A substituição e a modernização das ogivas das armas nucleares e termonucleares no futuro próximo

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Icone-Logo-Menelau.png Por Reis Friede*

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Imagem: Gerd Altmann/Pixabay.

As armas nucleares são peças de engenharia de alta complexidade. Como qualquer munição, possuem data de validade, estimada em cerda de 100 anos para núcleos de plutônio e gatilhos de detonação de urânio-235. Uma boa parte das ogivas atualmente em uso precisarão ser modernizadas ou substituídas nos próximos anos.


A história das armas nucleares, – embora sempre eivada de controvérsias –, teve seu (presumidamente) início nos anos 1940, quando o mundo se encontrava (parcialmente) no contexto (ainda praticamente europeu) da Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Porém, é fato que desde a década de 1930, os principais cientistas já tinham conhecimento que o átomo resguardava um poder de gerar grande quantidade de energia, sendo certo que pesquisas e experiências realizadas, desde o início do século XX, indicavam que essa energia poderia ser usada tanto para a produção (supostamente mais barata) de eletricidade, quanto na produção de armas de destruição massiva.

Nesse sentido, ainda no início da década de 1940, os Estados Unidos, através do persistente relato de seus adidos militares, e, particularmente, impressionados com a inventividade e capacidade técnica da Alemanha, temiam (ainda que equivocadamente) que Berlim estivesse empenhando esforços e recursos nas pesquisas sobre o tema e, desta feita, conseguisse dominar a poderosa tecnologia atômica, criando armas que (potencialmente) poderiam conduzir à derrota do Reino Unido (e de outros potenciais adversários), incluindo (eventualmente) os próprios EUA, na época (ainda) um país “neutro” no conflito europeu que, através da oficialização da aliança do chamado “Eixo”, apresentava-se com grande possibilidade (como de fato ocorreu) de se transformar em uma Guerra Mundial.

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E, incontestavelmente, foi logo após o ingresso de Washington na chamada Segunda Guerra Mundial, – em decorrência do ataque japonês à base aeronaval de Pearl Harbor e, posteriormente, aos territórios norte-americanos de ultramar e da (surpreendente e “pouco inteligente”) declaração alemã e italiana de guerra aos EUA, no dia 8 de dezembro de 1941 –, e com o desígnio de alcançar em primeiro lugar a tecnologia (e a própria operacionalidade) dessa arma que, em 1942, os EUA deram início (oficialmente, ainda que em caráter sigiloso) ao Projeto Manhattan (curiosamente em um momento em que os alemães, – acreditando na inviabilidade prática de tal armamento –, optaram por redirecionar seus recursos no desenvolvimento e produção das bombas voadoras V-1 e dos mísseis balísticos V-2), visto, na oportunidade, como o maior, mais caro e complexo projeto militar de toda a história (US$ 2 bilhões em valores da época), não obstante seja cediço reconhecer que o desenvolvimento e a construção de 3.970 bombardeiros B-29 Superfortress tenha custado ainda mais, chegando à estratosférica cifra de aproximadamente US$ 3 bilhões.

No início do projeto, os cientistas envolvidos já tinham alguma suspeita sobre como essa nova arma deveria ser construída. Porém, todos estavam ainda “navegando” em uma área nunca antes explorada e, por isso, decidiram seguir vários caminhos diferentes de desenvolvimento. Uma dessas “linhas” deu origem à Little Boy, – bomba nuclear lançada sobre Hiroshima no dia 6 de agosto de 1945 –, produzida a base de Urânio-235 enriquecido a cerca de 80%.

Com base em diversos cálculos, estudos e mesmo experiências, os cientistas sabiam que acima de uma determinada quantidade e densidade, o Urânio-235 com esse nível (mínimo) de pureza era capaz de desencadear uma reação em cadeia descontrolada. O resultado seria a divisão de cada vez mais núcleos de Urânio, sucedendo em uma gigantesca liberação de energia sob a forma de onda de choque (deslocamento de ar), radiação e calor: a chamada fissão nuclear.

O design da Little Boy era relativamente simples: consistia em um cilindro oco de Urânio que era disparado contra outro cilindro (também de Urânio) no momento da detonação; quando estes dois cilindros colidiam, ultrapassava-se o limite de massa crítica (quantidade mínima necessária para formar e manter uma reação nuclear em cadeia) dava-se início a um processo descontrolado e à correspondente (e almejada) explosão atômica.

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Em uma linha alternativa, o Projeto Manhattan desenvolveu, em paralelo, a Trinity: o primeiro teste nuclear de uma bomba atômica realizada pela humanidade, com sua detonação ocorrendo no dia 16 de julho de 1945. A arquitetura da Trinity serviu de base para uma bomba de implosão com um desenho alternativo (esférico) apelidada de Fat Man, e que foi lançada sobre Nagasaki no dia 9 de agosto de 1945. O design desta era completamente diverso daquele utilizado na Little Boy, e se baseava na implosão (em forma de “gomos de tangerina”) de um núcleo de Plutônio-239, um elemento químico (artificial) que se obtém a partir de reatores nucleares.

O processo de detonação da Trinity e da Fat Man envolvia o uso de explosivos convencionais, cuidadosamente instalados em volta de um núcleo de Plutônio, e quando estes explosivos eram detonados, o núcleo era comprimido (simultaneamente em todas as direções e no sentido de “fora para dentro”), ultrapassando o limite de massa crítica e iniciando uma reação em cadeia descontrolada, resultando assim em uma igualmente desejada explosão atômica.

“Dois tipos de bombas foram elaborados por cientistas e técnicos do Laboratório Nacional de Los Alamos, sob a liderança do físico norte-americano J. ROBERT OPPENHEIMER. A bomba de Hiroshima, conhecida como Little Boy, era uma arma de fissão de tipo balístico que usava Urânio-235, um isótopo raro de urânio extraído em fábricas gigantes em Oak Ridge, Tennessee. O outro era mais poderoso e eficiente, mas mais complicado por conta da implosão de uma arma nuclear com o uso de Plutônio-239, um elemento sintético criado em reatores nucleares em Hanford, Washington. Uma arma nuclear de teste foi detonada durante a Experiência Trinity, em 16 de julho de 1945, perto de Alamogordo, Novo México. A bomba de Nagasaki, a Fat Man, era um dispositivo similar.” (VINCENT JONES; Manhattan: The Army and The Atomic Bomb, Washington D.C., U.S. Army Center of Military History, ps. 511-516, 522 e 534-536)

Nesse compasso, entre a segunda metade dos anos 1940 e os anos 1960 e 1970, foram realizados milhares de experiências com a finalidade de testar novos designs de bombas atômicas, com o modelo da implosão do núcleo de Plutônio (com inúmeras variações e miniaturizado) acabando por prevalecer, razão pela qual este modelo se tornou o mais utilizado atualmente, atuando como “gatilho” para as posteriores bombas de fusão nuclear (bombas de hidrogênio ou termonucleares), uma vez que, de forma diversa das bombas originárias (de fissão), estas comprimem e fundem núcleos atômicos.

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Diagrama 1: dispositivos primários de detonação de armas nucleares (atômicas).

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Diagrama 2: esquema orgânico da bomba de hidrogênio (arma termonuclear de fusão).

Vale registrar que, a fusão desses núcleos só é iniciada através da prévia detonação de uma bomba atômica (arma nuclear); ou seja, todas as bombas de fusão (armas termonucleares ou de hidrogênio) possuem, em seu interior, uma outra bomba atômica como propulsor, funcionando com base no sistema de implosão de um núcleo de Plutônio, razão pela qual são conhecidos como bombas de “duplo estágio”. Os EUA possuem, neste momento, pouco menos de sete mil ogivas termonucleares estratégicas (além de um número não determinado de ogivas táticas), enquanto a Rússia possui uma quantidade ligeiramente maior, ainda que apenas uma pequena fração (bem menos da metade) esteja pronta para o chamado “pleno emprego”. Outros países, – a China, o Reino Unido, a França, a Índia, o Paquistão, Israel e, mais recentemente, a Coreia do Norte –, também possuem ogivas nucleares, porém somente as três primeiras nações (além dos EUA e da Rússia) possuem, comprovadamente, armas termonucleares (bombas de hidrogênio de dois estágios) seguindo os mesmos parâmetros já comentados, restando às demais, segundo opinião de diversos analistas, apenas a posse de armas atômicas de fissão (cerca de 1.000 vezes menos poderosa)

Os núcleos de implosão de Plutônio (bem como os gatilhos de detonação do Urânio-235), peças muito complexas de engenharia, entretanto, têm, de forma diversa do que preconiza o senso comum, data de validade, estimada em 100 anos.

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Diagrama 3: número de ogivas nucleares no mundo (2018).

Como a fábrica para produção desses núcleos nos EUA (com a construção de 400 ogivas W-88, – a mais moderna do arsenal estadunidense –, entre 1984 e 1988 para o SLBM UGM-133 Trident II) foi fechada em 1989, próximo ao final da Guerra Fria (1947-91), – e tendo sido produzidos apenas 31 núcleos adicionais entre 2007 e 2013 (fabricados pelo Laboratório Nacional de Los Alamos) –, algumas estimativas sinalizam a necessidade de novos núcleos serem manufaturados, sob pena de se tornarem armas de efetividade “duvidosa”, posto que o núcleo mais antigo de Plutônio instalado em um dispositivo nuclear operacional nos EUA data de cerca de 60 anos atrás, indicando que sua validade se expirará nos próximos 30 ou 40 anos.

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Não por outra razão a preocupação do governo de DONALD TRUMP com a urgente modernização do arsenal nuclear estadunidense, através do desenvolvimento (e colocação em operação) de novas ogivas nucleares, como a W-76-2 (Mk-4A), – uma variante de baixo rendimento (e com potência reduzida para aproximadamente 5 a 7 Kt e menor emissão radioativa) da ogiva termonuclear W-76 (fabricada entre 1978 e 1987) e do veículo de reentrada manobrável Mk-4, de cerca de 100 kg de peso –, além do programa de modernização (e extensão da vida útil) de 2.000 ogivas W-76 (concluído em dezembro de 2018), as quais, após o processo, passaram a ostentar a designação W-76-1.

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Diagrama 4: armas de grande poder de destruição.

A Rússia e a China, – por serem países mais fechados à comunidade internacional –, não divulgam tantos detalhes sobre seus dispositivos nucleares, porém acredita-se que a Rússia (em especial) tenha núcleos de implosão de Plutônio (em operação) ainda mais antigos que os norte-americanos (em função de seu menor índice de modernização e substituição dos artefatos mais antigos), o que torna mais crônico o seu problema de reposição de ogivas nucleares e termonucleares, ainda que seja cediço reconhecer que a China, ao reverso, não ostente um problema tão crônico, – não somente porque possui um quantitativo bem menor de ogivas –, mas, sobretudo, por haver incorporado ao seu arsenal “clones” da ogiva W-88, cujo projeto foi roubado pelo agente duplo chinês WEN HO LEE em 1995 (DAN STOBER e IAN HOFFMAN; A Convenient Spy: WEN HO LEE and The Politics of Nuclear Espionage, Nova York, Simon & Schuster, 2001 / WILLIAN J. BROAD; Spies versus Sweat: The Debate over China’s Nuclear Advance, New York Times, 7 de setembro de 1999, p. 1).

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Diagrama 5: ogiva W-88.

Nesse sentido, e não obstante todas as considerações epigrafadas, – e ainda que considerando uma (eventual) grande redução nos arsenais nucleares dos EUA e da Rússia (e até mesmo da China) nas próximas décadas, e mesmo que daqui a 30 ou 40 anos o número de ogivas operacionais (total no mundo) ronde um quantitativo inferior a 2.000 artefatos –, o investimento necessário para a construção de tantos novos núcleos de Plutônio deverá superar os 20 bilhões de dólares apenas para os EUA (além de outros US$ 50 bilhões em modernização de vetores) e de valores equivalentes para a Rússia e, em parte, para os demais países (notadamente China e Índia) que almejam possuir arsenais equipotentes (entre si, em uma espécie de “paridade estratégica tetrapolar”).


*Reis Friede é desembargador, presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR), professor emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Pode ser contactado através do e-mail: reisfriede@hotmail.com.

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9 comentários

  1. A capacidade de surpreender, é uma característica ímpar do Velho General…. que excepcional artigo. Boquiaberto… parabéns!

  2. Do ponto de vista militar, tendo mísseis intercontinentais, submarinos que chegam furtivamente às portas do inimigo. O que justifica um país ter mais que 400 ou 500 ogivas?
    Com 100 a 150 já dá pra destruir todas as importantes instalações militares, portos, aeroportos e centros de comando.
    Ter 7 mil ou mais ogivas fazia sentido a 40 anos atrás. Hoje com a precisão dos mísseis, instrumentos de guerra eletrônica, etc, não faz sentido ter arsenais tão elevados.

    1. A resposta é bem simples: porque o outro lado também tem e se recusa a diminuir. Ambos os lados vão escalando, até que chegamos a esse ponto. Grato por comentar, forte abraço!

  3. Nunca li um artigo tão explicativo sobre armas nucleares como esse! Excelente! Obrigado!

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