Por Ted Galen Carpenter*

Líderes ocidentais alegam que apoiam uma ordem internacional baseada em regras que respeita a soberania nacional, mas suas ações frequentemente contradizem esses ideais.
OTAN: O combustível da crise da Ucrânia? Frequentemente, há um contraste gritante entre a mitologia de como o sistema internacional deve operar e a realidade de como ele realmente opera. Por décadas, autoridades dos EUA insistiram que o objetivo de Washington é proteger e promover uma “ordem internacional baseada em regras”. Uma suposta característica é que as nações não devem iniciar a força contra outras nações. Os países também devem ter todo o direito de se juntar a organizações regionais diplomáticas, econômicas ou mesmo militares sem interferência de estados vizinhos.
A OTAN e a crise da Ucrânia
O último princípio é uma das principais fontes do conflito entre a Rússia e a OTAN sobre o status da Ucrânia. Nos anos que antecederam a tomada da Crimeia pela Rússia em 2014 e a invasão em grande escala da Ucrânia em fevereiro de 2022, os formuladores de políticas ocidentais insistiram que Kiev tinha todo o direito, sob o direito internacional, de se juntar à OTAN, independentemente dos desejos de Moscou. O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, enfatizou esse ponto no final de 2021.
O presidente russo Vladimir Putin e seus colegas viam as coisas de forma bem diferente. Já no discurso de Putin em fevereiro de 2007 na conferência de segurança de Munique, Putin enfatizou que qualquer esforço para adicionar a Ucrânia à OTAN cruzaria uma “linha vermelha” no que diz respeito a uma ameaça intolerável à segurança da Rússia.
Várias autoridades russas repetiram esse aviso nos anos que antecederam a invasão de 2022, mas os líderes dos Estados Unidos e da OTAN permaneceram alheios aos crescentes sinais de problemas.
Apesar da horrível destruição e perda de vidas na guerra em andamento, os membros europeus da OTAN continuam a insistir que qualquer acordo de paz que ponha fim aos combates entre a Ucrânia e a Rússia deve conter duas características. Uma é que Moscou devolverá s Kiev todo o território ucraniano conquistado.
A outra disposição sacrossanta é que a Ucrânia deve manter o direito de se juntar à OTAN. Dada a extensão dos ganhos militares da Rússia, ambas as demandas estão completamente separadas da realidade.
De fato, a insistência de que um país tem o “direito” de se juntar a uma aliança militar hostil ao seu vizinho maior e mais poderoso ignora os elementos mais básicos da política de poder internacional. De acordo com o direito internacional, Cuba e a União Soviética teoricamente tinham o “direito” de estacionar mísseis balísticos na ilha em 1962. Não é de surpreender que autoridades dos EUA e a maioria do público americano não tolerassem tal noção.
De fato, Washington parecia pronto para travar uma guerra nuclear para evitar esse resultado – que se dane o direito internacional. É um reflexo da arrogância dos Estados Unidos e da OTAN que os líderes ocidentais hoje aparentemente presumam que as autoridades do Kremlin aceitarão docilmente uma ameaça iminente à segurança de seu país.

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O desafio da ordem baseada em regras
A alegação geral de Washington de que os Estados Unidos e seus aliados apoiam um sistema internacional baseado em regras é cada vez mais descartada pelo resto do mundo como uma fraude egoísta. A decisão da maioria dos países fora da órbita de Washington de desafiar a pressão dos EUA e se recusar a impor sanções à Rússia por suas ações na Ucrânia confirma a extensão de seu cinismo.
A posição oficial tomada por autoridades ocidentais de que a OTAN é uma aliança puramente “defensiva” também justifica escárnio. Mesmo uma pesquisa superficial do comportamento da OTAN desde o fim da Guerra Fria confirma que ela se tornou uma aliança decididamente ofensiva.
As intervenções militares na Bósnia e Kosovo durante a década de 1990 foram casos claros da Aliança operando com uma missão ofensiva, não defensiva. Aviões e mísseis da OTAN atacaram sérvios bósnios na República Sérvia e forças do governo sérvio tentando reprimir a insurgência muçulmana em Kosovo, embora nenhuma das entidades tenha atacado – ou mesmo insinuado querer atacar – um membro da OTAN.
O mesmo aconteceu com o ataque maciço de aviões e mísseis à Líbia, como parte de uma campanha da OTAN para destituir Muammar Kadafi. Mesmo quando uma grande operação militar não foi oficialmente designada como uma missão da OTAN, como no Afeganistão, Iraque e Síria, a grande maioria das forças envolvidas veio de países da OTAN.
Individualmente, os principais membros da Aliança também cometeram vários atos de agressão. As próprias ações de Washington em lugares como Vietnã, República Dominicana, Líbano e Granada são itens proeminentes na lista. As repetidas intervenções militares da França no Chade e em outros territórios africanos são difíceis de justificar como medidas “defensivas”.
A invasão do Chipre pela Turquia em 1974 e a ocupação contínua de quase 40% do território daquele país é um caso especialmente flagrante e contínuo de agressão.
Dado esse histórico, não é de surpreender que nem a Rússia nem qualquer outro adversário em potencial respeitem o argumento de que não têm nada a temer porque a OTAN é uma aliança puramente defensiva comprometida em manter uma ordem internacional baseada em regras.
Ao conduzir as relações com Moscou, os líderes dos EUA e da Europa precisam reconhecer que o conceito de esferas de influência continua altamente relevante em relação às interações entre as principais potências.
Os formuladores de políticas ocidentais devem não apenas reconhecer, mas admitir publicamente que violaram esse princípio fundamental em sua conduta em relação à Rússia. Esse realismo é uma pré-condição essencial para reparar as relações com Moscou, produzir um acordo de paz viável na Ucrânia e encerrar uma crise especialmente perigosa. Apegar-se a mitos egoístas e desonestos sobre uma ordem internacional baseada em regras não beneficiará ninguém.
Publicado no 19FortyFive.
*Ted Galen Carpenter é colunista do 19FortyFive e membro do Randolph Bourne Institute e do Libertarian Institute. Ele atuou em vários cargos em sua carreira de 37 anos no Cato Institute. Carpenter é autor de 13 livros e mais de 1.300 artigos sobre questões de defesa, política externa e liberdades civis. Seu livro mais recente é Unreliable Watchdog: The News Media and U.S. Foreign Policy (2022).