Apesar de apresentar poder de combate superior em termos quantitativos, a Ucrânia vem sendo incapaz de manter a iniciativa nos principais teatros. Por quê?
Este artigo tem por objetivo realizar uma análise comparativa entre o poder de combate entre tropas russas e ucranianas em três direções das mais importantes no Teatro de Operações do Donbass. Vamos comparar, de maneira quantitativa, as grandes unidades russas e ucranianas nas frentes de Pokrovsk, Velika Novosilka e Toretsk.
Por grandes unidades, consideraremos as brigadas e os regimentos de ambos os lados, que estejam desdobrados nas direções citadas. No caso russo, os regimentos têm mais efetivo, equipamentos e poder de combate do que as brigadas. No caso ucraniano se dá o inverso, mas na realidade os ucranianos possuem poucos regimentos em sua ordem de batalha.
Para fins desta análise, e devido à carência de informações mais detalhadas sobre cada tipo de grande unidade, vamos considerar apenas a existência de brigadas e regimentos, em igual poder de combate.
Para quem acompanha os boletins diários de situação do Canal Guerra Russo-Ucraniana no Telegram (t.me/GuerraRussoUcraniana), que sai todos os dias por volta das seis horas da manhã, já sabe que essas três direções são estratégicas para o destino da região do Donbass.
Vamos inicialmente tratar da direção de Pokrovsk, a mais importante e mais extensa, e que, portanto, contém o maior número de unidades de cada lado (Ordem de Batalha 1).
Para facilitar a análise, dividimos esta direção em três setores distintos:
• Pokrovsk (área urbana);
• Krasnoarmeisk; e
• Vodyane, este último o setor do conhecido trevo da Rodovia T-0504.
Vamos analisar inicialmente o setor da cidade de Pokrovsk (Figura 1).
Do lado russo, temos neste setor um total de quatro brigadas de infantaria mecanizada e um regimento de infantaria. Do lado ucraniano, temos quatro brigadas de infantaria mecanizada e uma brigada paraquedista de assalto aeroterrestre.
Podemos dizer que, neste setor, o poder de combate é equilibrado, a uma taxa de um para um. Considerando que os russos têm mantido a iniciativa nesse setor, ou seja, estão atacando, significa que, em termos quantitativos de unidades envolvidas, os russos não teriam boas condições de realizar um ataque, que deveria ser de, no mínimo, três para um.
Vamos agora para o setor de Krasnoarmeisk (Figura 2).
Ali, os russos possuem duas brigadas, sendo uma de infantaria mecanizada e outra de assalto aeromóvel, assim como dois regimentos de infantaria.
Do lado ucraniano, observamos apenas três brigadas de infantaria mecanizada. Isso resulta numa relação de quatro para três em termos de poder de combate, favorável aos russos, mas que ainda assim não seria suficiente para uma iniciativa ofensiva.
Vamos agora ao setor de Vodyane (Figura 3).
Ali os russos possuem apenas uma brigada de infantaria mecanizada, e os ucranianos, duas brigadas de infantaria mecanizada e dois regimentos, inclusive um poderoso regimento de carros de combate.
Mas ali também os russos conseguiram manter a iniciativa, e conquistaram o estratégico entroncamento da rodovia T-0504, que interrompeu todo o fluxo logístico e de reservas ucranianas nesse setor.
Isso é bem inacreditável, considerando os meios teoricamente disponíveis pelos ucranianos.
Bem, no total do poder de combate dos dois lados, em toda a direção de Pokrovsk, vemos que os russos estão em inferioridade de grandes unidades, a uma taxa de seis para oito. Mas, contrariando a lógica quantitativa, os russos têm conseguido manter a inciativa em todo o setor.
Vamos ver agora a situação em Velika Novosilka, onde sabemos que os russos vêm progredindo rapidamente, e inclusive cercaram as tropas ucranianas que defendem a cidade (Ordem de Batalha 2).
Incrivelmente, notamos que os ucranianos priorizaram a defesa desse setor da frente, estando com uma superioridade quantitativa de brigadas e regimentos, na taxa de sete russas para 11 ucranianas (Figura 4).
É impensável a realização de uma manobra de cerco com essa taxa de poder de combate relativo tão desfavorável para os russos. Outros fatores devem estar se impondo.
Finalmente, veremos a direção de Toretsk, que constitui um combate tipicamente urbano, e que é considerada hoje, a batalha mais demorada de toda a guerra, que vem sendo combatida desde 2022 (Ordem de Batalha 3).
Neste setor da frente, as tropas russas possuem três brigadas de infantaria mecanizada e cinco regimentos de infantaria mecanizada. Já os ucranianos possuem duas brigadas de movimentos políticos (uma brigada Azov e uma brigada Liut), assim como quatro brigadas de infantaria mecanizada (Figura 5).
Ou seja, nos combates em Toretsk, há uma taxa favorável aos russos de oito para seis, mas que ainda é insuficiente para uma ação ofensiva que, nos últimos dias, tem sido realizada com bastante sucesso, com a conquista de praticamente toda a área urbana da cidade, como dissemos, após anos de combates.
Pois bem, considerando que os russos têm uma desvantagem comparativa de poder de combate em Pokrovsk (seis para oito) e em Velika Novosilka (de sete para 11). Concluímos que os russos, que estão com a iniciativa ofensiva em todo o Donbass, somente possuem uma pequena vantagem em Toretsk (de oito para seis).
No geral, concluindo nosso raciocínio, os russos têm uma desvantagem em poder de combate quantitativo de 21 para 28 em relação às grandes unidades presentes na área (Figura 6).
Mas o que estaria ocorrendo?
Que conclusões finais podemos tirar dessa análise?
O fato é que as tropas ucranianas possuem poder de combate nominal ou quantitativo igual ou superior em todas as frentes, exceto em Toretsk, que é um local que possui uma característica forte de combate urbano, ambiente até certo ponto evitado pelos russos desde a experiência em Bakhmut.
Com base nessa premissa, podemos concluir que:
O primeiro ponto é que há uma incapacidade ucraniana de manter a iniciativa nessas três direções, em que pese seu poder de combate nominal (quantitativo) superior.
Isso somente se justifica por uma degradação significativa do poder de combate de suas brigadas, particularmente por falta de pessoal, mas também de material. Questões de moral da tropa também devem ser levantadas, particularmente sabendo que a falta de mão de obra não tem permitido o rodízio de pessoal, que se mantém meses a fio na linha de frente, gerando enorme estresse de combate.
O segundo ponto é que, sem a decretação da redução da idade de mobilização na Ucrânia para a idade de 18 anos, esse quadro não irá melhorar, sequer a médio prazo.
Isso se deve ao fato de que, mesmo que haja equipamentos disponíveis, a preparação de um enorme contingente de recrutas (fala-se em algo como 300 mil) levará um tempo considerável (cerca de dois meses), com treinamento de pouca qualidade, considerando que esse novo contingente não possuirá experiência militar prévia.
A carência de pessoal veterano para compor novas brigadas, inclusive oficiais e sargentos, também seria um ponto altamente crítico para a operacionalidade de novas grandes unidades.