
A expansão da China na África acirra a rivalidade com os EUA e mostra que o Brasil deve adotar uma estratégia clara e proativa, sob risco de perder cada vez mais relevância no cenário geopolítico global.
Nos últimos anos, a China tem ampliado sua presença global de forma significativa, e o continente africano tornou-se um dos pilares centrais dessa expansão. A busca por bases militares, econômicas e logísticas na África não é um movimento aleatório, mas uma estratégia cuidadosamente planejada que reflete os interesses geopolíticos e econômicos da China no século XXI.
Há diversas razões pelas quais a África é fundamental para os objetivos chineses, incluindo benefícios econômicos e projeção de poder global, mas, obviamente, há implicações geopolíticas dessa presença. A China já estabeleceu acordos com alguns países, enquanto com outros tem negociações em andamento. As perspectivas de sucesso variam, claro que não sem objeções de outras potências, especialmente os Estados Unidos.
Interesses econômicos e recursos naturais
A África é um continente rico em recursos naturais, como petróleo, gás e minerais de terras raras, essenciais para sustentar o crescimento econômico chinês. As reservas de terras raras na África são significativas, embora os dados exatos disponíveis sejam limitados.

A China depende fortemente da importação de matérias-primas para alimentar sua indústria e infraestrutura. Ao estabelecer bases na África, a China poderia garantir acesso privilegiado a esses recursos, além de consolidar parcerias comerciais e investimentos em infraestrutura, tais como portos, ferrovias e rodovias, que poderiam facilitar o escoamento desses recursos para o mercado global.
A China já domina a cadeia global de suprimentos de terras raras, sendo responsável por cerca de 70% da produção mundial e 85% do processamento desses minerais. Firmar acordos com países africanos poderia trazer diversas vantagens estratégicas para o país:
• Diversificação do suprimento e segurança geopolítica, garantindo um suprimento mais estável e seguro e evitando vulnerabilidades em caso de sanções ou disputas comerciais com os EUA e a União Europeia (EU);
• Expansão da influência econômica e política na África, aprofundando laços políticos e econômicos com países africanos, fortalecendo a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, Belt and Road Initiative) e criando dependência econômica dos países africanos em relação à China, facilitando negociações favoráveis em outros setores, como infraestrutura e energia, além de contrapor a presença dos EUA e da UE na África, consolidando a posição chinesa no continente;
• Controle global do processamento de terras raras: ainda que a extração ocorra na África, a China manteria o controle sobre o refino e processamento, setores onde já possui grande vantagem tecnológica, assegurando que a maior parte do valor agregado continue na China.
• Acesso a novas reservas e redução de custos, pois muitas reservas africanas ainda são pouco exploradas e poderiam oferecer custos operacionais mais baixos devido à mão de obra barata e regulamentações ambientais mais flexíveis. Países como Moçambique e Namíbia possuem depósitos promissores, que podem ser aproveitados antes que concorrentes ocidentais estabeleçam presença.
• Impulso à indústria tecnológica chinesa, garantindo suprimento contínuo de terras raras para setores estratégicos, como veículos elétricos, telecomunicações e defesa, além de permitir que a China continue liderando mercados emergentes, como baterias de alto desempenho e chips semicondutores.
Além disso, a Iniciativa BRI tem sido um instrumento crucial para a China expandir sua influência na África. Projetos de infraestrutura financiados e construídos por empresas chinesas não apenas fortalecem a economia local, mas também criam dependência dos países africanos em relação à China, consolidando laços econômicos de longo prazo.
Segurança e projeção de poder militar
A presença militar chinesa na África, embora ainda limitada, tem crescido de forma estratégica. A primeira base militar chinesa no exterior foi estabelecida em Djibuti, em 2017, localizada em uma posição geográfica determinante próxima ao Estreito de Bab-el-Mandeb, uma das rotas marítimas mais importantes do mundo. Essa base não apenas protege os interesses comerciais chineses, mas também permite à China projetar poder militar na região e garantir a segurança de suas rotas de comércio marítimo.
Além disso, a presença militar na região permite à China participar de operações de paz da ONU e combater ameaças como a pirataria no Oceano Índico, reforçando sua imagem como uma potência global responsável e comprometida com a estabilidade internacional.
A base chinesa em Djibuti
A China estabeleceu uma base militar em Djibuti, seu primeiro e, até agora, único posto militar permanente no exterior. O Djibuti está estrategicamente localizado no Chifre da África, próximo a rotas marítimas críticas e a zonas de conflito, como o Iêmen. A base chinesa, oficialmente chamada de “Apoio Logístico de Djibuti”, está localizada na região de Obock, ao norte da capital, Djibuti City. A base ocupa uma área de aproximadamente 0,5 quilômetros quadrados e foi construída com um investimento estimado em US$ 590 milhões. Foi a primeira base militar chinesa no exterior e representa um marco significativo na projeção de poder global da China.
A base possui uma pista de 400 metros, uma torre de controle de tráfego aéreo, heliponto e um Hospital Base de Apoio a PLAN, além de contar com um espaço subterrâneo de 23.000 m².
Instalações e Equipamentos
A base inclui instalações modernas e bem equipadas, como quartéis, armazéns, hangares para veículos blindados, uma pista de pouso para aeronaves e um cais capaz de acomodar navios de guerra e submarinos. A infraestrutura é projetada para suportar operações prolongadas, com sistemas de comunicação avançados e equipamentos de vigilância, incluindo radares e drones.
A base em Djibuti é frequentemente visitada por navios da Marinha do Exército de Libertação Popular (PLAN, People’s Liberation Army Navy), incluindo fragatas, destróieres e navios de apoio logístico. Submarinos chineses também tem sido avistados na região, embora não estejam permanentemente baseados em Djibuti. A presença desses navios permite à China realizar patrulhas marítimas, exercícios militares e operações de resgate e evacuação.
Estrutura de Comando e Guarnições
A base é comandada por um oficial sênior da Marinha chinesa, com uma guarnição estimada em 400 a 500 militares, incluindo fuzileiros navais, pessoal de apoio logístico e especialistas em inteligência. A estrutura de comando é integrada ao Quartel-General da PLAN em Pequim, garantindo que as operações em Djibuti estejam alinhadas com as estratégias militares globais da China.
Objetivos estratégicos
Proteção de rotas comerciais: a base permite à China proteger suas rotas marítimas no Oceano Índico e no Mar Vermelho, vitais para o transporte de petróleo e outras mercadorias;
Combate à pirataria: a China tem participado ativamente de operações antipirataria ao largo da costa da Somália, utilizando a base em Djibuti como ponto de apoio logístico;
Operações de paz e assistência humanitária: A base também apoia missões de paz da ONU e operações de assistência humanitária na região, reforçando a imagem da China como uma potência responsável;
Projeção de poder: A presença militar em Djibuti permite à China projetar poder na região e demonstrar sua capacidade de operar em teatros distantes de seu território.
Desde sua inauguração, a base em Djibuti tem sido um sucesso operacional para a China, permitindo que Pequim aumente sua influência na região e garanta a segurança de seus interesses comerciais e estratégicos.
Influência geopolítica e diplomacia
A África é um continente com 54 países, muitos dos quais possuem voz significativa em fóruns internacionais, como a Assembleia Geral das Nações Unidas. Ao estabelecer bases e fortalecer laços com nações africanas, a China não apenas garante apoio político em questões globais, mas também contrabalança a influência de potências ocidentais, como os Estados Unidos e a União Europeia, no continente.
A diplomacia chinesa na África é marcada por uma abordagem de “não interferência” nos assuntos internos dos países, o que contrasta com a postura de muitas potências ocidentais. Essa postura tem sido bem recebida por muitos governos africanos, que veem a China como um parceiro mais alinhado com seus interesses de desenvolvimento e soberania.
Presença estabelecida e negociações em andamento
Além do Djibuti, a China tem investido pesadamente em infraestrutura portuária em países como Angola, Quênia e Tanzânia, o que pode facilitar futuras expansões militares ou logísticas. Há relatos de negociações em andamento para estabelecer presença em outros países africanos. Por exemplo, a China tem demonstrado interesse em estabelecer uma base naval na Guiné Equatorial, que ofereceria acesso ao Golfo da Guiné, uma região rica em petróleo e gás. Outros países que têm sido alvo de negociações incluem:
Namíbia: a China tem investido em infraestrutura portuária e mostrado interesse em estabelecer uma presença logística no país, que possui uma costa estratégica no Atlântico Sul;
Moçambique: com vastas reservas de gás natural e uma localização estratégica no Oceano Índico, Moçambique é outro candidato para uma futura base chinesa;
Argélia: a China tem fortalecido laços militares com a Argélia, incluindo a venda de equipamentos e treinamento, o que pode abrir caminho para uma presença mais permanente.
Entre os países com melhores perspectivas de sucesso nas negociações estão aqueles que já possuem fortes laços econômicos e políticos com a China, como Angola e Quênia, além do próprio Djibuti. Esses países dependem fortemente de investimentos chineses e podem estar mais dispostos a aceitar uma presença militar ou logística em troca de benefícios econômicos.
Impacto nos interesses americanos
A presença chinesa na África não está, como é óbvio, isenta de controvérsias. Além de críticas que argumentam que os empréstimos e investimentos chineses podem levar a uma nova forma de dependência econômica, a expansão chinesa na África não passou despercebida por outras potências globais, especialmente os Estados Unidos, que veem a crescente influência chinesa como uma ameaça aos seus interesses estratégicos, econômicos e geopolíticos no continente. Os EUA têm expressado preocupações sobre a militarização chinesa da África e o impacto disso na estabilidade regional e no equilíbrio de poder global.
Em especial, os Estados Unidos temem a possibilidade de a China estabelecer uma base militar na costa atlântica da África. Relatórios de inteligência dos EUA indicam que a China está explorando a possibilidade de estabelecer sua primeira base militar no Oceano Atlântico, especificamente na Guiné Equatorial. O porto de Bata, nessa nação, é apontado como um possível local para tal instalação.
Essa preocupação está diretamente ligada a questões estratégicas, econômicas e de segurança global. Uma base militar chinesa no Atlântico africano afetaria os interesses dos EUA de diversas formas, o que explica a preocupação de Washington. Diversos fatores podem ser elencados no rol de preocupações dos EUA:
Segurança Regional: A presença militar chinesa na África, especialmente em regiões estratégicas como o Chifre da África e o Golfo da Guiné, pode desafiar a hegemonia militar dos EUA e complicar operações americanas na região.
Acesso a rotas marítimas estratégicas: A costa atlântica da África é uma região geograficamente estratégica, pois controla rotas marítimas críticas que conectam o Oceano Atlântico ao Oceano Índico e ao Mar Mediterrâneo. Uma base chinesa nessa região permitiria à China monitorar e, potencialmente, controlar o tráfego marítimo que passa por essas rotas, incluindo navios comerciais e militares dos EUA e seus aliados. Isso poderia comprometer a liberdade de navegação, um princípio fundamental para os interesses globais dos EUA;
Projeção de poder militar no Atlântico: atualmente o Atlântico é considerado um “quintal” estratégico dos EUA, onde a Marinha americana opera com pouca ou nenhuma contestação. Uma base chinesa no Atlântico africano representaria uma mudança significativa no equilíbrio de poder, permitindo que a China projete força militar diretamente na região. Isso incluiria a possibilidade de estacionar navios de guerra, submarinos e sistemas de mísseis que poderiam ameaçar alvos estratégicos dos EUA e da OTAN;
Acesso a recursos naturais: a costa atlântica da África é rica em recursos naturais, especialmente petróleo e gás. Países como Angola, Nigéria e Guiné Equatorial são grandes produtores de petróleo, e a China já é um dos principais investidores nessas regiões. Uma base militar chinesa na área garantiria à China um controle ainda maior sobre esses recursos, o que poderia afetar os preços globais de energia e a segurança energética dos EUA e de seus aliados;
Influência geopolítica na África Ocidental: a China tem usado sua presença na África para ganhar apoio político em fóruns internacionais, como a ONU. Isso pode minar a influência dos EUA em questões globais, especialmente em temas sensíveis, como direitos humanos e mudanças climáticas. A África Ocidental é uma região de crescente importância geopolítica, com países que têm influência significativa em organizações internacionais, como a União Africana e a ONU. Uma base chinesa na região fortaleceria a influência política e econômica da China, permitindo que ela faça aliados estratégicos e contrabalance a influência dos EUA e da Europa no continente;
Ameaça à segurança dos EUA e da OTAN: uma base chinesa no Atlântico africano poderia ser usada para monitorar e, potencialmente, ameaçar as operações militares dos EUA e da OTAN no Atlântico. Isso incluiria a capacidade de rastrear submarinos nucleares americanos, que são parte fundamental da dissuasão nuclear americana. Além disso, a presença chinesa na região poderia complicar as operações de segurança dos EUA na África, como o combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas.
Segurança energética: os EUA dependem de rotas marítimas seguras para garantir o fluxo de petróleo e gás natural de regiões como o Golfo da Guiné. Uma base chinesa no Atlântico africano poderia ameaçar essas rotas, aumentando os custos de transporte e criando vulnerabilidades para a economia americana;
Hegemonia militar no Atlântico: o Atlântico tem sido historicamente uma área de domínio militar dos EUA e da OTAN. A presença chinesa na região desafia essa hegemonia, forçando os EUA a realocar recursos militares e aumentar sua presença na área para contrabalançar a influência chinesa. Isso poderia sobrecarregar as capacidades militares dos EUA, que já estão comprometidas em outras regiões, especialmente o Indo-Pacífico;
Impacto nas relações com aliados: a presença chinesa no Atlântico africano poderia forçar os aliados dos EUA na Europa e na África a reconsiderar suas alianças. Países europeus, como França e Reino Unido, têm interesses históricos e econômicos na África Ocidental e podem se sentir ameaçados pela expansão chinesa. Isso poderia levar a tensões dentro da OTAN e a uma competição por influência na região;
Desafios à dissuasão nuclear: os EUA dependem de submarinos nucleares (SSBN) para sua estratégia de dissuasão nuclear. Esses submarinos operam em águas do Atlântico, e uma base chinesa na região poderia comprometer sua capacidade de operar de forma sigilosa. Isso representaria uma ameaça direta à segurança nacional dos EUA;
Impacto na competição global com a China: a África é um dos principais campos de batalha na competição global entre os EUA e a China. Uma base chinesa no Atlântico africano seria um sinal claro de que a China está expandindo sua influência além do Indo-Pacífico, desafiando diretamente os interesses americanos em múltiplas frentes. Isso poderia acelerar a rivalidade entre as duas potências e aumentar o risco de conflitos indiretos.
Ações dos EUA
Para contrapor essa expansão, os EUA têm adotado uma estratégia multifacetada, incluindo diplomacia, pressão política, aumento da presença militar e cooperação com aliados. Como exemplo das medidas diplomáticas dos EUA para dissuadir países africanos de permitir a presença militar chinesa em suas costas atlânticas, foi relatado que, em agosto de 2023, o presidente deposto do Gabão, Ali Bongo Ondimba, havia prometido ao líder chinês Xi Jinping a possibilidade de estacionar forças militares chinesas na costa atlântica do Gabão. Autoridades americanas, alarmadas com essa perspectiva, instaram Bongo a reconsiderar a oferta.
Essas movimentações refletem a preocupação dos EUA em manter sua influência estratégica no Atlântico e evitar que a China estabeleça uma presença militar significativa que poderia ameaçar a segurança americana. No entanto, a competição com a China na África promete ser um dos principais desafios estratégicos para os EUA nas próximas décadas. Entre as ações americanas, destacam-se:
Diplomacia e parcerias: os EUA têm trabalhado para fortalecer laços com países africanos na costa atlântica, oferecendo assistência econômica, militar e de segurança. A iniciativa “Prosper Africa”, lançada em 2019 ainda durante a primeira gestão de Donald Trump, é um exemplo disso, buscando aumentar o comércio e os investimentos americanos no continente como uma alternativa aos investimentos chineses;
Pressão política: os EUA têm alertado países africanos sobre os riscos de endividamento e perda de soberania associados aos empréstimos e investimentos chineses. Em alguns casos, os EUA têm pressionado governos africanos a rejeitar acordos que permitiriam a presença militar chinesa;
Presença militar: os EUA têm aumentado sua presença militar na África Ocidental, incluindo exercícios conjuntos com países como Senegal, Gana e Nigéria. Além disso, os EUA mantêm uma base militar em Djibuti (Camp Lemonnier), que serve como um ponto de apoio para operações na região.
Cooperação com aliados: os EUA têm trabalhado com aliados europeus, como França e Reino Unido, para fortalecer a segurança na região. Isso inclui operações conjuntas de combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas, além de iniciativas para promover a estabilidade política e econômica.
Declarações públicas
Autoridades e militares americanos têm expressado publicamente suas preocupações sobre a possibilidade de a China estabelecer uma base militar na costa atlântica da África. Esses comentários refletem a visão de Washington de que tal movimento representaria uma ameaça significativa aos interesses estratégicos, econômicos e de segurança dos Estados Unidos e de seus aliados.
O general Stephen Townsend (Comandante do AFRICOM, 2019-2022), foi um dos mais vocais sobre os riscos de uma base chinesa no Atlântico africano. Em 2021, ele alertou que a China estava buscando estabelecer uma base naval na costa atlântica da África, possivelmente na Guiné Equatorial. Ele descreveu essa possibilidade como a maior ameaça estratégica aos EUA na região desde a Segunda Guerra Mundial, destacando que uma base chinesa no Atlântico permitiria à China projetar poder militar diretamente no “quintal” dos EUA, declarando que “A coisa mais significativa que estamos vendo é a intenção da China de estabelecer uma base naval na costa atlântica da África. Isso mudará o equilíbrio de poder no Atlântico e será uma ameaça direta à segurança dos EUA e de nossos aliados.”
Já o ex-secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, enfatizou a importância de conter a influência chinesa em regiões estratégicas, incluindo a África. Ele mencionou que a expansão militar chinesa no Atlântico africano poderia comprometer a segurança marítima e a liberdade de navegação, princípios fundamentais para os interesses globais dos EUA. De acordo com Austin, “A expansão militar da China em regiões críticas, como a costa atlântica da África, representa um desafio significativo para a segurança global. Devemos trabalhar com nossos aliados para garantir que essas áreas permaneçam estáveis e livres de interferências que possam ameaçar nossos interesses.”
Antony Blinken, ex-secretário de Estado dos EUA, destacou a importância da África para a segurança e a economia global. Ele expressou preocupação com a possibilidade de a China usar sua presença militar na região para ganhar influência política e econômica, minando os esforços dos EUA e de seus aliados para promover a estabilidade e a democracia no continente. Em uma de suas declarações, ele afirmou que “A África é um campo de batalha estratégico na competição global entre democracias e autocracias. A presença militar chinesa na região, especialmente na costa atlântica, poderia desestabilizar a segurança regional e comprometer nossos esforços para promover a paz e o desenvolvimento.”

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O almirante Craig Faller, que comandou o SOUTHCOM entre 2018 e 2021, expressou preocupação com a possibilidade de a China expandir sua presença militar para o Atlântico Sul, incluindo a costa atlântica da África. Ele destacou que uma base chinesa na região poderia ameaçar as rotas marítimas críticas e complicar as operações militares dos EUA, ao afirmar que “A China está claramente interessada em expandir sua presença militar no Atlântico Sul, incluindo a costa atlântica da África. Isso representaria uma ameaça direta às rotas marítimas e à segurança regional, exigindo uma resposta coordenada dos EUA e de nossos aliados.”
Já o general Thomas Waldhauser, que comandou o AFRICOM de 2016 a 2019, também expressou preocupação com a expansão militar chinesa na África. Ele destacou que a China está buscando estabelecer uma presença militar permanente no continente, o que poderia desafiar a influência dos EUA e de seus aliados: “A China está buscando estabelecer uma presença militar permanente na África, incluindo possivelmente na costa atlântica. Isso representa um desafio significativo para a segurança regional e para os interesses dos EUA.”
O próprio presidente Donald Trump manifestou preocupações significativas em relação à expansão da influência chinesa na África. Ainda durante seu primeiro mandato, ele adotou uma postura mais assertiva em relação à China, buscando conter sua crescente presença global, inclusive no continente africano. Análises indicam que o governo Trump tem interesse em projetos estratégicos na África, como o Corredor do Lobito em Angola. Esse interesse não se limita apenas ao acesso a minerais críticos, mas também visa contrabalançar a influência chinesa na região.
Além disso, Trump tem demonstrado preocupação com políticas internas de países africanos que possam favorecer a China. Ele criticou a reforma agrária na África do Sul, sugerindo que poderia levar a expropriações que beneficiariam interesses chineses, e ameaçou cortar a ajuda dos EUA ao país.
Outras potências, como a França e o Reino Unido, também expressaram preocupações com a expansão chinesa na África, embora suas ações tenham sido mais limitadas em comparação com os EUA. A União Europeia tem buscado fortalecer parcerias econômicas e de segurança com a África, mas ainda enfrenta desafios para competir com a escala dos investimentos chineses.
A França, por sua vez, tem enfrentado uma perda significativa de influência na África, resultado de uma combinação de fatores políticos, econômicos e sociais. Essa tendência se intensificou especialmente na região do Sahel e na África Ocidental, onde a presença francesa tem sido cada vez mais contestada, facilitando a expansão das influências chinesa e russa.
E o Brasil?
A expansão chinesa na África tem implicações significativas para o Brasil, afetando seus interesses na região, suas relações com a China e sua dinâmica com os Estados Unidos. O Brasil, como país emergente com laços históricos, econômicos e culturais com a África, deve navegar cuidadosamente nesse cenário geopolítico complexo. A presença chinesa na África pode impactar o Brasil em diversos aspectos.
Impactos nos Interesses Econômicos do Brasil na África
Concorrência por Mercados e Recursos: a China é o maior parceiro comercial da África desde 2009, superando os EUA e a União Europeia. Isso cria uma concorrência direta para o Brasil, que também busca expandir seus mercados e acesso a recursos naturais no continente. A presença chinesa na África, com investimentos maciços em infraestrutura, mineração e agricultura, pode limitar as oportunidades para empresas brasileiras, especialmente em setores onde o Brasil tem expertise, como agronegócio, mineração e construção civil.
Exemplo: a China tem investido pesadamente em projetos de infraestrutura, como ferrovias e portos, que poderiam ser áreas de interesse para empresas brasileiras, como a Vale e a Odebrecht (atual Novonor).
Dependência de commodities: o Brasil e muitos países africanos são exportadores de commodities, como minério de ferro, petróleo e produtos agrícolas. A expansão chinesa na África pode aumentar a oferta global desses produtos, pressionando os preços e afetando negativamente as exportações brasileiras.
Impactos nas relações Brasil-China
Parceria estratégica com a China: a China é o maior parceiro comercial do Brasil, e os dois países têm uma relação econômica robusta, especialmente no comércio de commodities. No entanto, a expansão chinesa na África pode criar tensões indiretas, já que o Brasil e a China competem por influência e mercados no continente. O Brasil pode se sentir pressionado a alinhar-se mais estreitamente com a China para manter sua posição como fornecedor preferencial de commodities, o que poderia limitar sua autonomia em questões geopolíticas.
Diplomacia Sul-Sul: o Brasil promove a “diplomacia sul-sul”, buscando fortalecer laços com países em desenvolvimento, incluindo na África. A presença chinesa na região pode desafiar o papel do Brasil como líder entre os países emergentes, especialmente porque a China oferece investimentos e financiamentos em escala muito maior do que o Brasil pode competir.
Impactos nas Relações Brasil-EUA
Pressão dos EUA para alinhamento: os EUA têm pressionado aliados e parceiros, incluindo o Brasil, a se distanciarem da China em questões estratégicas. A expansão chinesa na África pode levar os EUA a exigirem um posicionamento mais claro do Brasil, especialmente em fóruns internacionais como a ONU. Isso coloca o Brasil em uma posição delicada, já que precisa equilibrar sua relação com os dois maiores parceiros comerciais (China e EUA).
Exemplo: durante o governo Bolsonaro, o Brasil adotou uma postura mais alinhada com os EUA, mas isso gerou atritos com a China, que respondeu com retaliações comerciais, como a suspensão temporária de importações de carne bovina brasileira.
Segurança no Atlântico Sul: a costa atlântica da África é de interesse estratégico para o Brasil, que vê – ou deveria ver – o Atlântico Sul como uma área de influência natural. Uma base chinesa na região poderia alterar o equilíbrio de poder no Atlântico, afetando a segurança marítima e os interesses do Brasil. Isso pode levar a uma maior cooperação entre Brasil e EUA em questões de segurança regional, mas também pode gerar tensões se o Brasil optar por uma postura mais neutra.
Oportunidades para o Brasil
Cooperação triangular: o Brasil pode buscar oportunidades de cooperação triangular com a China e países africanos, especialmente em áreas como agricultura, energia e infraestrutura. O Brasil tem expertise em agricultura tropical e biocombustíveis, que podem ser úteis para países africanos, enquanto a China fornece financiamento e infraestrutura.
Exemplo: projetos de transferência de tecnologia agrícola do Brasil para a África, com financiamento chinês, poderiam beneficiar todos os envolvidos.
Fortalecimento de laços culturais e históricos: o Brasil tem laços históricos e culturais profundos com a África, especialmente com países de língua portuguesa, como Angola e Moçambique. O Brasil pode usar essa conexão para fortalecer sua presença na região, oferecendo uma alternativa à influência chinesa baseada em valores compartilhados e cooperação técnica.
Desafios para o Brasil
Dependência econômica da China: a expansão chinesa na África pode aumentar a dependência do Brasil em relação à China, já que o país asiático pode diversificar suas fontes de commodities na África, reduzindo a importância relativa do Brasil como fornecedor. Isso pode enfraquecer a posição negociadora do Brasil em acordos comerciais com a China.
Concorrência por liderança global: o Brasil aspira (ou deveria) a um papel de liderança global, especialmente no âmbito dos BRICS, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. No entanto, a expansão chinesa na África pode consolidar a China como a principal potência emergente, marginalizando o Brasil.
Conclusão
A busca por bases na África é um componente essencial da estratégia global da China, refletindo suas ambições econômicas, militares e geopolíticas. Ao consolidar sua presença no continente, a China não apenas garantiria acesso a recursos vitais e rotas comerciais estratégicas, mas também projetaria poder e influência em um cenário global cada vez mais multipolar.
A África, por sua vez, poderia se beneficiar dessa parceria, mas os países africanos devem agir com cautela para garantir que seus interesses nacionais sejam preservados. Enquanto isso, a rivalidade entre a China e os EUA no continente africano promete moldar o futuro geopolítico da região, com implicações globais.
Para o Brasil, a expansão chinesa na África apresenta desafios e oportunidades. Por um lado, a presença chinesa no continente poderia limitar as oportunidades econômicas do Brasil e desafiar sua influência política na região. Por outro lado, o Brasil pode buscar cooperação triangular e fortalecer seus laços históricos e culturais com a África para manter sua relevância.
Com a China, o Brasil deve equilibrar sua dependência econômica com a manutenção de sua autonomia estratégica – aliás, a autonomia estratégica deve ser preservada nas relações com qualquer nação. Em relação aos EUA, o Brasil poderá enfrentar pressões para se alinhar contra a China, o que pode complicar sua posição como mediador e líder entre os países em desenvolvimento (e segue valendo a observação sobre autonomia estratégica).
Referências
China-Africa Research Initiative (CARI), Johns Hopkins University. Disponível em: https://www.sais-cari.org.
China in Africa. Council on Foreign Relations (CFR). Disponível em: https://www.cfr.org/backgrounder/china-africa.
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“China’s First Overseas Military Base in Djibouti”. The Diplomat. Disponível em: https://thediplomat.com/search?gcse=China’s+First+Overseas+Military+Base+in+Djibouti.
Iniciativa “Prosper Africa”. USAID. Disponível em: www.prosperafrica.gov.
China’s Engagement in Africa. Congressional Research Service (CRS). Disponível em: https://crsreports.congress.gov/search/#/?termsToSearch=China’s%20Engagement%20in%20Africa&orderBy=Relevance.
Discursos sobre a competição EUA-China na África. Veja: www.state.gov.
The China global South Project. Plataforma com notícias, podcasts e análises sobre relações China-África. Disponível em: https://chinaglobalsouth.com.
Banco de Dados AidData. Disponível em: https://www.aiddata.org.