
Dez anos podem parecer ínfimos em termos de história, mas a memória institucional é importante: os protestos de 2013-2015 servem como um exemplo no aprendizado de como garantir a estabilidade do Estado.
Dez anos, na História de uma nação, é um tempo ínfimo.
Para que se tenha uma ideia, muitos documentos da Segunda Guerra Mundial ainda são classificados, ou seja, somente haverá (provavelmente) acesso aos mesmos a partir de 2045. Após análise criteriosa, objetivando evitar desdobramentos que possam afetar a estabilidade nacional (ou mesmo mundial), política ou questões de ordem diplomática, a interpretação fora do contexto de época e aproveitamento destes para ações de guerra informacional/cognitiva, entre inúmeros outros, são alguns dos motivos pelo qual a restrição aos mesmos se mantêm. Outro ponto a considerar: os principais protagonistas (incluindo os tomadores de decisões estratégicas e/ou políticas), não estarão mais vivos.
Incluem-se, também, nestes documentos, alguns alusivos ao SOE (Special Operations Executive) britânico. Tratando-se de órgão criado em 1940 (momento em que a Europa era ocupada pelo avanço das forças armadas alemãs, com táticas e técnicas inovadoras, possuindo a liderança política destas o viés que hoje todos conhecemos), o SOE tinha como missão a guerra irregular, sabotagem, reconhecimento e ações em territórios ocupados, formação e apoio a grupos de resistência, espionagem, entre outras missões não convencionais extremamente necessárias para reverter o quadro que se apresentava. Com apelidos que variavam de “Exército Secreto de Churchill” a “Ministério da Guerra Indelicada”, a parcela de documentos que interessam a muitos historiadores somente estará disponível para consulta (talvez) um século depois de findo o conflito.
Decisões pautadas no que era emergencialmente necessário, operações sensíveis cujo cumprimento (para vencer o totalitarismo) talvez não encontrassem justificativa na mente de quem só viveu a paz, bem como a vaga compreensão (literalmente, sentir na pele) do que ocorria, com unidades blindadas varrendo, com apoio de aviação e artilharia, tudo o que estava pela frente (para o desespero de exércitos e população civil que de uma hora para outra se viu sob nova governança) e, sendo direto, eventuais questionamentos morais hoje (após milhões terem sido mortos na guerra), fazem com que documentos com decisões deste porte sejam mantidos em sigilo.
Apesar de 10 anos, como citado anteriormente, ser considerado um lapso temporal ínfimo neste contexto, é mais que adequado que alguns setores de Estado tenham uma excelente memória e não deixem cair no esquecimento, de forma alguma, as lições aprendidas, bem como a expertise adquirida (incluindo a operacional). Por exemplo: quantos possuem experiência (vivência prática) na gestão e resposta a eventos como múltiplos presídios rebelados simultaneamente, sem recorrer a outros recursos que não os institucionais? Quantas organizações estatais (instituições permanentes) foram surpreendidas com ordens de atores governamentais que causaram inúmeros problemas práticos e restaram a elas, posteriormente, a incumbência de conseguir uma solução em circunstâncias mais complicadas (atores governamentais estes, portanto, que democraticamente eleitos ou, por estes sendo designados, ocupam por tempo determinado o cargo, sendo acompanhados, muitas vezes, de assessores cuja competência e vivência técnica na área em que acabam lotados é tão somente a de vínculo político com o assessorado)? Quantos profissionais de carreira não pagaram por fazer o que era necessário em campo, tendo arcado com o custo de decisões (incluindo a inércia) de atores políticos cuja principal preocupação era tão somente manter-se no cargo (mais do que o retorno da ordem e da estabilidade)? Posso citar uma instituição, em particular: a Polícia Militar.
Adequar-se ao cenário por vezes complexo que se apresenta nem sempre é fácil. Inclui compreender rapidamente o que está ocorrendo e até que ponto o cenário pode escalar. Conhecer eventos similares (de outros lugares e épocas), estudando a fundo o que ocorreu, bem como a resposta dada. A memória institucional, portanto, possui um custo altíssimo.
Particularmente, me recordo quando iniciou o movimento de ocupação de escolas. Ao comentar com alguns colegas de profissão, enquanto as ocupações tomavam corpo, a respeito das obras de Gene Sharp como Da Ditadura à Democracia e Poder, Luta e Defesa: Teoria e Prática da Ação Não-Violenta (facilmente encontradas), bem como a similaridade com a Rebelião dos Pinguins (Chile), me chamou a atenção o fato de que poucos conheciam algo a respeito. Na maioria das vezes, a resposta era que sequer tinham ouvido falar (ao menos aqueles com que conversei, à época, lotados em uma unidade da corporação). Havia, inclusive, um documentário a respeito (A Rebelião dos Pinguins, dirigido por Carlos Pronzato, lançado em 2007), que também poucos haviam assistido ou mesmo sabiam da existência.
Necessário citar que a ocupação das escolas, no Estado de São Paulo, se deu a partir de novembro de 2015. Havia uma reestruturação escolar anunciada pelo governo estadual, no dia 23 de setembro. Consistia em separar as escolas para que passassem a ofertar somente um dos ciclos da educação (ensino Fundamental I, Fundamental II ou o Médio) a partir do ano seguinte. O que causou os protestos foi a notícia do fechamento de 93 estabelecimentos de ensino e a transferência de alunos. Tal reconfiguração envolveria 1.464 escolas, a transferência de 311 mil alunos e afetaria a rotina, também, de 74 mil professores. No dia 28 de outubro, o governo estadual tornou pública a lista das 93 escolas que seriam disponibilizadas para outras finalidades na área de educação e, em 1º de dezembro, publicou um decreto com a transferência de funcionários.

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As medidas anunciadas atingiram um patamar de impopularidade enorme. Escolas passaram a ser ocupadas e o governo passou a tentar uma ação, junto ao Poder Judiciário, não obtendo o êxito esperado.
“Estudantes começaram a ocupar escolas em 9 de novembro em protesto contra a reestruturação. Nesta sexta-feira, 196 escolas estavam ocupadas, segundo a Secretaria da Educação. O Sindicato dos Professores (Apeoesp) afirma que são 205 (…).
A primeira a ser ocupada, em 9 de novembro, foi a Escola Estadual Diadema, no ABC. No dia seguinte, alunos ocuparam a Escola Fernão Dias, em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo. Um grande número de policiais militares foi deslocado para a unidade de ensino na capital paulista. Houve tumulto em algumas ocasiões.
A Justiça chegou a conceder a reintegração de posse tanto da Fernão Dias quanto da Diadema, mas a decisão foi derrubada (…) em 13 de novembro (…). O Governo do Estado recorreu e sofreu uma nova derrota no Tribunal de Justiça de São Paulo. Três desembargadores defenderam, em 23 de novembro, que os estudantes tinham o direito a ocupar as escolas em protesto.”
(Fonte: G1 São Paulo. Escolas Ocupadas – Ocupações, atos e polêmicas: veja histórico da reorganização escolar. 04/12/2015).
Além de uma expressiva adesão de alunos e pais, entidades como a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), bem como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), passaram a apoiar a iniciativa.
O governador do Estado de São Paulo suspendeu a reorganização escolar após 40 dias de protestos. Fato a considerar é que a iniciativa de um serve de incentivo a outros. Principalmente se houve sucesso no intento. Em outros Estados, movimentos similares passaram a ocorrer.
Havia, porém, uma lição que talvez não tivesse sido adequadamente considerada (pelo menos por alguns atores) quando começaram a ocupar as escolas. Não estamos nos referindo, neste momento, ao protesto que envolveu 600 mil estudantes do ensino médio, 300 mil universitários, professores e apoiadores (o que incluiu mais de uma centena de sindicatos e organizações) no Chile, em junho de 2006 (onde a pauta era reforma educacional, transporte gratuito e isenção de taxas para o vestibular aos secundaristas, bem como a própria legislação alusiva à educação). Cerca de dois anos antes do que ocorria nas escolas (em São Paulo e outros Estados brasileiros), um protesto contra o aumento da tarifa de ônibus tomou corpo, espalhou-se por todo país (havendo um expressivo leque de reivindicações que se somaram, bem como a exposição de insatisfações) e acabou por “fazer surgir” um novo componente nos noticiários brasileiros: os Black Blocs. Não que estes fossem desconhecidos no exterior, mas passaram a compor rotineiramente as reportagens nacionais naquele período.
O termo “Black Bloc” já existia desde a década de 1980 e um dos primeiros a fazer uso dele foi a polícia alemã (aliás, Schwarzer Block).

Conforme elucida o pesquisador canadense Francis Dupuis-Déri, os Black Blocs teriam surgido, pela primeira vez, em Berlim Ocidental, durante o inverno de 1980, quando três policiais fizeram uso da força para retirar militantes que se encontravam ocupando prédios. Explica, ainda, que a função destes (os Black Blocs) é a de “expressar uma presença anarquista e uma crítica radical no interior de uma manifestação”. Realizam as chamadas ações diretas (enfrentamento, oposição, depredação etc.) e se fundem com os demais manifestantes de um protesto, que lhes garantiriam (ao menos teoricamente) certa solidariedade, bem como a proteção do anonimato, tornando difícil a sua identificação, prisão e, por conseguinte, responsabilização.
De qualquer forma, não é prerrogativa de uma ideologia somente (ou de uma convicção) fazer uso da violência em protestos. É propício falar de “grupos de afinidade” (normalmente pequenos, onde o vínculo é encontrado a partir de amizades, colegas de escola, trabalho ou grupos de orientação política) e, neles, surge o consenso a respeito da ação a ser tomada. Em 1988, um black bloc teria entrado em ação por ocasião de reunião do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional em Berlim (Ocidental). Essa “ideia” de protesto passou a ser copiada em diversos locais do mundo (em 1991, houve uma ação similar contra a Guerra do Iraque).
Na década de 1990, nos Estados Unidos, militantes do ARA (Anti-Racist Action), que anteriormente adotavam a ação direta, passaram a retomar essa prática que, por sua vez, passou a ser também adotada por integrantes do movimento antiglobalização. De qualquer forma, grupos distintos podem se reunir e somar esforços em tarefas diversas, que vão do enfrentamento, ações de apoio como o reconhecimento da área de interesse, comunicação, difusão de informações, até possuírem um corpo de socorristas voluntários para os integrantes da ação que acabem feridos. Não necessariamente quem pratica a violência em um protesto pertence a um grupo de afinidade que acaba designado como Black Bloc (já eram anteriormente conhecidos aqueles com viés ideológico específico, que praticavam ação direta em manifestações e que foram designados como “Blocos Vermelhos”).


Em junho de 2013 teve início uma série de protestos contra o aumento da tarifa de ônibus e condições do transporte coletivo. Não era algo inédito, até aquele momento. Conforme citam Brancaleone e De Bem (2014, p.10), já haviam ocorrido em:
• 2003, em Salvador;
• 2004 / 2005, em Florianópolis;
• 2005, em Aracaju, Belo Horizonte, Blumenau, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Itu, Joinville, Porto Alegre, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, São Paulo e Vitória;
• 2007, em Florianópolis e Joinville;
• 2008, em Candeias do Jamari (RO);
• 2010, em Florianópolis e São Paulo;
• 2011, em Belém, Porto Velho e São Paulo; e
• 2012, em Natal.
Verifica-se, portanto, que a melhoria em relação ao transporte público era uma pauta popular de longa data, por praticamente todo território nacional.
As “Jornadas de Junho”, como ficaram conhecidas, foram as imensas manifestações de massas em 2013 que, para alguns, foram consideradas uma insurreição popular de proporção nacional (chegaram a ocorrer, conforme algumas fontes, em aproximadamente 500 cidades, abrangendo todas as regiões do país).
Pautas distintas, que iam do repúdio da população em relação à corrupção na política, de iniciativas como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Nº 37 que também era chamada de PEC da Impunidade, gastos em relação a eventos de projeção internacional (Copa e Olimpíada), ineficiência dos serviços públicos e falta de investimentos em áreas como Saúde e Educação, distanciamento da gestão pública em relação aos anseios da população, entre vários outros, foram uma soma de fatores que motivaram as manifestações que tiveram como estopim, principalmente, o protesto contra o aumento de 20 centavos na tarifa dos ônibus na capital paulista (com ativa participação do Movimento Passe Livre, MPL).
Um protesto foi puxando outro, havendo inicialmente uma aprovação popular enorme em relação aos mesmos. Conforme a CNN esclareceu, o início dos atos ocorreu em 2 de junho, quando passou a vigorar na cidade de São Paulo um reajuste das tarifas do transporte público. No dia seguinte (3), já começavam a surgir manifestações de menor porte (ainda). Poucos dias depois, o MPL promoveu um ato na Avenida Paulista (na mesma data, também houve uma manifestação no Rio de Janeiro, com a ocupação da Avenida Presidente Vargas). Nos dias 7 e 11 de junho, novos protestos e depredações foram registradas.
Durante o primeiro jogo da Copa das Confederações (dia 15), a presença da chefe do Poder Executivo nacional serviu para que os presentes passassem a hostilizar sua pessoa. Restou esclarecido que os investimentos que estavam sendo feitos para os grandes eventos (Copa e Olimpíada) não eram bem acolhidos pela opinião pública (ficando evidente que a população em geral preferia a destinação do erário na melhoria de outros serviços). Dois dias depois, havia o registro (que tornou-se icônico em relação às Jornadas de Junho) de manifestantes ocupando o perímetro do Congresso Nacional. No dia 20, as manifestações foram ainda maiores, com pelo menos um milhão de pessoas que se encontravam nas ruas de mais de 100 cidades.
Se por um lado, protestos não violentos eram defendidos por vários autores, personalidades, ativistas e organizações (que conseguiam trazer para junto de si um considerável contingente humano), não exatamente era o que pregava outra parcela.

Peter Gelderloos, em seu livro Como a Não-Violência Protege o Estado, defendia que, não somente a não violência era ineficiente mas, também, “patriarcal e a favor do Estado”. Gelderloos, além de escritor, é um ativista anarquista norte-americano. Chegou a ser preso durante protestos e invasões, tanto nos Estados Unidos como na Espanha. Como ele mesmo cita:
“Os ativistas não violentos vão além de aprovar a violência do Estado com seu silêncio: frequentemente tomam a palavra para justificá-la. Os ativistas pacifistas não perdem a oportunidade de declarar a proibição do uso da ‘violência’ nos seus protestos, porque a violência poderia ‘justificar’ a repressão policial, que se percebe como inevitável, neutra e irrepreensível.”
Obras, como a dele foram encontradas em coletivos e com integrantes da prática Black Bloc.

Fato peculiar a ser notado, naquela época, é que algumas entidades governamentais, como a Defensoria Pública, se posicionaram a favor do direito de protesto. Isso incluía, por exemplo, a interrupção do trânsito, por pequenos grupos, em vias cruciais como a Marginal Pinheiros, na capital paulista. Poucas dezenas de manifestantes, em horário de pico, faziam com que milhares de cidadãos, em seus carros, ficassem parados por horas (mesmo após o cansaço da jornada de trabalho). Começaram a surgir questões: até onde o direito de manifestação poderia chegar sem, com isso, afetar outros no seu direito de ir e vir? Atos como esse passaram a minar o engajamento popular, paulatinamente.

Além da presença da população nas ruas, havia atividade em diversos outros campos, a notar da intensa ação informacional.
Se alguns grupos demonstravam notável organização e preparação para atuação, em perfeita sinergia, que ia do levantamento de locais e planejamento ao protesto propriamente dito, disponibilização de equipes com missão dedicada (como primeiros socorros, suporte jurídico etc.), comunicação, segurança das informações, difusão e atuação em ambiente informacional (o que incluiu o ativismo digital), também outros partiram para ações de enfrentamento e depredação. Passou a transparecer que não necessariamente aqueles que protestavam pacificamente, achavam interessante ou mesmo adequada a presença dos que partiam para as ações diretas. A tática Black Bloc, se em determinado momento foi relativamente tolerada, passou a ser considerada como um ponto prejudicial para a maioria que optava pela não-violência.
Meios de comunicação passaram a informar (ou pelo menos tentar esclarecer) para a população em geral quem eram aqueles que utilizavam táticas mais agressivas.

Com praticamente um mês de protestos, a prática Black Bloc passou a ser vista na quase totalidade das unidades federativas do país. Já se tornava urgente a retomada da ordem.

Entre outras medidas que foram testadas (e implementadas), vale citar a utilização da tática Kettling (também conhecida como Caldeirão de Hamburgo). Tendo como um dos idealizadores o policial britânico (e, posteriormente, acadêmico/pesquisador, vindo a se tornar professor de Política Social na Universidade de Wolverhampton) Peter Anthony James Waddington (conhecido como PAJ Waddington) consistia, de forma singela, na contenção de grupos que protestavam e na detecção de indivíduos que estariam, no meio daquela massa, portando itens como artefatos incendiários e explosivos improvisados, materiais a serem utilizados em depredações, etc. Estes seriam retirados e levados para identificação, apreensão dos objetos e eventual responsabilização na esfera judicial. Em São Paulo, o contingente policial que empregou o método ficou conhecido como “Tropa do Braço”.

As “Jornadas de Junho” tiveram reflexos por um bom tempo e nas mais diversas áreas. Se por um lado, alguns atos políticos foram revistos, por outro também serviram para fomentar manifestações posteriores. Em 2014, por exemplo, era noticiado que grupos Black Blocs desejavam parcerias, inclusive com organizações criminosas, para que ocorressem atos que inviabilizassem a Copa. Em 2015, infiltraram-se entre professores em greve e agrediram profissionais de imprensa.
Necessário salientar que houve imensa repercussão internacional (por exemplo, um determinado veículo de comunicação escreveu mais sobre os protestos do que propriamente a respeito da Copa das Confederações, enquanto a mesma ocorria). Manifestações de apoio teriam ocorrido em Lisboa, Frankfurt e Berlim, em um total de 27 cidades do exterior. A ação do governo brasileiro passou a ser acompanhada por atores estatais de todo o mundo.
Já encerrando, é adequado um comentário: é valiosíssima a experiência dos policiais da Tropa de Choque que, por vezes, somente com o efetivo de um único pelotão (de Polícia de Choque), enfrentaram e fizeram voltar à ordem centenas de detentos de um estabelecimento prisional, décadas atrás, quando das rebeliões simultâneas no Estado de São Paulo. O que passaram, dentro de um presídio, com amotinados avançando para enfrentá-los, trata-se de um aprendizado que gerou doutrina a ser incorporada, assim como táticas e técnicas que foram incluídas nos posteriores manuais e Cursos de Controle de Distúrbios Civis. Não se trata de exaltar uma geração de policiais em detrimento de outras. Pelo contrário. O exposto é a respeito das lições aprendidas que são incorporadas geração após geração. Lições importantes cujo custo (institucional e pessoal) em nenhuma hipótese deve ser desconsiderado.

Além da parte operacional, propriamente dita, bem como da gestão de incidentes, entram outros pontos de idêntica relevância: como tais eventos são explicados (para o público externo e, tão importante quanto, ao interno) e qual o posicionamento institucional a respeito? Nesta era, onde um fato pode ser divulgado em um lapso temporal ínfimo por intermédio das redes sociais (com a possibilidade de uma ênfase direcionada, bem como a mera exposição parcial, sem o contexto completo, propositadamente), a Comunicação Social institucional deve ser feita de forma técnica, elucidativa e com pontos diversos a considerar (com os vieses cognitivos sendo um deles). A Comunicação Social institucional deve ser vista e tratada como imprescindível.
Os próprios coletivos consideram aprimoramento e instrução, comunicação (difusão de pautas e ações para a imprensa bem como suas campanhas) e produção de conhecimento (com a difusão, também, deste) importantíssima.
No relatório Não Violência, Princípios e Práticas da Sociedade Civil Brasileira (Escola de Ativismo, 2024), ocorreu uma pesquisa que envolveu representantes de 137 coletivos. Destes, verificou-se que:
• 136 fazem cursos ou participam de outros processos de aprendizagem;
• 136 promovem atividades de comunicação (relações com a imprensa, mídias sociais, campanhas);
• 130 promovem pesquisas, produção de conhecimento (por intermédio de relatórios, estudos, literatura) e difusão de materiais informativos (como cartilhas).
Além das atividades citadas, existem diversas outras que também são efetuadas. Ainda, dos 137 coletivos, 126 promovem articulação junto aos representantes do Poder Legislativo (bem como do Executivo), 117 efetuam os visíveis protestos, manifestações de rua e atos simbólicos, 70 promovem a advocacia popular e 57 praticam / atuam em circunstâncias de embate e bloqueios.
Portanto, promover o aprimoramento técnico contínuo, possuir meios para fomentar a difusão de informações e conhecimento e a adequada Comunicação Social, são pontos primordiais para qualquer instituição de Estado, pois basta ver a importância dada ao que foi citado pelos próprios coletivos. Assumem, assim, idêntica relevância em relação à aquisição de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), veículos com missão dedicada (transporte de tropa, lançadores de água e capacidade de remoção de obstáculos), meios menos letais, cursos de capacitação para controle de distúrbios civis etc. A arena informacional é tão importante e exige tanto, se não mais, conhecimento e investimento que outras.

Dez anos, na História de uma nação, é um lapso temporal ínfimo (repetindo a primeira frase deste artigo). Mas, do que efetivamente recordamos daquilo que foi vivenciado e sentido, os contextos de época, incluindo o viés político e, com ele, o econômico, influência geopolítica e atores externos, ações artificiais (que naquele momento, sequer foram percebidas), protagonistas, entre tantos outros pontos? É sobre isso. Lições que jamais devem ser esquecidas. É muito provável que eventos similares ocorram, com roupagem diferente, bem como ações que ocorrem (ou ocorreram) em outro lugar do mundo podem ter sua réplica onde nos encontramos. Basta, às vezes, lembrar do que testemunhou e, com um pouco de paciência, ler os arquivos de alguns jornais (não necessariamente documentos secretos, como também foi citado no início).
Tirem suas próprias conclusões. Muitos de nós, principalmente os que residem nas grandes cidades, ainda temos na memória o que ocorreu entre 2013 e 2015 (que não se resume a tão somente o resultado de 7 x 1 no jogo Alemanha vs. Brasil na Copa).
Referências (Literatura Recomendada)
BRANCALEONE, Cassio; DE BEM, Daniel. As Rebeliões da Tarifa e as Jornadas de Junho no Brasil. Porto Alegre: Editora Deriva, 2014.
BUCCI, Eugênio. A Forma Bruta dos Protestos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
CAMPOS, Antonia J. M.; MEDEIROS, Jonas; RIBEIRO, Marcio M. Escolas de luta. São Paulo: Veneta, 2016.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Contraciv, 2021.
MANSO, Bruno Paes; NOVAES, Willian; SOLANO, Esther. Mascarados: A Verdadeira História dos Adeptos da Tática Black Bloc. São Paulo: Geração Editorial, 2014.
MAROVIC, Ivan. O Caminho da Maior Resistência: um Guia Passo a Passo para o Planejamento de Campanhas Não Violentas. Tradução: João Vicente de Paulo Junior. International Center on Nonviolent Conflict, 2018.
RIBEIRO, Alexandre Antunes. O Front Interno: As Desordens Públicas Como Arma de Guerra. São Paulo: SGDZ Books, 2024.
SHARP, Gene. Da Ditadura à Democracia. Boston: The Albert Einstein Institution, 2005.
SHARP, Gene. Poder, Luta e Defesa: Teoria e Prática das Ações Não-Violentas. São Paulo: Edições Paulinas, 1983.
VINÍCIOS, Leo. Antes de Junho: Rebeldia, Poder e Fazer da Juventude Autonomista. Florianópolis: Editoria Em Debate/UFSC, 2014.








