves inimigas.
Mas quando Tabaczyński recebeu as ordens de Młot-Fijałkowski, ele já estava cumprindo as determinações anteriores de Kopal e, portanto, estava em movimento para Osowiec. Uma vez na fortaleza, Tabaczyński constatou que apenas o batalhão KOP, de Korpal, estava desdobrado, com o apoio de artilharia posicional e sapadores. Mas o recém-chegado só pensa em Wizna. Entretanto, depois cobrir todo o caminho de volta, seu regimento é incapaz de continuar. Como solução, Tabaczyński faz seu 1º Batalhão alcançar Wizna de trem.
Os sons dos canhões oriundos de Wizna eram ouvidos em Zambrów, onde, após quatro dias de marchas noturnas, a Brigada de Cavalaria Suwalska, do General Podhorski, chegou. Młot-Fijałkowski, a fim de tentar conter os alemães na área de Wizna, despachou todo seu grupo operacional para a região, deixando para trás apenas o 3º KOP, do coronel Zajączkowski.
Na madrugada de 9 para 10 de setembro, de imediato, o 2º Regimento de Ulanos de Grochowski, cujo comando acabara de passar do coronel Kazimierz Plisowski (1896-1962) para o tenente-coronel Karol Anders (1893-1971), ultrapassou o Narew na altura de Niwkowo e rapidamente ocupou a brecha entre Łomża e Wizna. A seguir, as sub-unidades passaram a se ocupar de tarefas distintas, tentando contato com o inimigo. A Companhia de Ciclistas, da 33ª Divisão de Infantaria (Kalina-Zieleniewski) foi para Grady-Woniecko e uma patrulha, liderada pelo cabo E. Sapieha (*†-NI), chegou até Góra Strękowa, onde encontrou tanques alemães e foi destruída. Por fim, o 1º Esquadrão (capitão Stanisław Sołtykiewicz, *†-NI), partiu em direção a Wizna.
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Entre os alemães, nas últimas horas do dia 9, já entrando em 10, o 90º Regimento de Infantaria Motorizada, do coronel (oberst) Dietrich Kraiss (1889-1944), e elementos adicionais do 8º Regimento Panzer, do coronel Botho Henning Elster (1894-1952), avançaram pela área de Rutki e Mężenin, a leste do Narew. Grądy-Woniecko já havia sido superada. Ficou claro para Plisowski – que assumiu a brigada depois que o general Podhorski recebeu o comando de um SGO que reunia as duas brigadas de cavalaria e a 18ª Divisão de Infantaria – que deveria concentrar suas forças na floresta Kołomyjka, a oeste de Rutki.
Logo nas primeiras horas da manhã, os Ulanos foram ao assalto. O 2º Esquadrão, do tenente Jerzy Mielżyński (*†-NI) liderou o primeiro ataque que fracassou, da mesma forma que a ação ofensiva desencadeada pelo 4º Esquadrão, do capitão Władysław Wyszyński (*†-NI). O 1º Esquadrão (Sołtykiewicz) engajou os alemães em Kalinówka-Basie, pouco ao norte de Rutki, e também foi repelido. Anders – um dos dois irmãos do general Władysław Albert Anders (1892-1970), competente comandante do 2º Corpo de Exército Polonês, no Ocidente – encetou uma manobra de bloqueio de Rutki, a partir da floresta Kołomyjka, com um novo ataque dos 2º e 4º esquadrões mais um pelotão de ciclistas.
Contudo, mesmo antes de chegar às suas áreas de ataque, a unidade foi desintegrada por maciças forças inimigas. Um dos esquadrões ficou isolado do resto do regimento que conseguiu escapar pela borda oriental da floresta Kołomyjka. Ali, entre 11h00 e 16h00, um batalhão do 90º Regimento realizou dois ataques, com suporte de tanques e artilharia, mas não conseguiram desalojar os poloneses que resistiram com o 4º Esquadrão (Wyszyński), um pelotão de ciclistas e o fogo da 1ª Bateria (capitão Edward Gągulski, *†-NI) do 4º Esquadrão de Artilharia Montada, do tenente-coronel Ludwik Kiok (*†-NI).
Rutki caiu em mãos alemãs, assim como Zambrów, esta última depois de uma renhida luta em que o general Młot-Fijałkowski liderou os homens da 18ª Divisão de Infantaria. À noite, o regimento, dividido em várias partes, começou a recuar, deslizando entre as colunas do 19º Corpo.
Ordens se sobrepõem a ordens, contrariam outras ordens e causam uma desordem sem fim. Na madrugada de 11 de setembro, próximo a Giełczyn, mal recuperados das marchas e contramarchas a que foram submetidos pela barafunda do alto comando, os homens de Tabaczyński puseram-se a caminho do oeste, em missões de reconhecimento. Tabaczyński: “Saí com o 1º Batalhão e já no quilômetro 20, vi que a estrada estava intransitável para veículos e então prosseguimos a pé”. A posição de Giełczyn estava vazia e destruída. Ao amanhecer, os homens alcançaram o pico na área de Laskowiec, 50 km a oeste de Wizna). Depois que o sol apareceu e a névoa baixou, Tabaczyński notou o movimento da coluna blindada na estrada Wizna-Strękowa Góra. A ponte sobre o rio Narew, perto de Strękowa Góra, fora queimada (obra do tenente Kiewlicz, três dias antes). “Eu queria abrir fogo de artilharia contra a coluna inimiga, mas desisti de minha intenção, sabendo que isso implicaria em combate imediato com os alemães, uma impossibilidade prática, visto que eu, meus oficiais e soldados, estávamos no limite de nossas forças físicas e morais”, acentua Tabaczyński.
De fato, o esgotamento dos seus soldados era tanto que muitos deles simplesmente sucumbem ao cansaço e adormecem. O comandante do regimento decidiu voltar para Osowiec, mas antes deu ordens ao major Nowicki, líder do 1º Batalhão: “Não revele sua posição, dê descanso aos homens e aos cavalos; durante o dia, prepare-se para ocupar as posições defensivas de Giełczyn; mova o batalhão, ou uma companhia e faça um reconhecimento dos vaus do Biebrza até as travessias do inimigo no Narew, perto de Wizna, a fim de destruí-la”. Nesse ínterim, outra ordem emanada pelo general Wilczyński-Olszyna, mais uma vez atrapalhou os planos de Tabaczyński. Constatada a queda de Wizna e diante da impossibilidade de qualquer chance de restabelecer a seção, o comandante do SGO Grodno ordenou a Tabaczyński que levasse todo o 135º de volta a Osowiec para que este se juntasse aos transportes ferroviários que o levaria a Pequena Polônia, região histórica do sul-sudeste do país. Guderian, tendo atravessado Wizna e conquistado Zambrów, rumou para Wysokie Mazowieckie, Andrzejewo (onde cercou e destruiu a 18ª Divisão, sob o comando de Młot-Fijałkowski) e finalmente Brześć, cidade que resistiu aos seus panzer por três dias (14 a 17 de setembro). Deste modo, os poloneses definitivamente desistiram de firmar pé no norte e decidiram concentrar suas forças no sul do país. Mal sabiam que em menos de uma semana, o inimigo histórico e figadal emergiria das fronteiras da URSS, pegando os poloneses entre duas tenazes mortais.
O número de vítimas polonesas em Wizna nunca foi precisado. Pouco se sabe sobre os soldados que foram feitos prisioneiros pelos alemães. O que se sabe é que não foram exatamente tratados da forma como se espera o sejam homens que lutaram e sangraram pelo seu país. Vários soldados alemães ficaram muito irritados com a persistente defesa dos guerreiros de Wizna. Alia-se a isso o preconceito embutido no soldado alemão que lhe dizia que o soldado polonês pertencia a uma raça inferior, que devia ser menosprezada e não considerada de toda “humana”, o que endossava a espécie de guerra que Hitler levou ao leste europeu e que encontrou na Polônia sua máxima expressão.
Para Hitler e seus sequazes, a Polônia nunca mais deveria se erguer como nação, uma mentalidade que encontrou eco em Moscou, cuja invasão no dia 17 de setembro, proporcionou a Stalin não só uma vingança pessoal, como a chance de sovietizar a Polônia, algo que os bolcheviques tentavam desde o fim da I Guerra Mundial. Esse tipo de conduta explica o comportamento absolutamente imoral de inúmeros alemães na Polônia e que demorou pouco para ser extravasado, quando 89 poloneses foram assassinados em Katowice, apenas quatro dias depois da invasão.
Se a forma de lidar com a população civil era o assassinato puro e simples, por que haveria de ser diferente com homens uniformizados? Não foi. “Por volta de 8 de setembro, soldados do 74º Regimento, comandado pelo coronel Wacław Wilniewczyc (*†-NI), unidade da 7ª Divisão (general Janusz Tadeusz Gąsiorowski, 1889-1949), emboscaram e mataram mais de uma dúzia de soldados alemães da 11ª Companhia (capitão Mark von Lewinski, *†-NI), do 15º Regimento (coronel Walter Wessel, 1892-1943). Uma das vítimas dessa legítima ação de guerra, foi o comandante da companhia. Imediatamente, a 29ª Divisão de Infantaria Motorizada, do general Lemelsen, unidade a qual o 15º estava subordinado, contra-atacou os remanescentes do 74º e fez vários prisioneiros. Wessel ordenou então que os poloneses fossem despidos de seus uniformes a fim de que ficassem caracterizados como guerrilheiros”. E os fuzilou.
Leia a Parte 3 (Final)
Nota
[1] O rápido avanço alemão fez com que o SGO Grodno se tornasse irrelevante. A unidade foi então dissolvida e seus homens destacados para a defesa de Lwów (Lviv, Ucrânia). Quando Moscou abocanhou a parte polonesa que lhe cabia, segundo o tratado com os alemães, engoliu facilmente seu naco já que o leste do país estava, virtualmente, indefeso, tendo em conta a luta contra os alemães. Depois de romper as defesas sobrecarregadas do KOP, o 15º Corpo de Tanques Soviético, do general Mikhail Petrovich Petrov (1898-1941) iniciou um rápido avanço em direção à Grodno (Hrodna, Bielorrússia). O general Józef Olszyna-Wilczyński, comandante do setor antes da guerra, juntamente com o prefeito Roman Sawicki (*†-NI), organizou as defesas da cidade, baseando-se principalmente em batalhões de marcha (unidade militar composta por pessoal de substituição e apoio), voluntários, escoteiros e forças policiais. Mal equipados, com falta de pessoal e sem qualquer artilharia antitanque, a principal arma dos defensores eram coquetéis molotov e obstáculos antitanque. Entre 20 e 22 de setembro, os combates destruíram a cidade. Sem chances de defesa, os poloneses retiraram-se em direção à fronteira com a Lituânia. Olszyna-Wilczyński fez o mesmo. Embarcou sua esposa e seu ajudante, o capitão Mieczysław Strzemeski (*NI), em um carro, e a 22 de setembro, partiu na direção de Sopoćkinie (Sapockin, Bielorrússia), a fim de alcançar a fronteira. Na altura daquela cidade foram parados por um grupo de artilharia da 2ª Brigada de Tanques (15º Corpo, de Petrov). Comandava o grupamento o major Fyodor P. Chuvakin (*†-NI) e o zampolit (comissário político) Polykarp Grigorenko (*†-NI). Após um brevíssimo interrogatório, quando se certificaram de que se tratava de um general polonês, os soviéticos o executaram assim como seu ajudante, permitindo que sua esposa e motorista prosseguissem. Em 11 de fevereiro de 2002, o IPN (Instituto da Memória Nacional) iniciou uma investigação sobre os assassinatos, mas o Ministério Público Militar da Rússia, um ano e meio depois, alegou que os crimes estavam na esfera civil e, deste modo, prescritos (https://en.wikipedia.org/wiki/Józef_Olszyna-Wilczyński; https://osnovaschool.ru/en/health/kto-napal-na-polshu-1-sentyabrya-1939-tak-napadal-li-sssr-na-polshu-otvechayut/).
Excelente continuação da Parte 1. A garra e a determinação dos soldados poloneses ficam evidentes neste artigo.
Estou ansioso para ler a Parte 3.
Abraços!
Em breve Paulo, já já sai! Forte abraço!