
A Ucrânia, vista como símbolo de resistência democrática, exibe sinais preocupantes de erosão institucional; sob Zelensky, há uso de lawfare contra opositores e enfraquecimento anticorrupção, tudo ignorado pelas democracias ocidentais por interesses geopolíticos.
Desde o início da invasão russa em 2022, a Ucrânia tem sido apresentada como símbolo da resistência democrática no leste europeu. Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, tornou-se figura central dessa narrativa, recebendo apoio irrestrito de potências ocidentais. No entanto, à medida em que o conflito se prolonga, surgem sinais preocupantes de erosão institucional, uso político do aparato judicial e tentativas de concentração de poder.
Uma matéria publicada pela mídia alemã Politico (DETTMER, 2025) revela uma face menos idealizada da liderança ucraniana: a prática sistemática de lawfare contra opositores e o enfraquecimento de mecanismos anticorrupção. Este artigo propõe uma reflexão sobre o futuro da democracia ucraniana e a omissão das democracias ocidentais diante de abusos justificados por interesses geopolíticos.
Desgaste Democrático
Em entrevista à agência Axios, Zelensky afirmou estar pronto para não buscar um segundo mandato, alegando que seu objetivo é terminar a guerra. A declaração, no entanto, foi recebida com certa reserva pela população. Como observou o Politico, a fala “mal causou uma ondinha de interesse” e, entre opositores, gerou mais escárnio do que surpresa. A reação popular foi marcada por uma ironia discreta, como quem ouve uma promessa de fim de mandato com o mesmo entusiasmo que se recebe um anúncio de dieta após as festas: ninguém leva muito a sério, mas todos seguem em frente.
De fato, Zelensky e seus aliados tentaram retirar a independência de duas agências anticorrupção, a NABU e a SAP, justamente quando estas iniciavam investigações contra membros do gabinete presidencial. A manobra foi abortada após protestos internos e pressão internacional, mas substituída por uma campanha de intimidação conduzida pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), incluindo dezenas de buscas e acesso a arquivos sensíveis.
Além disso, há evidências de uso sistemático de processos criminais contra opositores políticos. Petro Poroshenko, ex-presidente derrotado por Zelensky em 2019, foi alvo de mais de 20 investigações, incluindo uma por alta traição. Em fevereiro, teve seus bens congelados por decreto presidencial. Valery Zaluzhny, ex-comandante das Forças Armadas e possível rival eleitoral, também foi alvo de investigações indiretas, com acusações de negligência contra generais próximos. A escalada de lawfare parece ter como objetivo desestabilizar adversários e consolidar o poder presidencial.

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A Constituição ucraniana proíbe eleições sob lei marcial, mas não prevê extensão automática do mandato presidencial. Juristas apontam que, em caso de expiração do mandato sem eleições, o presidente da Verkhovna Rada deveria assumir interinamente, conforme o artigo 112 da Constituição.
A ausência de mecanismos claros de sucessão abre espaço para interpretações perigosas e para a perpetuação no poder sob o pretexto da guerra. Ainda assim, Zelensky continua a receber apoio financeiro, militar e diplomático das democracias ocidentais, que ignoram os sinais de autoritarismo crescente. A narrativa dominante privilegia a geopolítica sobre os princípios democráticos, comprometendo a credibilidade do Ocidente como defensor da democracia.
Conclusão
A Ucrânia enfrenta uma guerra existencial contra a Rússia, mas isso não pode justificar a suspensão indefinida da democracia. O uso de lawfare, a intimidação de opositores e o enfraquecimento de instituições independentes são sintomas de uma deriva autoritária que precisa ser enfrentada. O silêncio das democracias ocidentais, motivado por interesses estratégicos, contribui para a normalização desses abusos. Defender a Ucrânia contra a agressão russa é essencial, mas também é urgente defender a democracia dentro da Ucrânia. Caso contrário, corre-se o risco de vencer a guerra externa e perder a batalha interna pela legitimidade.
Mais grave ainda é perceber que esse silêncio não é apenas sobre a Ucrânia. Ele revela um desgaste mais profundo na própria Europa, onde o compromisso com a ordem baseada em regras parece cada vez mais condicionado por conveniências geopolíticas. Quando princípios democráticos se tornam flexíveis diante de aliados estratégicos, o que está em jogo não é apenas o futuro da Ucrânia, mas a credibilidade do Ocidente como guardião da democracia. A pergunta que se impõe é incômoda: até que ponto a Europa está disposta a sacrificar coerência em nome da segurança?
Referências
DETTMER, Jamie. Politics in wartime — Ukraine-style. Politico, 6 de outubro de 2025. Disponível em: https://www.politico.eu/article/volodymyr-zelenskyy-ukrainian-politics-war/.
VERFASSUNGSBLOG. Ukraine’s Constitutional Order in Wartime. Verfassungsblog, 2023. Disponível em: https://verfassungsblog.de/ukraines-constitution-in-wartime/.
COLUMBIA LAW REVIEW. Upholding Democratic Legitimacy Under Martial Law. Columbia Law Review, 2024. Disponível em: https://www.culawreview.org/journal/upholding-democratic-legitimacy-under-martial-law-ukraines-legal-mandate-for-the-2024-presidential-election.
RATING SOCIOLOGICAL GROUP. Presidential Election Poll — Summer 2025. Rating Group, 2025.









O próprio conceito de democracia está sendo esvaziado, fenômeno que ocorre tanto nos diversos espaços políticos internos como no ambiente internacional.
A juristocracia e burocracia – ambas não eleitas – toma espaços usando conceitos democráticos para sufocar a livre manifestação dos povos.