O Papel das Terras Raras no Desenvolvimento Econômico e na Guerra

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

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O controle sobre as Terras Raras é um vetor de poder econômico e militar. Este artigo analisa os desafios do Brasil para transformar seu potencial geológico em soberania tecnológica, superando a dependência industrial e garantindo seu futuro.


O presente trabalho apresenta parte de um estudo de consultoria em inteligência corporativa sobre o tema, oferecendo uma breve contextualização histórica dos Elementos de Terras Raras (ETR) como insumos estratégicos. Analisa-se a expansão de seu uso em setores de alta tecnologia e defesa, como em ímãs permanentes, sensores, motores elétricos e sistemas de guiagem de precisão. A hipótese provisória do artigo sustenta que o domínio das cadeias de suprimento de terras raras constitui um vetor de poder econômico, tecnológico e militar no século XXI. Destaca-se a importância do Brasil, um dos maiores detentores de reservas naturais do mundo, mas que apresenta baixa capacidade industrial para a separação e o refino desses elementos, um desafio a ser superado no horizonte de 2050, ano em que o autor completará 70 anos, esperando ter contribuído para o debate nacional sobre o tema.

Este artigo é subsidiado pelas experiências do autor em eventos como o 1º Painel de Estudos Estratégicos do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) do Comando Militar do Leste (CML), realizado em 25 de novembro de 2025, onde o General de Divisão Juraci Ferreira Galdino, Comandante do Instituto Militar de Engenharia (IME), palestrou sobre Tecnologias Inovadoras. Soma-se a isso a participação no VIII Seminário de Estudos do Poder Aeroespacial — Tecnologia Quântica, promovido pela Universidade da Força Aérea. Embora nesses fóruns se discutisse a relevância das tecnologias quânticas, o autor entende que, sem o domínio do processamento de Terras Raras, o Brasil permanecerá dependente dos EUA e/ou da China no horizonte de 2050.

Nesse contexto, ressalta-se a importância de que os brasileiros conheçam a CEITEC S.A., única empresa nacional fabricante de semicondutores. Como empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sua missão estratégica é garantir ao Brasil o domínio tecnológico completo da fabricação desses dispositivos. A CEITEC fomenta a competitividade da economia nacional e está apta a desenvolver produtos com máxima proteção da informação em projetos estratégicos, sendo seu papel crucial para o adensamento da cadeia produtiva de microeletrônica no país.

Seria igualmente interessante uma parceria com a ALADA — Empresa de Projetos Aeroespaciais do Brasil, concebida como catalisadora do Programa Espacial Brasileiro (PEB). Sua vocação para o setor aeroespacial é essencial para a capacitação da Força Aeroespacial Brasileira voltada para A2/AD (Anti-Access/Area Denial). Tal parceria reforçaria o foco na artilharia como prioridade estratégica e elemento dissuasório, justificado pela responsabilidade do Brasil na defesa de uma área de 22 milhões de km², abrangendo a Amazônia Azul, as Linhas de Comunicação Marítimas (LCMs) e infraestruturas críticas como a Central Nuclear de Angra, o Complexo Naval de Itaguaí, a Hidrelétrica Binacional de Itaipu, as plataformas de petróleo e o Centro Espacial de Alcântara.

O avanço das tecnologias em microeletrônica, aplicações aeroespaciais, digitais, energéticas e militares no século XXI recolocou as Terras Raras no centro das discussões sobre desenvolvimento econômico e segurança internacional. Embora abundantes na crosta terrestre, esses elementos exigem tecnologias químicas sofisticadas para seu isolamento com pureza superior a 99%, o que torna sua cadeia de suprimentos uma das mais complexas e concentradas do mundo. A partir desse cenário, este artigo investiga como o controle das etapas críticas de refino — especialmente a separação por solventes — tornou-se um vetor determinante de poder industrial e militar.

Para orientar esta investigação, o estudo adota um desenho de pesquisa qualitativo-analítico, fundamentado em revisão bibliográfica, análise de políticas industriais e comparação internacional, com foco no caso brasileiro e na experiência chinesa como parâmetro de referência tecnológica. O problema de pesquisa que guia o artigo é: de que forma a capacidade de processar e transformar Terras Raras em produtos de alto valor agregado condiciona o poder econômico e militar dos Estados?

A hipótese provisória assenta-se no fato de que as nações que dominam a etapa de separação química — e não apenas a mineração — conseguem exercer influência sistêmica sobre cadeias tecnológicas críticas, com implicações diretas para a autonomia estratégica em tempos de paz e para a resiliência logística em cenários de guerra prolongada.

Referencial Teórico

No contexto da disputa tecnológica global, é possível relacionar o argumento sobre Terras Raras como insumo estratégico ao que Chris Miller apresenta em seu livro A Guerra dos Chips. Embora o foco da obra sejam os semicondutores, Miller demonstra como recursos aparentemente invisíveis — os microchips (circuitos integrados) — se tornaram o núcleo da disputa geopolítica contemporânea, definindo quem detém o poder industrial, militar e econômico.

Por analogia, as Terras Raras representam hoje um recurso tão crítico quanto os chips. Sem elas, a fabricação de motores, sensores, ímãs e armas guiadas torna-se inviável, o que desloca o centro de gravidade do poder de combate da aviação para a artilharia moderna. Assim, o controle das cadeias de suprimento de ETR (Elementos de Terras Raras) pode ser interpretado como uma continuação da lógica da “guerra tecnológica” descrita por Miller, mas aplicada aos materiais brutos e à manufatura pesada que sustentam os arsenais contemporâneos, especialmente na disputa por recursos e dominação industrial.

Nesse cenário, o Brasil surge como ator relevante por deter experiência no ciclo de ultracentrifugação de urânio, possuir expertise na miniaturização de reatores nucleares, dispor de grandes reservas de água e ter algumas das maiores reservas globais de ETR. Contudo, o país ainda carece de capacidades industriais compatíveis com seu potencial geológico. A comparação com o modelo chinês, que integra pesquisa, mineração, separação e manufatura avançada, serve como base para avaliar caminhos possíveis para a construção de uma cadeia nacional de Terras Raras alinhada ao desenvolvimento econômico e à segurança estratégica do país.

Terras Raras: Conceitos e Importância Geoestratégica


FIGURA 1: Cadeia de Valor das Terras Raras no Brasil (HEIDER, Matias. A Evolução das Terras Raras no Brasil. In the Mine, 10 de fevereiro de 2018. Disponível em: https://www.inthemine.com.br/site/a-evolucao-das-terras-raras-no-brasil/).

Definição e Classificação

Segundo Amorim (2022), os Elementos de Terras Raras constituem o grupo com maior coerência química da tabela periódica. Antoniassi (2017) acrescenta que as Terras Raras correspondem a um total de 15 elementos químicos denominados lantanídeos, aos quais se juntam o escândio (Z = 21) e o ítrio (Z = 39), somando 17 elementos. Estes possuem número atômico (Z) compreendido entre 57 (lantânio) e 71 (lutécio) e são divididos em:

• Elementos Leves (La-Nd) e Pesados (Dy-Lu);

• Diferenças estratégicas: As Terras Raras pesadas são mais escassas e, portanto, mais críticas para aplicações em Defesa.

Aplicações Econômicas e Militares: A Era da Artilharia

A importância das Terras Raras na guerra moderna cresce à medida que a artilharia avança e supera, em diversos aspectos, a aviação de combate tradicional. As guerras contemporâneas demonstram uma crescente dependência de sistemas de artilharia e mísseis — de cruzeiro, balísticos, hipersônicos, planadores, foguetes, bombas inteligentes e enxames de drones — em detrimento da supremacia aérea. Essa mudança é impulsionada por fatores como menor custo, preservação de combatentes, ganho de escala, maior poder de choque e velocidade, eficácia e eficiência. Há fortes evidências de que este é um caminho sem volta, o que impõe ao Brasil a necessidade de repensar o papel da Artilharia, promover a integração entre as Três Forças e buscar o aparelhamento com sistemas 100% nacionais, “da agulha ao míssil”.

Essa evolução não ocorre apenas no âmbito político-estratégico, mas também é impulsionada por mudanças táticas, uma vez que esses sistemas exigem o uso intensivo de componentes avançados que dependem diretamente de Elementos de Terras Raras. Ímãs permanentes potentes, motores elétricos compactos, sistemas de guiagem e controle, sensores infravermelhos, lasers e comunicações de alta frequência são essenciais para que mísseis e drones mantenham precisão, manobrabilidade, baixa assinatura térmica e eficácia em cenários de combate modernos.

Os ETR — como neodímio, disprósio, térbio e samário — tornam possível miniaturizar e robustecer esses componentes, criando um poder de fogo distribuído, de baixo custo e difícil de rastrear, que desafia a lógica da aviação tradicional e seus elevados custos logísticos. Além disso, a produção em massa de drones e munições guiadas, beneficiada por cadeias de suprimento verticalizadas de ETR, transforma o teatro de operações: em vez de depender de poucas e vulneráveis aeronaves de alto custo, torna-se viável mobilizar centenas ou milhares de ogivas, drones e mísseis com custo unitário muito inferior.

Isso altera dramaticamente o equilíbrio estratégico, com a artilharia de precisão e alta densidade substituindo os combates aéreos (dogfights) e os bombardeios de alta visibilidade. Sob essa lógica, quem controla os insumos — ou seja, os minerais críticos — detém uma vantagem estrutural para sustentar guerras prolongadas e tecnologicamente intensas. O domínio das Terras Raras transforma, portanto, o conflito militar em uma disputa industrial e logística que transcende o domínio aéreo, impactando também:

• Energias renováveis: turbinas eólicas, baterias;

• Mobilidade elétrica: motores de alta performance.

Na Defesa moderna, sua relevância manifesta-se em:

• Guiagem de mísseis (térbio, disprósio);

• Sensores infravermelhos e óculos de visão térmica;

• Blindagens e ligas especiais para aeronaves e submarinos.

O Brasil como Potência de Recursos Naturais

Jaquelynne Amorim, em sua dissertação de mestrado em Engenharia Química pela Universidade Federal da Paraíba, intitulada Potencial Geológico e Mineral de Elementos Terras Raras na Paraíba: Caracterização Física e Química, destaca que: “O Brasil possui um importante papel, pois dispõe de grande escala de depósitos exploráveis, entretanto, se produz e consome pouco desses insumos por falta de tecnologia apropriada. Diante desse cenário, vêm sendo realizados diversos estudos para aumentar a exploração e produção destes no país.

Segundo a autora, o Brasil tornou-se a segunda maior reserva mundial de Terras Raras com a incorporação de expressivas reservas em Minas Gerais (MG) e Goiás (GO), detendo, ao final de 2012, cerca de 16% do total mundial (HEIDER, 2018).

Reservas Estratégicas Brasileiras

O Brasil é detentor de uma das maiores reservas globais (cerca de 23%), com destaque para Minas Gerais (Araxá, Tapira, Poços de Caldas), Goiás (Catalão), Amazonas (Seis Lagos, Pitinga), Bahia (Complexo de Jequié) e Sergipe, concentradas principalmente em rochas alcalino-carbonáticas e minerais como monazita e xenotima, com potencial significativo para nióbio e outros minerais estratégicos, embora a exploração e o refino ainda enfrentem desafios tecnológicos.



Minerais-chave:

Monazita: Principal fonte de terras raras pesadas;

Xenotima: Outro mineral importante para ETRs;

Carbonatitos: Rochas ígneas raras que concentram ETRs, nióbio e tântalo, como em Caçapava do Sul (RS) e Catalão (GO).

Portanto, embora o Brasil figure entre os maiores detentores de reservas do mundo, seu potencial para a criação de uma cadeia produtiva integrada permanece inexplorado.

O Vazio Industrial Brasileiro

Alguns dos motivos para essa lacuna seriam:

• Falta de capacidade de separação química e refino;

• Escassez de recursos humanos especializados em engenharia, geologia e química avançada;

• Dependência completa de rotas externas para a obtenção de óxidos purificados e metais;

• Dificuldades regulatórias, falta de financiamento e ausência de uma política industrial contínua.

O Caso Chinês: Domínio quase Absoluto da Cadeia Global

Elias Jabbour (2020) já afirmara a “centralidade da questão nacional” na China, refletida em seus Planos Quinquenais e na postura de envidar todos os esforços para superar o “Século de Humilhação” em busca de sua “Ascensão Pacífica”. Segundo uma reportagem do programa 60 Minutes sobre o tema, Deng Xiaoping teria afirmado: “O Ocidente tem o petróleo, nós temos as terras raras.” Como a história demonstra, o atual domínio chinês se deve a um robusto planejamento estratégico, à formação de recursos humanos altamente qualificados e a fortes investimentos estatais.

Origem do Domínio: Dos Anos 1980 à Hegemonia Atual

• A China aperfeiçoou a tecnologia pioneira ocidental e a aplicou em escala industrial;

• Realizou investimentos estatais, incentivos fiscais e subsídios maciços;

• Criou um ecossistema de pesquisa, com 25.911 patentes registradas até 2018.

Supremacia Tecnológica em Separação Química

Extração por solventes: processo central da indústria, que utiliza reagentes orgânicos coletores fosfóricos.

Processo complexo: separação em dezenas de etapas para minérios mistos como bastnasita e monazita;

Instalações icônicas: Bayan Obo (Mongólia Interior) e Sichuan;

Capacidade instalada: A China concentra 90% da refinação global e 99% da produção mundial de Terras Raras pesadas (Dy, Tb).

Outras Tecnologias Críticas

• Flotação e lixiviação de minérios iônicos e argilas;

• Biolixiviação seletiva para reduzir impactos ambientais;

• Redução eletroquímica direta para produção de metais;

• Biotecnologia emergente com microrganismos geneticamente modificados.

A Força do Modelo Industrial Chinês

Integração vertical total: da mineração à fabricação de ímãs de NdFeB (90% da produção mundial);

Absorção de conhecimento: experiência adquirida com a terceirização de processos americanos desde os anos 1980, combinada a investimento estatal e P&D;

Baixo custo operacional: devido a regulações ambientais inicialmente permissivas;

Elevadas barreiras de entrada: construir rotas de produção alternativas custa entre dois e cinco bilhões de dólares por planta.


LIVRO RECOMENDADO:

Terras Raras: A Riqueza Escondida

• Vicente Soares Neto (Autor)
• Edição Português
• Capa comum


A Nova Geopolítica das Terras Raras: A Era da Ásia

O mundo mudou, e o Sistema Internacional apresenta agora um novo modelo multipolar. Se antes os países do Ocidente ditavam os rumos da política internacional, hoje eles perderam parte de sua influência. As economias europeia e americana, além de enfrentarem crises internas, sofrem os efeitos da desdolarização da economia mundial — especialmente os EUA, que financiavam seus déficits com a demanda internacional por dólar — e da contestação global às políticas que vigoram desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o controle econômico foi ditado por instituições como FMI, BID, OMC e OCDE, com a substituição do padrão-ouro pela dolarização.

Segundo economistas e analistas estrangeiros, a Ásia poderá representar 50% do PIB mundial até 2040. Este cenário representa uma oportunidade ideal para o Brasil se posicionar frente à China, não em escala, mas na produção de produtos de Terras Raras de alto valor agregado. Para isso, seria necessário redirecionar suas exportações e seu poder marítimo para essa região do globo, investindo no acesso ao Oceano Pacífico, no desenvolvimento de hidrovias e em uma frota mercante mais robusta.

Dependência Global e Vulnerabilidade

• EUA, UE, Japão e Coreia do Sul já reconhecem risco estratégico dessa dependência;

• Disputas comerciais, sanções e o precedente de 2010, com restrições chinesas à exportação para o Japão, acentuam a urgência do tema.

Guerra, Logística e Poder Tecnológico

Materiais críticos: Disprósio e térbio são essenciais para a resistência térmica de componentes em sistemas militares;

Componentes centrais: Ímãs permanentes são cruciais para drones, radares AESA e motores navais;

• “Gargalo de guerra”: Quem controla o processamento de Terras Raras controla o ritmo da produção industrial em conflitos prolongados.

Oportunidades e Desafios para o Brasil

Uma Oportunidade Histórica

• A busca global por diversificação de fornecedores abre uma janela de oportunidade.

• Possibilidade de firmar parcerias tecnológicas com EUA, UE e Japão.

• Potencial para usar a abundância geológica como base para a industrialização.

O que o Brasil Precisa Desenvolver

Sem a presunção de esgotar o tema, o autor entende que o debate deve começar no Congresso Nacional, por meio de audiências públicas abertas à sociedade civil, academia, empresas, BID, Forças Armadas, ministérios envolvidos e Itamaraty. O objetivo é mapear oportunidades, capacidades e riscos, para que sejam definidos objetivos de Estado e implementados planos de desenvolvimento nacional rumo à soberania tecnológica.

Contudo, algumas áreas podem ser aprimoradas desde já:

• Desenvolvimento da produção nacional de solventes coletores e do know-how em extração por solventes multietapas;

• Criação de centros de pesquisa aplicada com foco em separação química e biotecnologia, além da formação de engenheiros, geólogos e químicos em parceria com instituições como o IME, o ITA, o CTM e universidades;

• Implantação de plantas-piloto de refino com tecnologia ambientalmente responsável;

• Criação de políticas industriais de longo prazo para a verticalização da cadeia: da mina ao ímã.

Riscos e Limitações

• Alto custo de capital (CAPEX), estimado entre 2 e 5 bilhões de dólares por planta;

• Complexidade da regulação ambiental;

• Escassez de engenheiros e de cursos de pós-graduação especializados em geologia e química de separação.

Conclusão

Respondendo à pergunta de pesquisa — de que forma a capacidade de processar Terras Raras em produtos de alto valor agregado condiciona o poder dos Estados —, concluímos que esses elementos são mais do que recursos naturais: são instrumentos de poder econômico e militar. Isso confirma a hipótese central do artigo, de que o domínio de suas cadeias de suprimento é um vetor de poder no século XXI.

A China, tomada como paradigma, demonstrou que dominar a química de separação redefine a hierarquia global. O Brasil, por sua vez, detém experiência no ciclo de ultracentrifugação de urânio, expertise em miniaturização de reatores nucleares, grandes reservas de água e um volume de ETR comparável ao das maiores potências, mas carece de uma estrutura industrial correspondente.

A construção de uma cadeia nacional — integrada, sustentável e orientada para a segurança estratégica — é essencial para que o país deixe de ser um mero fornecedor de matéria-prima e se torne um ator central em um dos setores mais decisivos da atualidade. A análise da cadeia global de Terras Raras evidencia que o poder militar contemporâneo depende de capacidades industriais intensivas em química de separação, refino avançado e produção de ímãs e sensores. Apesar de suas vastas reservas, o Brasil permanece preso a uma posição primário-exportadora, sem dominar as etapas que realmente geram poder econômico, como o processamento e a produção de tecnologia — a exemplo de smartphones, computadores e softwares totalmente nacionais.

O desafio central brasileiro é romper esse bloqueio estrutural por meio de políticas industriais de longo prazo, do desenvolvimento de plantas de separação por solventes e do estímulo à pesquisa aplicada. É preciso criar um ecossistema tecnológico capaz de gerar “arrasto”, ou seja, irradiar inovação para setores adjacentes como eletrônica, metalurgia fina, motores elétricos, drones e munições inteligentes. Sem isso, o país continuará dependente de cadeias externas em um domínio que define a autonomia estratégica.

No campo militar, a crescente supremacia da artilharia moderna — mísseis de cruzeiro, vetores balísticos, mísseis hipersônicos, foguetes guiados, planadores, munições stand-off e drones de baixo custo — impõe um imperativo adicional para o Brasil. O foco na artilharia como prioridade estratégica e elemento dissuasório destaca-se como essencial para a capacitação da Força Aeroespacial Brasileira voltada para A2/AD. Essa priorização justifica-se pela responsabilidade do país na defesa de uma área de 22 milhões de km², abrangendo a Amazônia Azul, as Linhas de Comunicação Marítimas (LCMs) e infraestruturas críticas.

Um sistema nacional de A2/AD eficaz exige profundidade industrial e acesso soberano a ímãs permanentes, sensores e motores baseados em Elementos de Terras Raras. Investir em artilharia de médio e longo alcance não é apenas uma opção operacional, mas também um vetor estruturante de poder dissuasório, especialmente em um cenário geopolítico mais competitivo no Atlântico Sul e na Amazônia. Sem o domínio tecnológico interno — do minério ao sistema de armas —, o país não conseguirá acompanhar a transformação global da guerra nem proteger seus próprios interesses estratégicos.

Conclamo, por fim, todos à ação para que o tema seja debatido no Congresso Nacional por meio de audiências públicas. É fundamental que o debate seja aberto e conte com a participação da sociedade civil, da academia, de empresas, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), das Forças Armadas, dos ministérios envolvidos e do Itamaraty. O objetivo é mapear oportunidades, capacidades e riscos, a fim de definir objetivos de Estado e implementar planos de desenvolvimento que assegurem a soberania tecnológica nacional no horizonte do plano Brasil-2050. Nesse ano, farei 70 anos e espero, sinceramente, poder comemorar grandes avanços para o nosso país.

Referências

JABBOUR, Elias. China: Desenvolvimento e Socialismo de Mercado. 1ª ed. Florianópolis: LABEUR, GCN, CFH, UFSC, 2020.

VIVODA, Vlado; MATTHEWS, Ron; ANDRESEN, Jensine. Securing defense critical minerals: Challenges and U.S. strategic responses in an evolving geopolitical landscape. Defense Studies, 2025. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/01495933.2025.2456427.

MENG, Wei. Expert Insight-Based Modeling of Non-Kinetic Strategic Deterrence of Rare Earth Supply Disruption: A Simulation-Driven Systematic Framework. Cornell University, arXiv preprint, 2025. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2506.11645.

MILLER, Chris. Chip War: The Fight for the World’s Most Critical Technology. New York: Simon & Schuster, 2022. 464 p. ISBN 9781982172008.

SILVA, A. B. Potencial geológico e mineral de elementos terras raras na Paraíba: caracterização física e química. 2022. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química). Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química, Centro de Tecnologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2022.

KLIMEK, Peter; BAUM, Sophia; GERSCHBERGER, Markus; HESS, Maximilian. Systemic Trade Risk Suppresses Comparative Advantage in Rare Earth Dependent Industries. Cornell University, arXiv preprint, 2025. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2508.00556.

DELANGE, Pascal; BIERMANN, Silke; MIYAKE, Takashi; POUROVSKII, Leonid. Crystal field splittings in rare earth-based hard magnets: an ab initio approach. Cornell University, arXiv preprint, 2017. Disponível em: https://arxiv.org/abs/1705.08027.

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