Por Cel. Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*
“Em 2024, a China realiza um ataque surpresa, para impedir Taiwan de declarar independência. As forças chinesas desencadeiam ataques aéreos e de mísseis, e realizam desembarques anfíbios na ilha, tornando clara a necessidade de intervenção norte-americana. Infelizmente, os EUA não podem mais intervir a um custo aceitável. As capacidades militares chinesas referentes aos domínios aéreos, marítimos e de superfície continuaram a se desenvolver enquanto as dos EUA se estagnaram. Áreas do oeste do Pacífico se tornaram proibidas para as forças dos EUA. O Pentágono informa ao presidente americano que os EUA podem derrotar a China em uma guerra de longa duração, onde toda a capacidade nacional seja mobilizada, com perda de um grande número de navios e aeronaves, milhares de vidas e grandes transtornos econômicos – tudo isto sem garantias de que haja um impacto decisivo antes de Taiwan ser invadida. Permitir que Taiwan seja incorporada pela China seria um golpe terrível para a credibilidade norte-americana e para a sua posição na Região. Mas impedir que isto aconteça agora exigirá assumir perdas horrendas.”
Da mesma fonte de onde se extrai o texto acima, podem ser retiradas outras situações hipotéticas que envolvem desafios ao poderio norte-americano: uma situação de escalada de tensões nucleares envolvendo a Coréia do Norte; uma situação de caos doméstico ocasionada por ações russas contra satélites, cabos interoceânicos de fibra ótica e ataques cibernéticos; a proibição do acesso dos navios comerciais e de guerra norte-americanos ao mar do sul da China.
Nenhuma dessas situações foi retirada de livros de ficção. Elas foram extraídas do relatório elaborado pela Comissão da Estratégia Nacional de Defesa. Trata-se de um Painel suprapartidário, instituído pelo Congresso dos EUA, com a missão de avaliar a Estratégia de Defesa daquele país e de fazer as sugestões que julgasse adequadas. Os especialistas da comissão encerraram seu trabalho em novembro de 2018.
A Comissão, em seu relatório , concorda com as conclusões da Estratégia de Defesa Norte-americana, publicada também em 2018, e sobre a qual tratei em artigo do ano passado. Ambos inferem que a competição estratégica entre Estados Nacionais, e não a chamada Guerra ao Terror, é a primeira prioridade da Segurança Nacional dos EUA.
E como se pode claramente aduzir da situação hipotética do ataque chinês a Taiwan, os estrategistas e consultores, tanto do Congresso quanto do Pentágono, concordam que a superioridade da capacidade militar norte-americana em relação aos seus possíveis adversários, especialmente a China, vem sendo reduzida ano a ano.
Dentro deste cenário, destaca-se a preocupação com a disponibilidade orçamentária. Os especialistas alertam para o fato de que em 1996, para cada dólar gasto por Rússia e China em pesquisa e desenvolvimento científico, os EUA gastavam US$ 8,21. Vinte anos mais tarde os gastos dos EUA na mesma área superam os de seus adversários por apenas 6 centavos.
Ao mesmo tempo, a China sob a liderança de Xi Jinping adota uma postura cada vez mais incisiva em relação a Taiwan. No início deste ano ele reafirmou que a “China deve ser – e será – reunificada”. Dirigindo-se ao Comitê Central Militar do Partido Comunista, instância máxima das Forças Armadas do país, ele alertou que “o mundo está passando por uma era de mudanças drásticas” e que “riscos previsíveis e imprevisíveis estavam aumentando.”
Por outro lado, Tsai Ing-wen, presidente “de facto” de Taiwan, repetidas vezes tem conclamado a comunidade internacional a reafirmar “os valores de democracia e liberdade, com a finalidade de conter a China e minimizar a expansão de sua influência hegemônica.”
O presidente Donald Trump, por sua vez, emite sinais contraditórios. Ao mesmo tempo em que reforça o orçamento de defesa e endurece a posição comercial dos EUA, travando uma verdadeira batalha no campo econômico contra a China, anuncia uma retirada das forças norte-americanas da Síria, ação que enfraquece a posição dos EUA no Oriente Médio, área de enorme importância estratégica. O gesto causou o imediato pedido de demissão de Jim Mattis, respeitadíssimo general Fuzileiro Naval que era Secretário de Defesa e que assinou a Estratégia de Defesa de 2018. Não havia forma mais clara de Mattis demonstrar sua insatisfação.
Confirmando-se a saída dos EUA da Síria, abre-se um vácuo que será necessariamente preenchido. Irã e Rússia, países citados como adversários estratégicos nos documentos de defesa, ganham espaço, e os alertas feitos pela Comissão da Estratégia Nacional de Defesa tornam-se mais evidentes, com o enfraquecimento ainda maior das posições relativas dos EUA em mais uma área de importância vital para seus interesses estratégicos.
Mattis não foi o primeiro militar a sair do governo Trump por discordância na condução dos rumos estratégicos da defesa. Em março do ano passado, apenas um ano após sua nomeação como assessor de segurança nacional, outro militar respeitadíssimo, o General H.R. McMaster foi demitido. Assim como Mattis, McMaster dificilmente teria concordado com a retirada das tropas norte-americanas da Síria neste momento.
Alguns analistas internacionais têm definido a política externa de Trump, especialmente em assuntos de defesa, como “errática e cambiante”. Ao mesmo tempo em que aprovou a nova Estratégia de Defesa, indicando a necessidade de uma maior assertividade e alertando para o crescente enfraquecimento da posição estratégica daquele país em várias regiões de interesse vital, Trump toma decisões que vão exatamente na contramão do que seria esperado para a efetivação daquela estratégia. Os aliados e rivais dos EUA acompanham, entre surpresos e incrédulos, para onde caminhará a maior potência militar do planeta.
*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br
Foto de capa: Carolyn Kaster/AP
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Eu desejo que o Brasil substitua a China como produtor de produtos para o ocidente, será que nenhum general ou senador americano quer o mesmo?
Aqui somos escravos de sindicatos e sindicalistas e seremos consumidores de tecnologia e produtos tecnologicos, na China o Estado define suas metas e as cumpres a despeito do que meia duzia de sindicalistas vão opinar. Viu a diferença.
Muito bom! Qual foi o episódio que causou a demissão de McMaster?? É fato público? Parabéns pelo texto.
Vou repassar ao Cel., muito obrigado!