Ucrânia: Derrota Estratégica dos EUA?

Compartilhe:
Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

Com inspiração em Pepe Escobar e Emmanuel Todd, uma análise da derrota estratégica ocidental na Ucrânia, abordando neorrealismo e dilemas de segurança — e uma crítica à postura imatura do Brasil no cenário global.


Este artigo é uma justa homenagem ao respeitável trabalho de campo de meu colega e mestre, o jornalista multiétnico Pepe Escobar, publicado em seu canal no YouTube, Pepe Café, intitulado Trump Paralisado pela Derrota Estratégica dos EUA. Traço um paralelo com minhas pesquisas em nível de mestrado em Relações Internacionais, especialmente sobre o Dilema de Segurança e o neorrealismo defensivo e ofensivo, em que explico a perspectiva da Rússia, concluindo com um crítica pesada ao Brasil por ser, do ponto de vista internacional, “a criança na sala”: inocente, imaturo e sem coragem de se posicionar como ator global de escol.

Assim, imbuído com o cansativo jogo de cena americano de buscar uma paz que não existe no Oriente Médio, de terceirizar novamente a guerra da Ucrânia para a Europa, e de provocar conflitos idênticos à Crise dos Mísseis de 1962 no entorno estratégico da Venezuela, me propus a mal traçar estas linhas especialmente com respaldo no crítico francês suscitado pelo meu mestre Escobar.

Em seu livro A Derrota do Ocidente, Emmanuel Todd apresenta uma tese provocativa: de que o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, está prestes a admitir — ou já admite tacitamente — uma derrota estratégica na Ucrânia.

Emmanuel Todd é um historiador, antropólogo, demógrafo e ensaísta francês nascido em 1951. Ele ficou conhecido internacionalmente por seu estilo provocador e por usar métodos das ciências sociais — especialmente demografia e análise de sistemas familiares — para interpretar grandes transformações políticas e geopolíticas. — ou seja, trabalha com o conceito de sistemas familiares como base cultural para explicar as formas políticas e econômicas que diferentes sociedades adotam.

Sobre suas principais características e obras, Todd ficou famoso ao prever o colapso da União Soviética antes da maioria dos analistas ocidentais, em seu livro La Chute Finale (1976), com base em indicadores demográficos e sociais. É autor de obras influentes como:

Depois do Império (2002), onde antecipa o declínio da hegemonia americana;

L’Invention de l’Europe (1990), sobre as estruturas familiares e culturais do continente;

A Derrota do Ocidente (2023), onde argumenta que o Ocidente, e especialmente os EUA, estão em declínio estrutural e ideológico.

Sobre sua visão de mundo, Todd é um pensador crítico do atlantismo e do modelo neoliberal, e costuma confrontar as ideias dominantes nas elites ocidentais. Ele defende que o mundo está se tornando multipolar e que o Ocidente perdeu parte de sua autoridade moral, ideológica e até militar. Ele constrói esse diagnóstico não apenas com dados militares, mas apoiando-se em demografia, sistemas familiares, cultura política e declínio ideológico. A leitura de Éric Le Bourg, em artigo revisando o livro, nos permite explorar essas ideias, avaliando-as criticamente.

A importância de reconhecer uma “derrota estratégica” não reside apenas no resultado imediato do conflito, mas no significado que ela teria para a ordem global: a reputação dos EUA, a credibilidade das democracias ocidentais e a capacidade do Ocidente de impor suas narrativas geopolíticas. O reconhecimento público ou privado de que o modelo ocidental falhou em deter a Rússia muda paradigmas de política internacional.

Linha Argumentativa

Todd argumenta que há uma crise estrutural no Ocidente: decadência demográfica, esvaziamento das crenças coletivas, declínio das capacidades de sacrifício e solidariedade. Essa crise, segundo ele, mina a capacidade dos países ocidentais de sustentar uma guerra longa, com custos humanos, econômicos e discursivos elevados. Le Bourg cita essa tese para mostrar que, no caso da Ucrânia, o Ocidente não está preparado para uma vitória decisiva.

A Rússia, em contraste, aparece para Todd como um ator que recuperou estabilidade e força — não suficientemente para invadir toda a Europa, mas o bastante para resistir, impor altos custos aos adversários e explorar fraquezas ocidentais. A guerra na Ucrânia é encarada por Todd como o momento em que se mostra o ponto de inflexão: os recursos ocidentais começam a falhar, o apoio diminui, o desgaste econômico e político cresce.

Outro ponto central é a demografia. Todd destaca que a Rússia sofre com declínio populacional, mas que sua janela de oportunidade para avançar se estreita. Para os Estados Unidos e Europa, o envelhecimento da população, a queda da fé religiosa ou da crença em valores coletivos, a perda de coesão social, todos esses fenômenos contribuem para reduzir sua energia estratégica.

Também há uma crítica à narrativa habitual dos “bons” versus “maus” na guerra: A Ucrânia é o oprimido, a Rússia o agressor. Todd insiste que essa narrativa ocultaria complexidades — corrupção, nacionalismo, identidade, tensões étnicas — que tornam o conflito mais difícil de resolver com base apenas em poder militar ou apoio externo. Essa visão ajuda a entender por que a Ucrânia até agora não esmagou a resistência russa, apesar do apoio ocidental.

Le Bourg aponta que Todd considera que os EUA, uma vez enredados no compromisso ucraniano, têm poucas saídas: ou escalar militarmente (e correr riscos elevados), ou buscar uma paz negociada, embora pareça cada vez menos provável que os líderes em Washington optem pela paz se ela for percebida como capitulação. A escalada, por sua vez, tende a gerar reações adversas: risco nuclear, instabilidade global, custos econômicos domésticos.


LIVRO RECOMENDADO:

Guerra na Ucrânia: Análises e perspectivas. O conflito militar que está mudando a geopolítica mundial (2ª Edição)

• Rodolfo Laterza e R. Cabral (Autores)
• Edição em português
• Capa comum


Com efeito, o conflito na Ucrânia, interpretado por Emmanuel Todd como o sinal de uma derrota estratégica ocidental, pode ser analisado também à luz do clássico dilema de segurança das Relações Internacionais. Esse dilema descreve a situação em que os esforços de um Estado para aumentar sua segurança acabam sendo interpretados como ameaças por outros Estados, levando a uma espiral de tensões.

No caso da guerra na Ucrânia, a expansão da OTAN para o leste, embora vista pelo Ocidente como uma medida defensiva, foi percebida pela Rússia como um avanço ofensivo em sua zona de influência estratégica. Isso provocou uma resposta militar (idêntica à que seria adotada pelos EUA em situação análoga) que, segundo Todd, expôs os limites da capacidade ocidental de sustentar um confronto prolongado.

Sob a lente do neorrealismo ofensivo, representado por teóricos como John Mearsheimer, os Estados — em especial os mais poderosos como os Estados Unidos — buscam maximizar seu poder e influência para garantir sua sobrevivência no sistema internacional anárquico. A atuação americana na Ucrânia, segundo essa lógica, pode ser vista como uma tentativa de manter a hegemonia global e impedir a consolidação de potências regionais autônomas como a Rússia.

Para Todd, no entanto, esse impulso ofensivo revela uma contradição com as capacidades reais do Ocidente — uma hegemonia cansada, desgastada e em declínio, cujos gestos ofensivos já não se traduzem em vitórias estratégicas claras.

Por outro prisma, a postura da Rússia pode ser interpretada segundo o neorrealismo defensivo, cuja premissa é que os Estados buscam segurança e estabilidade e reagem a ameaças percebidas em suas fronteiras. Ora, a intervenção russa na Ucrânia, embora inaceitável sob o direito internacional, pode ser vista nessa lógica como uma tentativa de evitar um cerco estratégico e impedir a presença da OTAN em seu “exterior próximo”.

Todd, ao argumentar que a Rússia demonstrou resiliência estratégica frente ao poder ocidental, reforça essa leitura: longe de buscar expansão ilimitada, Moscou teria agido de forma calculada para preservar seu espaço vital. Assim, o dilema de segurança se revela como um dos motores centrais do conflito — alimentado pela incompreensão mútua das intenções e limites de cada lado.

Do ponto de vista ideológico, Todd sugere que os ideais liberais, democráticos e de universalismo ocidental, já perderam muito de sua força — tanto internamente nas sociedades ocidentais quanto nas margens de influência global. Se as populações percebem que seus governos não estão entregando segurança e bem-estar, ou que estão se sacrificando demais devido a conflitos distantes, a legitimidade ideológica entra em crise.

Em suma, a “derrota estratégica americana” implicaria, então, não em uma derrota militar pura e simples (como se os EUA fossem invadidos ou derrotados militarmente pela Rússia), mas sim a incapacidade de alcançar os objetivos que pretendiam: deter o avanço russo, proteger a integridade territorial da Ucrânia, reestabelecer a ordem liberal ocidental, manter os aliados comprometidos enquanto enfrentam custos elevados.

Todd finaliza argumentando que a derrota já está parcialmente admitida em gestos tácitos: negociações discretas, desgaste diplomático, hesitação em novos compromissos militares, confusão no discurso em Washington e em capitais aliadas. A falha em definir claramente objetivos constantes ou aceitáveis, o desgaste da opinião pública, a inflação, as crises internas, tudo isso pressiona pela retirada ou reconfiguração do engajamento, fora a perda, na minha avaliação de pesquisador, da capacidade industrial-militar americana e a consequente disputa científico-tecnológica.

À Guisa de Conclusão

Em síntese, A Derrota do Ocidente apresenta uma leitura em que a derrota estratégica americana na Ucrânia é menos uma fantasia pessimista e mais uma hipótese plausível — e talvez já parcialmente em curso. Se Todd estiver certo, as fragilidades ocidentais não são conjunturais, mas estruturais: demográficas, culturais, ideológicas, militares, industriais e econômicas. O livro de Todd, conforme aponta Le Bourg, é útil precisamente por forçar o leitor a refletir além dos discursos prevalecentes.

A admissão dessa derrota, quando vier — oficialmente ou por meio de gestos — terá consequências profundas. Será uma redefinição de credibilidade, de alianças, das capacidades militares e do poder suave (soft power). Ocorrerá talvez uma reorganização do mundo onde a hegemonia não virá mais de Washington, mas de centros múltiplos, de narrativas plurais.

E, por fim, nos confronta com uma escolha: aceitar uma ordem internacional mais complexa, menos previsível, ou persistir no engajamento até o limite, com custos imprevisíveis. Se a derrota é admitida, será porque o Ocidente percebeu — tarde, quem sabe — que já está em desvantagem estratégica.

O Brasil ainda não é o “adulto na sala”, não sabe jogar com maturidade nem o xadrez americano, nem o go chines, é dividido ideologicamente, reina o caos, a corrupção, a inversão de poderes; aqui não há liderança nem civil, nem militar, não há esperança de nomes presidenciáveis, só mais do mesmo. Como dizia Renato Russo, “O Brasil é o país do futuro” ou a “geração Coca-Cola”… não há interesse público no debate, busca pela real independência e soberania nacional, luta contra o cerceamento tecnológico que sofremos, como sustenta o professor William de Souza Moreira da Escola de Guerra Naval. Somos apenas o próximo na lista da disputa de quem sejam os próximos países-líderes do Sistema e da Ordem Internacional.

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

____________________________________________________________________________________________________________
____________________________________
________________________________________________________________________

Veja também