Por M. K. Bhadrakumar*

As tensões entre os EUA e o Irã são exacerbadas pela operação militar ordenada por Trump contra os Houthis no Iêmen, em meio a negociações diplomáticas envolvendo o programa nuclear iraniano, com a China, Rússia e Irã coordenando suas posições.
No sábado, o presidente dos EUA, Donald Trump, ordenou ao Pentágono “lançar uma operação militar decisiva e poderosa” contra os Houthis do Iêmen com “força letal esmagadora” na ação militar mais significativa de seu segundo mandato, até o momento.
Os ataques dos EUA começaram no sábado e continuaram até domingo sobre a capital iemenita, Sanaa, e outras áreas, supostamente matando 31 pessoas e ferindo 101 até agora, a maioria delas crianças e mulheres.
Tal matança desenfreada de mulheres e crianças indefesas só pode ser vista como um ato de covardia. Trump tem sangue em suas mãos. Trump escreveu no Truth Social, dirigindo-se aos Houthis: “O seu tempo acabou, e seus ataques devem parar a partir de hoje. Se não pararem, o inferno choverá sobre vocês como nada que vocês já tenham visto antes.”
Assim, Trump abruptamente dirigiu-se ao Irã afirmando que precisava parar imediatamente de apoiar os Houthis. Ele ameaçou: “Os Estados Unidos o responsabilizarão completamente e não seremos gentis a respeito!”
O Irã reagiu fortemente. O ministro das Relações Exteriores, Abbas Araghchi, disse que Trump não tem autoridade ou justificativa para ditar a política externa do Irã. Araghchi observou que os Houthis estão apenas reagindo ao “genocídio e terrorismo israelense”. O comandante do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, general Hossein Salami, advertiu que o Irã daria “uma resposta destrutiva” a qualquer ataque.
A beligerância de Trump ocorreu dois dias após a visita de Anwar Gargash, ministro de Estado para Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos, a Teerã na quinta-feira para entregar uma carta de Trump ao Líder Supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, propondo conversas sobre o programa nuclear iraniano e o apoio do Irã a grupos de resistência. Teerã permanece aberta a negociações nucleares, mas rejeitou qualquer vínculo com suas políticas regionais.
Enquanto isso, Teerã começou a se preparar, à medida em que uma nova fase das políticas externas de Trump está começando, com tensões aumentando constantemente sobre a questão nuclear. O prazo de outubro está se aproximando rapidamente para invocar a cláusula de ressurgimento no JCPOA (acordo nuclear do Irã de 2015) para restabelecer sanções do Conselho de Segurança da ONU, e o programa de enriquecimento do Irã, por outro lado, aparentemente atingiu um ponto onde já possui um estoque para fazer “várias” bombas nucleares, de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica.
No dia 14 de março, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, sediou uma reunião conjunta em Pequim com os vice-ministros das Relações Exteriores da Rússia e do Irã, onde ele propôs cinco pontos “sobre a solução adequada para a questão nuclear iraniana”, que, para todos os fins, endossaram a posição de Teerã. Foi uma retumbante vitória diplomática para o Irã.
Interessantemente, a reunião em Pequim foi cronometrada para coincidir com a conclusão de um exercício naval de seis dias no Porto de Chabahar, no Irã, com o tema de Criando Paz e Segurança Juntos entre as Marinhas do Irã, Rússia e China. Um relatório do Ministério da Defesa Chinês afirmou que “O exercício naval aprimorou as capacidades operacionais conjuntas das três Marinhas para responder a diversas emergências e manter a segurança marítima, aprofundou a confiança militar e a cooperação prática entre as marinhas dos países participantes, e lançou uma base sólida para futura cooperação” .
Considerados todos esses desenvolvimentos, Trump enfrenta múltiplos desafios em nível diplomático sobre a questão nuclear iraniana, com Teerã, Moscou e Pequim coordenando suas abordagens no crucial período de seis meses adiante e Teerã enviando sinais confusos sobre a carta de Trump a Khamenei. Trump não pode estar satisfeito com a situação desenvolvida na via diplomática e alguma tática de pressão torna-se necessária contra o Irã. Simplificando, a mente egocêntrica de Trump tomou a rota fácil de atacar os Houthis com força para enviar uma mensagem indireta a Teerã (e Moscou e Pequim) de que ele não deve ser menosprezado.

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De fato, Moscou recentemente se envolveu na questão nuclear do Irã e está se posicionando para um papel de mediação potencialmente. O ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, recentemente se posicionou contra a anexação de questões extrínsecas (por exemplo, arranjos verificáveis por Teerã para garantir a cessação de seu apoio a grupos de resistência no Iraque, Líbano e Síria) às negociações nucleares. Lavrov disse francamente: “Tal coisa provavelmente não trará resultados.”
Lavrov também enfatizou o apoio de Moscou à posição básica de Teerã de que qualquer retomada das negociações entre os EUA e o Irã deve partir do acordo nuclear de 2015 conhecido como JCPOA, que carrega a aprovação do Conselho de Segurança da ONU (que, é claro, Trump rasgou em 2018).
Não se surpreenda se Moscou estiver deliberadamente se envolvendo no impasse nuclear EUA-Irã enquanto lida paralelamente com os chamados invasores de Trump para cessação das operações militares especiais russas na Ucrânia, mesmo enquanto há muitos assuntos inacabados ainda a serem concluídos e a Ucrânia, mostrando nenhum interesse genuíno em negociações com a Rússia – na verdade, promulgou uma lei proibindo expressamente tais negociações.
Especificamente, Trump saberia que não está em posição de conseguir que Zelensky concorde em render armas pelas forças ucranianas em Kursk – embora Putin tenha oferecido que “se depuserem suas armas e se renderem, eles terão garantida a vida e tratamento digno.”
O momento crucial está se aproximando à medida em que o prazo russo para rendição pacífica expirou às seis da manhã, horário de Moscou, de ontem. Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, escreveu no canal Telegram que “caso recusem-se a depor as armas, todos serão sistematicamente e impiedosamente eliminados”. Os nervos de Trump devem estar à flor da pele, à medida em que as forças ocupantes ucranianas podem incluir mercenários ocidentais também.
Nas circunstâncias, sente-se pena pelos Houthis, que Trump está usando como saco de pancadas para extravasar suas frustrações e raiva reprimida contra Teerã. Altos funcionários do governo Trump reconheceram abertamente que Teerã está sendo notificada de que “já chega” (“enough is enough”) – uma expressão utilizada pelo assessor de segurança nacional de Trump, Mike Waltz, para interpretar a mensagem sutil do ataque aéreo e de mísseis contra os Houthis.
Certamente o Iêmen, que já passou por tanto sofrimento, não merece tais ataques bestiais. Quanto aos Houthis, eles ainda não atacaram navios, apesar de ameaçarem fazê-lo sobre o bloqueio de Israel a alimentos, combustível e outros suprimentos para a Faixa de Gaza. Os Houthis acusaram a administração Trump de exagerar a ameaça de embargo marítimo, que está limitado apenas à navegação israelense até que a ajuda humanitária seja entregue ao povo de Gaza, de acordo com o acordo de cessar-fogo entre Hamas e Israel.
Evidentemente, os Houthis não estão procurando um confronto com Trump nem devem ser considerados procuradores iranianos. Os Houthis interromperam completamente os ataques de drones e mísseis quando o cessar-fogo de Gaza foi declarado em janeiro. Mesmo o melhor argumento de Trump é que os Houthis atacaram navios americanos durante a administração Biden.
No entanto, o Comando Central dos EUA descreveu os ataques de sábado como o início de uma operação de grande escala que pode continuar indefinidamente. O secretário de Defesa, Pete Hegseth, escreveu no X: “Os ataques Houthis a navios e aeronaves americanas (e nossas tropas!) não serão tolerados; e o Irã, seu patrocinador, está sob aviso, a Liberdade de Navegação será restaurada.” Por trás de tal retórica fictícia, Hegseth provavelmente entende que Trump espera que ele mantenha as tensões altas na região do Golfo pelos próximos meses, enquanto a questão nuclear iraniana se aproxima de um ponto crítico.
O Ministério das Relações Exteriores da Rússia, em um relatório no sábado, afirmou que o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, ligou para Lavrov e o informou sobre a decisão dos EUA de atacar os Houthis. Ele disse que Lavrov, em resposta, “enfatizou a necessidade de uma cessação imediata do uso da força e a importância de todas as partes se engajarem em diálogo político para encontrar uma solução que previna mais derramamento de sangue”. Bem, agora a situação se inverteu, não? Em 15 de março, Trump perdeu o terreno moral para ser líder com paz por meio da força em sua política externa.
Publicado no Indian Punchline.
*M. K. Bhadrakumar foi diplomata de carreira por 30 anos no Serviço de Relações Exteriores da Índia. Serviu na embaixada da Índia em Moscou em diversas funções e atuou na Divisão Irã- Paquistão-Afeganistão e na Unidade da Caxemira do Ministério das Relações Exteriores da Índia. Ocupou cargos nas missões indianas em Bonn, Colombo, Seul, Kuwait e Cabul; foi alto comissário interino adjunto em Islamabad e embaixador na Turquia e no Uzbequistão.