A intervenção em estruturas tubulares, como ônibus, trens e aeronaves, é uma das atuações mais complexas das forças policiais/militares, devido aos espaços restritos, alta concentração de reféns, dificuldade de aproximação encoberta, entre uma infinidade de outros pontos a considerar.
Uma discreta reportagem em um jornal de grande circulação no Brasil, em 7 de fevereiro de 1976, tinha como título mais uma das inúmeras crises diplomáticas que ocorrem entre nações. A Somália denunciava uma agressão por parte da França e convocava o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Uma leitura das linhas que se seguiam, porém, mostrava outro quadro. Tratava-se de uma resposta ao sequestro de dezenas de crianças que se encontravam em um ônibus, tomadas como reféns por terroristas da Frente de Libertação da Costa da Somália (FLCS).
A França, por intermédio da Legião Estrangeira (13ª Meia Brigada da Legião Estrangeira, 13ª DBLE e uma companhia do 2º Regimento Estrangeiro de Paraquedistas, 2º REP, destacada da Córsega e adida à 13ª DBLE) bem como um pequeno contingente do então recentemente criado GIGN (Groupe d’Intervention de la Gendarmerie Nationale) efetuou uma operação bem sucedida de resgate, em um dos cenários mais complexos imagináveis.
Um ônibus escolar (na verdade um veículo militar) com 31 crianças que possuíam entre 5 e 12 anos de idade, filhos de militares franceses que se encontravam estacionados no Djibuti, havia deixado uma base no Aeroporto Ambouli. Era conduzido pelo militar Jean-Michel Dupont, de 19 anos. O dia 3 de fevereiro de 1976 deveria ser mais uma data rotineira, até que por volta das 07h15, quatro terroristas do FLCS, vestidos com trajes femininos, tomaram o veículo com seus ocupantes. Foi determinado que seguissem para Loyada, um vilarejo que seria, à época, a única passagem oficial para a Somália.
No caminho, tiveram que passar por uma barreira guarnecida pela Gendarmerie, sendo que os terroristas efetuaram disparos. Imediatamente soou o alerta e começou o acompanhamento ao ônibus. Já em Loyada, por volta das 07h45, militares da 13ª DBLE em um posto de controle de fronteira interromperam o deslocamento. Iniciando as negociações, o ônibus acabou sendo estacionado em uma área próxima ao posto da guarnição somali. Blindados Panhard AML foram trazidos pelos franceses.
Os terroristas fizeram diversas exigências (entre as quais, a libertação de prisioneiros de seu grupo, bem como outras de fulcro político). Se não fossem atendidos, as crianças seriam assassinadas. Do lado somali, outros integrantes da FLCS vieram se agrupar à equipe de fronteira. Uma metralhadora MG42, entre diversas armas, permanecia apontada para o ônibus e para os franceses. Os somalis estavam recebendo aconselhamento de agentes estrangeiros (pertencentes ao Pacto de Varsóvia). A assistente social francesa Jehanne Bru somou-se voluntariamente aos reféns para tentar trazer mais calma às crianças.
Com a chegada da noite, os terroristas receberam reforços. A ordem para o GIGN se deslocar para o local foi dada pelo presidente Valéry Giscard d’Estaing e a pequena equipe de nove homens (oito atiradores equipados com fuzis FR F1, sob o comando do tenente Prouteou) já estava tomando posição na manhã do dia 4. A técnica de disparos simultâneos, empregando vários atiradores de precisão, havia sido desenvolvida em 1974 e seria utilizada nesse evento (vale mencionar que, conforme publicação da própria Gendarmerie Nationale, o GIGN havia sido ativado em abril de 1974, ou seja, menos de dois anos antes do evento em Loyada).
Antes da operação de resgate, foi autorizado que as crianças recebessem alimentação (por volta das 14h00). O alimento fornecido continha medicamentos, com a finalidade de deixar as crianças sonolentas e sentadas. Às 15h45 horas, a operação teve início. Era necessário que todos os terroristas (cinco, naquele momento, no ônibus) estivessem em pé. Os disparos ocorreram e os terroristas foram neutralizados (foi necessário um segundo disparo para um deles). Os agentes do GIGN haviam positivado individualmente, por rádio, a possibilidade de efetuar o disparo e, após uma contagem de três segundos, os efetuaram simultaneamente.
Outros terroristas foram neutralizados nos minutos seguintes. Um tentou adentrar ao ônibus e sequestrar uma criança, sendo neutralizado por um agente do GIGN e por um legionário. Antes de cair, disparou sua arma e feriu algumas crianças (Nadine Durand, de cinco anos, faleceu, restando gravemente feridas Valérie Geissbuhler e David Brisson). O motorista do ônibus também ficou ferido com esses disparos. Valérie foi socorrida e, em razão das lesões, acabou falecendo dias depois em Paris. Foram as duas baixas fatais entre os reféns.
Ocorreu um intenso combate entre os terroristas (apoiados pela guarnição somali) e os franceses. A operação foi concluída às 16h05. Dezenas de vidas foram salvas. Um tenente (2º REP) foi ferido, bem como a assistente social. O pequeno Franck Rutkovsky, de sete anos, foi sequestrado e levado para Somália, sendo libertado poucos dias depois.
Segundo algumas fontes contabiliza-se, ainda, uma terceira vítima, anos depois. David Brisson, de seis anos na época do incidente, recebeu graves ferimentos na face, perdendo um dos olhos. Devido às suas lesões permanentes e visíveis, teria cometido suicídio em 2014. É o altíssimo custo carregado pelas vítimas do terrorismo. O filme 15 Minutos de Guerra (L’Intervention, dirigido por Fred Grivois, 2019) é baseado neste incidente.
É adequado citar que, em 2024, a Somália ocupava a primeira posição (de 179), no Fragile States Index (The Fund For Peace). Um Estado Falido (ou, como também designado, Estado Frágil), é um risco à estabilidade e à segurança regional (e internacional). É adequada a consulta ao artigo: O alto preço da soberania: fronteira e insurgência para maior compreensão do tema. Por curiosidade, o Brasil encontra-se na não confortável 78ª posição no índice citado (em pior colocação que a Bolívia, México, El Salvador, Paraguai, Cuba, Argentina, Chile e Uruguai).
A intervenção em estruturas tubulares (como ônibus, composições de transporte ferroviário e aeronaves) é um dos tipos mais complexos de atuação das forças policiais/militares. Espaços restritos para deslocamento ou mesmo posicionamento de equipes de resposta, opções limitadas para adentramento, a abertura de portas que permitem (pela quebra do isolamento acústico, em aeronaves principalmente) a fácil percepção do intento de retomada, a alta concentração de reféns em um espaço limitado, risco de incêndio, dificuldade para aproximação encoberta, entre uma infinidade de outros pontos a considerar, tornam esse tipo de missão, por vezes, um divisor de águas. Não seria a última operação do GIGN neste tipo de ambiente. Nem a última reportagem em que a Somália seria citada. Aliás, muito pelo contrário.
Pouco mais de um ano após o incidente em Loyada, outra reportagem a respeito de intervenção em uma estrutura tubular (agora, uma aeronave). Novamente, uma unidade com poucos anos de ativação faria toda a diferença. Da mesma forma que os eventos da Olimpíada em Munique (1972) fizeram os franceses disporem de uma equipe eficiente (GIGN) para incidentes críticos, seus parceiros alemães, pelo mesmo motivo, criaram e colocariam à prova o GSG-9.
Durante a tentativa de resgate dos atletas olímpicos israelenses, tomados como reféns por terroristas palestinos do Setembro Negro, um integrante da Bundesgrenzschutz – BGS (Proteção Federal de Fronteiras), que no momento compunha a equipe do ministro do Interior como oficial de ligação, havia dito abertamente que a Alemanha (Ocidental) não possuía nenhuma equipe especializada nesse tipo de missão e que o resultado de uma operação de resgate seria possivelmente um fracasso. Seu nome era Ulrich Klaus Wegener. Suas palavras se mostraram exatas: da delegação israelense restaram 11 mortos (cinco atletas e seis treinadores), bem como um policial alemão e cinco terroristas do Setembro Negro. Esse triste evento ocorreu entre os dias 5 e 6 de setembro de 1972.
Dias depois, em 19 de setembro, Wegener recebeu ordens para que um grupo especializado fosse criado para dar reposta adequada em incidentes críticos (principalmente resgate de reféns e contraterrorismo). A especialização desses agentes recebeu apoio do Reino Unido (por intermédio do 22º Special Air Service, SAS) e de Israel (Sayeret Matkal, que por sua vez, também foi uma unidade moldada pelo SAS). Começava a tomar forma o Grupo de Proteção de Fronteiras 9 (Grenzschutzgruppe 9, GSG-9). Curiosamente, com o passar do tempo (para ser mais preciso, em 1º de julho de 2005) a Bundesgrenzschutz, cuja missão principal era a proteção de fronteiras da então Alemanha Ocidental (ou República Federal da Alemanha), mantendo o mesmo nome quando ocorreu a reunificação alemã, foi redesignada como Bundespolizei (Polícia Federal). O GSG-9, por sua competência e consequente fama, manteve sua designação (GSG 9 der Bundespolizei).
Necessário também citar que o profissionalismo e busca de conhecimento técnico (e prático) de Wegener o levaram a Entebbe (Uganda) em 1976, como “observador convidado” dos israelenses, onde teria participado de ações de reconhecimento. Quando ocorreu a Operação Thunderbolt, também conhecida como Operação Entebbe (posteriormente rebatizada de Operação Yonatan, devido à morte do único militar israelense, o tenente-coronel Yonatan Netanyahu, durante o resgate dos reféns de uma aeronave A-300 da Air France que fazia a rota Tel Aviv-Paris com escala em Atenas, quando acabou sendo tomada por terroristas da Frente Popular da Libertação da Palestina e das Células Revolucionárias da Alemanha), Wegener se encontrava com um agente britânico do MI6. Chegou a ser ferido com um golpe de baioneta, durante uma luta em um bloqueio de estrada (recebendo tratamento médico adequado no Quênia).
Essa operação, retratada em diversos filmes e literatura, foi considerada uma das mais complexas e de perfeita execução já feitas. Também é fato que muitos políticos alemães se manifestavam contrariamente à formação dessa unidade contraterrorista. Com certeza essa opinião mudaria em pouco tempo.
Chega o ano de 1977.
O voo 181 da Lufthansa (aeronave Boeing 737-200) partiria de Palma de Maiorca (Espanha) e tinha como destino Frankfurt (Alemanha). Decolou às 11h00 do dia 13 outubro de 1977, no que seria mais uma viagem normal. No comando da aeronave encontrava-se Jürgen Schumann tendo como copiloto Jürgen Vietor. Como tripulação de cabine, as comissárias Gabriele Dillmann, Anna-Maria Staringer e Hannelore Piegler. Havia 90 passageiros a bordo. Quando sobrevoavam Marselha (França) após 30 minutos de voo, um grupo de quatro terroristas da Frente Popular para a Libertação da Palestina (que se encontravam entre os passageiros) tomou a aeronave. Os cinco tripulantes e os demais 86 passageiros viveriam momentos indescritíveis.
O voo prosseguiu. O líder dos terroristas, Zohair Youssif Akache (23 anos), exigiu que a aeronave fosse desviada de sua rota original para o Chipre, mas sua autonomia tornou Roma (Itália) a primeira opção de pouso e reabastecimento. Tornaram-se públicas as diversas exigências dos terroristas: a libertação de 11 integrantes do Baader-Meinhof (Facção do Exército Vermelho) que estavam detidos na prisão de segurança máxima de Stammheim (em Stuttgart), dois líderes palestinos e o montante de 15 milhões de dólares.
Os 11 terroristas citados eram responsáveis por diversos crimes patrimoniais violentos e pela morte de, pelo menos, 16 pessoas (sem contar dezenas de tentativas de homicídio). Andreas Baader, então com 34 anos, foi condenado à prisão perpétua pela participação no assassinato de cinco pessoas, 59 tentativas de homicídio, atentados com uso de artefatos explosivos, roubo a bancos e criação de uma organização criminosa. A ex-professora primária Gudrun Ensslin (então com 37 anos) havia sido condenada junto com Baader e do sociólogo Jan-Carl Raspe (33 anos) à prisão perpétua. Terroristas como as “estudantes e ativistas” Irmgard Moeller e Hanna-Elise Krabe, bem como a integrante do grupo “2 de junho” Verena Becker haviam sido condenadas por atentados com uso de artefatos explosivos. Verena já havia sido solta anteriormente, com outros quatro terroristas (em troca da vida de um político) e voltou a atuar na Alemanha em atividades subversivas. Outros nomes com idênticas condutas engrossaram a lista.
Fica claro que diversas organizações terroristas conversavam entre si, cooperavam e tinham o mesmo propósito.
Além de Zohair (fazendo questão de chamar a si próprio de “Capitão Mártir Mahmud”) compunham o “Comando Mártir Halime” a terrorista Suhaila Sayeh (22 anos) de origem palestina, Wabil Harb (23 anos) e Hind Alameh (22 anos), de origem libanesa. O copiloto Jürgen Vietor foi retirado, por ordem de Zohair, e se sentou entre os passageiros enquanto este, com uma pistola em punho, permanecia com o comandante da aeronave.
Cientes do que ocorria, as autoridades alemãs solicitaram ao governo italiano que não fosse permitida a decolagem da aeronave. Tal fato não ocorreu e, após reabastecimento houve a partida para Lárnaca (Chipre), onde pousou às 20h28. A própria OLP (Organização para Libertação da Palestina) tentou dissuadir Zohair (ou “Mahmud”) de seu intento, sem êxito. Reabastecida a aeronave, o comandante solicitou uma rota para Beirute, porém o governo libanês negou a possibilidade de pouso.
Após decolarem do Chipre às 22h50, tentou-se a Síria, Kuwait e o Iraque como destinos, não sendo autorizado o pouso em nenhum desses países. Restou, mesmo sem autorização, o Bahrein, por falta de combustível. A aeronave tocou o solo pouco antes das duas da madrugada e foi imediatamente cercada. Às 03h24 de 14 de outubro ela decola após ser reabastecida (os terroristas deram prazo para a liberação da pista e, caso não fosse cumprido, iriam assassinar o copiloto).
Seguiram para Dubai onde, mesmo com a pista inicialmente obstruída, pousaram por falta de combustível. Lá receberam alimentação, jornais e água, a foi retirado o lixo de bordo. O comandante da aeronave conseguiu inserir no lixo diversas informações sobre os terroristas. Ao invés de mantê-las em sigilo e compartilhá-las somente com as equipes que gerenciariam a crise, elas foram divulgadas para mídia pelo ministro da defesa de Dubai. Tomando ciência (provavelmente por rádio) que informações foram repassadas, o líder dos terroristas se tornou colérico, ameaçando matar o comandante.
A aeronave permaneceu em solo e as tratativas da Alemanha para que pudesse enviar uma equipe para retomada da aeronave avançavam lentamente junto ao governo local. Por fim, foi autorizada a intervenção. O GSG-9 passou a fazer simulações em uma pista adjacente e fazer as considerações necessárias. Enquanto isso ocorria, a aeronave completou seu reabastecimento e decolou rumo a Omã. Sendo negado o pouso, alterou a rota para o Iêmen. Lá, também teve o pouso negado, mas prosseguiu por absoluta falta de combustível, em Aden. Com a pista principal obstruída, a aterrissagem ocorreu em uma paralela (de areia).
O comandante Jürgen Schumann solicitou ao líder dos terroristas para que pudesse descer e proceder a uma inspeção, com o objetivo de verificar danos nos trens de pouso e nas turbinas (por ingestão de detritos do solo), o que foi autorizado. Ele retornou um bom tempo depois, voluntariamente. A demora se deu pelo fato de ele tentar convencer as autoridades locais a não permitirem o abastecimento e a decolagem, bem como em relação às exigências dos terroristas e a preservação da integridade dos reféns. Essa demora custou-lhe a vida (mesmo estando plenamente ciente dos riscos). Ele foi obrigado a se ajoelhar assim que embarcou e foi assassinado com um disparo na cabeça por Zohair.
A aeronave, agora abastecida, decolou com o corpo do comandante a bordo. Schumann, antes de integrar a Lufthansa, pertenceu à Força Aérea alemã, chegando a ser piloto de caça (tripulava F-104 Starfighter). Deixou esposa e dois filhos. Eram 02h02 de 17 de outubro quando o Boeing rumou para a Somália, pousando em Mogadíscio poucas horas depois, mesmo sem autorização para tal.
Na Somália, o líder dos terroristas autorizou que o copiloto Jürgen Vietor pudesse sair livre, mas ele recusou a oferta. Não deixaria os demais tripulantes e passageiros para trás. O corpo do piloto foi jogado na pista. Os terroristas passaram a exigir que o governo alemão atendesse suas exigências, tendo início as conversações. Um prazo (às 16 horas) foi estipulado. Mas o acordo entre governos permitiu que uma ação de retomada fosse feita.
Uma equipe alemã já estava a caminho e foi autorizado o pouso (efetuado de forma discreta). O GSG-9 levaria a cabo a Operação Fogo Mágico (Feuerzauber). Adequado não confundir a operação em Mogadíscio com outra, de idêntico nome, efetuada pela Força Aérea alemã (Luftwaffe) no início da Guerra Civil Espanhola (operação esta que consistiu em uma ponte aérea, com o transporte de milhares de militares e equipamentos, o que seria a primeira vez da história que tal missão foi feita em larga escala).
Curiosamente, um dos tripulantes da aeronave que conduziu a equipe do GSG-9 à Somália, era noivo da comissária Gabriele Dillmann. Durante as negociações, o prazo para que as exigências fossem atendidas foi ampliado. Alegava-se a demora para os terroristas presos fossem deslocados até a Somália (na verdade, eles jamais deixaram as celas). O próprio Papa Paulo VI, ao saber do assassinato do comandante Juergen Schumann, após repudiar o ato, ofereceu-se, caso “fosse útil”, para ficar no lugar dos reféns. Mencionou ainda que os assassinos cometeram um ato que os “privava do direito de serem definidos como homens”. Essa era a amplitude da crise.
Entre os 30 operadores alemães, estavam presentes dois “observadores e conselheiros” do 22º SAS. Wegener comandaria pessoalmente a ação, juntamente com o major Klaus Blatte. Inicialmente os membros do SAS sugeriram que fosse utilizado somente um ponto para adentramento na aeronave, mas os integrantes do GSG-9 optaram por utilizar todos os disponíveis. Ainda em Dubai, o SAS ofertou um novo tipo de artefato distrativo para ser utilizado (que foi descartado, pois potencializaria o risco de incêndio a bordo, o que foi uma decisão acertada tendo em vista, nos momentos finais do evento, que os terroristas derramaram bebidas alcoólicas e outros fluídos nos tripulantes e passageiros para que, em uma tentativa de resgate, fossem queimados).
Enquanto um fluxo de informações (fictícias) da libertação dos presos era fornecida, dando a entender que as exigências eram cumpridas, desviando assim a atenção dos terroristas, outra distração foi feita: pouco à frente da aeronave, tambores de combustível foram queimados (algumas fontes citam “fogueira”). Dos quatro terroristas, três foram para a cabine ver o que ocorria. Às 02h07, o GSG-9 se aproximou do Boeing, vindo a partir da parte traseira. Silenciosamente as escurecidas escadas foram postadas.
Com as equipes posicionadas, teve início a intervenção. Enquanto Wegener adentrava a parte dianteira com uma fração, os sargentos Dieter Fox e Joachim Huemmer adentraram pela portas de emergência das asas. Os agentes gritaram para que os passageiros e tripulantes se deitassem no chão. A rápida ação neutralizou imediatamente Wabil Harb e Hind Alameh. Zohair, ferido, foi posto fora de ação (falecendo pouco depois). Suhaila Sayeh restou ferida, escondida em um banheiro da aeronave.
Os tripulantes e passageiros foram evacuados imediatamente. Cinco minutos após, às 02h12, a palavra “primavera” (frühlingszeit) era transmitida por rádio. Restaram, com ferimentos leves, um operador do GSG-9, um tripulante e três passageiros. A missão foi um retumbante sucesso. Às 05h13, todos estavam retornando para a Alemanha Ocidental, com o pouso em Colônia no início da tarde. A notícia percorreu o mundo rapidamente.
Três dos terroristas que seriam beneficiados com o sequestro da aeronave (Andreas Baader, Jan-Carl Raspe e Gudrun Ensslin), cometeram suicídio na prisão de Stammheim após tomarem conhecimento da ação bem sucedida do GSG-9 (que havia neutralizado seus parceiros e resgatado todos os reféns). Outra terrorista presa também tentou cometer suicídio, fazendo uso de uma faca. Irmgard Moeller foi socorrida a tempo, fracassando em seu intento.
Os operadores (aliás, “observadores”) do SAS também trouxeram percepções quando retornaram. Uma delas foi o uso da submetralhadora H&K MP-5. Essa arma considerada eficiente passou, após avaliação, a ser o armamento primário quando em atuação CQB (Close Quarters Battle, combate em ambiente confinado). São ações de alta intensidade, curta distância e, normalmente, breve duração. A imagem de operadores do SAS, com suas MP-5 e equipamentos peculiares percorreram o mundo após eficiente atuação em 1980, no incidente da embaixada iraniana em Londres (Operação Nimrod).
Exatamente quando a operação em Mogadíscio estava em sua conclusão, outra intervenção em estrutura tubular ocorria com idêntico sucesso: no Japão, em Nagasaki, a força policial atuou para encerrar um evento onde dois criminosos armados mantinham como reféns os 15 passageiros e o motorista de um ônibus. Inicialmente considerava-se a hipótese que ambos fossem terroristas, integrantes do “Exército Vermelho” (o que de fato não eram). Após 18 horas de impasse, um contingente de aproximadamente 250 policiais cercava o ônibus.
De forma coordenada, as janelas foram quebradas e os reféns retirados, enquanto os criminosos ficaram atordoados com a ação bem como com o lançamento de um artefato distrativo no interior do ônibus e tiveram dificuldade em manusear suas armas. Um criminoso (Hisayuki Kawasi, de 31 anos) foi neutralizado com um disparo de arma de fogo e o outro foi preso.
Necessário destacar que, com o passar do tempo, nem sempre a percepção ideológica ou de critérios políticos encontram guarida na dura realidade vivida pelas vítimas da violência. Os integrantes do GSG-9, bem como tripulantes do voo 181, receberam comendas relevantes do governo alemão. A corajosa tripulação (desde o comandante da aeronave que sacrificou sua vida na tentativa de que outras fossem salvas, o copiloto que, mesmo tendo a oportunidade de partir, permaneceu junto aos demais, à corajosa comissária Gabriele Dillmann, que acabou conhecida como “o anjo de Mogadíscio” por manter a calma dos passageiros) teve papel relevante. Jürgen Vietor (o copiloto) havia sido reconhecido com a Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha, por tudo o que vivenciou em 1977.
Com o passar do tempo, um dos líderes terroristas da Facção do Exército Vermelho, Christian Klar (preso em 1982 por atentados fazendo uso de artefatos explosivos e diversos homicídios), tendo sido condenado à prisão perpétua, recebeu perdão do governo alemão em 2008, após 26 anos de prisão, sendo posto em liberdade. Devido a essa atitude, Vietor devolveu a medalha e escreveu ao presidente Horst Köhler, expondo que a liberação do terrorista Klar era “um insulto a todas as vítimas da RAF (Facção do Exército Vermelho)”. Atitude corajosa e consciente de quem presenciou e viveu os efeitos do terrorismo e do sangue de inocentes que foi derramado.
Menos de um ano depois do evento do voo 181, outra intervenção em estrutura tubular ocorreu. Era o dia 11 de março de 1978. O resultado, porém, não foi um desfecho feliz.
Terroristas palestinos do Fatah (Movimento de Libertação Nacional da Palestina), a partir do planejamento feito por Khalil al-Wazir (também conhecido por Abu Jihab), promoveram um massacre. Com a ideia inicial de invadirem um hotel de luxo em Tel Aviv, tomando figuras políticas (estrangeiras principalmente) e demais hóspedes como reféns, deveriam desembarcar a partir de botes, em uma ação anfíbia.
A chamada (pelos terroristas) “Operação Mártir Kamal Adwan” começou com um grotesco erro de navegação, fazendo-os desembarcar a dezenas de quilômetros do seu objetivo. Treze terroristas (incluindo uma jovem de 18 anos) partiram em uma embarcação, em 9 de março de 1978, do Líbano. No dia 11 de março foram divididos em dois botes, sendo que um deles acabou virando devido às intempéries climáticas, resultando no afogamento de dois terroristas. Os outros 11 prosseguiram no bote restante e desembarcaram na costa. Como não sabiam onde estavam, perguntaram a uma fotógrafa norte-americana (sobrinha de um senador) que se encontrava observando a natureza. Ao tomarem conhecimento que chegaram a Israel ficaram aliviados e, em agradecimento, a assassinaram.
Logo depois, caminharam até alcançar uma rodovia costeira. Começaram a disparar em direção aos veículos e tomaram um, assassinando seus ocupantes. Partindo em direção à Tel Aviv, mudaram o foco do planejamento inicial: como conseguiram tomar um ônibus fretado (com funcionários de uma empresa e familiares) tendo dezenas de reféns em mãos, consideraram continuar suas ações, que agora não mais envolveriam o hotel. Enquanto o ônibus percorria a estrada, os terroristas disparavam e lançavam granadas nos carros. Os passageiros do ônibus também foram alvo de violência (sendo arremessado para fora, pelo menos, um corpo).
Em determinado momento, pararam o veículo e conseguiram tomar outro ônibus que seguia para Haifa, fazendo com que os reféns do primeiro embarcassem nesse último. Antes de partirem, disparam em direção a um veículo (assassinando um jovem e ferindo seu pai). Agora perseguidos pela polícia (que não respondia aos disparos por temer ferir um refém), passaram por diversos bloqueios. A ação extremamente dinâmica (com o ônibus se deslocando por considerável trajeto e havendo disparos contra qualquer coisa que os terroristas considerassem um alvo) dificultou a vinda e posicionamento de equipes especializadas, havendo a resposta imediata de unidades convencionais de polícia, principalmente.
Finalmente o veículo foi detido em um grande bloqueio nas proximidades da pujante cidade de Herzliya. Houve um grande confronto provocado pelos terroristas. Os policiais presentes não possuíam treinamento ou equipamento para aquele tipo de ação. Janelas foram quebradas e as autoridades presentes gritaram para os passageiros fugirem (muitos foram atingidos nesse intento). O líder de uma unidade antiterror chegou ao local antes de sua equipe e, tomando a iniciativa, entrou no ônibus, conseguindo neutralizar dois terroristas, sendo ferido. Em pouco tempo, porém, ocorreu uma explosão (provavelmente ocasionada pelo acionamento de uma granada, durante a luta entre um refém contra um terrorista). Irrompeu um incêndio. Boa parte daqueles que estavam no veículo morreram queimados.
O resultado foram 48 mortos, sendo destes 38 civis (entre os quais 13 crianças), um militar israelense e nove terroristas.
Um ponto a relevar são duas decisões políticas (antes e depois do evento). A primeira foi uma ação preemptiva, parcialmente interrompida. Sabedores que Khalil al-Wazir tinha em mente a operação (por intermédio de operações de inteligência), uma ação de comandos levada a cabo pela unidade Sayeret 13 conseguiu neutralizar diversos terroristas que estariam empenhados no intento. Não todos, porém. Alguns estavam em uma edificação próxima do local atacado, em Damour (Líbano). Ao desejarem retornar para que as demais ameaças fossem eliminadas, houve a negativa por orientação alusiva ao momento político vigente.
A segunda, anos depois, foi a libertação dos dois terroristas sobreviventes que, presos e sentenciados à prisão perpétua, foram beneficiados pelo Acordo de Jibril. Do lado contrário, ocorreu a “glorificação” como modelo de mulher árabe, mártir e heroína de Dalal Mughrabi (a jovem terrorista de 18 anos). Seria ela a assassina da fotógrafa norte-americana, quando desembarcaram na costa israelense.
Passados anos (bem como centenas de atuações) e o GIGN tornara-se uma das equipes de resposta mais respeitadas no mundo. O final de 1994 se aproximava e era época das comemorações natalinas. Mais uma vez, a elite da Gendarmerie Nationale seria acionada.
Provavelmente na mente da imensa maioria dos passageiros que embarcam nos aviões nesta época, há a intenção de que esse período tão importante do Natal seja celebrado com a família ou amigos. Talvez fosse o caso dos que tomavam assento no Airbus A300 da Air France, para o voo 8969, na manhã do dia 24 de dezembro de 1994. A tripulação técnica, composta pelo comandante Bernard Delhemme, o copiloto Jean-Paul Borderie e o engenheiro de voo Alain Bossuat estavam atentos à sua tarefa de levar a aeronave que transportaria 220 passeiros de Argel (a partir do aeroporto Houari Boumedienne) para Paris (aeroporto de Orly, segundo maior daquela cidade depois do Charles de Gaulle). Os nove tripulantes de cabine (Gilles Dunis, Christiane Adenot, Nicole Chauvin, Sylviane Bidault, Claude Burgniard, Christophe Morin, Anne Dufrène, Richard Cleret e Ludovic Ulmer) ainda acomodavam os passageiros e seguiam os procedimentos, quando quatro pessoas uniformizadas também embarcaram.
Era fato que a Argélia passava por uma guerra civil, havendo risco para a operação de aeronaves comerciais. Tal fato já havia sido alertado por intermédio de NOTAM (Notice to Airmen, Aviso aos Aeronavegantes). Assim, todos os tripulantes da Air France eram voluntários para aquele voo. O momento era conturbado e, em um primeiro momento os quatro que se identificaram como policiais (utilizavam vestimenta da Air Algérie) e passaram a verificar os passaportes dos passageiros, não fazendo nada de incomum, exceto pelo fato de ser vista uma arma com um deles, o que chamou a atenção da tripulante Claude Burgniard. Um desses policiais permaneceu próximo à cabine de pilotagem, outro na porta e os demais verificavam os documentos.
A demora para que a aeronave decolasse chamou a atenção dos militares que se encontravam no aeroporto. Em pouco tempo ficou claro que os “policiais” eram na verdade integrantes do Grupo Islâmico Armado (GIA, Groupe Islamique Armé). O Grupamento de Intervenção Especial (GIS, Groupement d’Intervention Spécial), uma unidade especializada do Departamento de Segurança e Inteligência (DRS, Département du Renseignement et de la Sécurité) criada em 1987, cujos integrantes são conhecidos como “ninjas”, já estava a postos.
Os terroristas do GIA (cujo líder era Abdul Abdallah Yahiya) perceberam que eles cercaram a aeronave, suspeitando de um sequestro (ou de outra atividade irregular). Assim, passaram a expor suas armas (tinham a disposição armamentos como o fuzil Kalashnikov, a submetralhadora UZI, pistolas e granadas, bem como dois artefatos explosivos) e informaram aos passageiros e tripulantes de seu intento.
Várias autoridades argelinas passaram a ser acionadas. A pista foi obstruída por veículos militares. Na França, poucos minutos depois (meio-dia) o ministro das Relações Exteriores Allain Juppé já preparava uma reunião de emergência. Diversos outros ministros interromperam suas férias e, entre eles, o primeiro-ministro francês Édouard Balladur tentava inteirar-se da situação.
Considerando a orientação religiosa dos terroristas (o GIA era um grupo salafista e que tinha o objetivo de derrubar o governo argelino, impondo um estado islâmico), as mulheres foram obrigadas a cobrir a cabeça com tecidos disponíveis e, na falta destes, os cobertores a bordo foram utilizados como hijab (termo árabe para “cobertura”). O GIA já era conhecido por sua extrema violência, tendo cometido diversos assassinatos e atentados com o uso de artefatos explosivos contra civis. Na aeronave, intitulavam-se como “soldados da misericórdia”.
Com os explosivos de que dispunha já postados na aeronave, Abdul dirigiu-se à cabine e obrigou o comandante a comunicar-se com a torre do aeroporto. Suas exigências: a libertação de dois integrantes da Frente Islâmica da Salvação (FIS, Front Islamique du Salut) e a decolagem da aeronave rumo a Paris. O ministro do interior da Argélia, Abderrahmane Meziane-Cherif passou a cuidar as negociações e informou que as conversações somente iriam prosperar caso alguns reféns (principalmente crianças e idosos) fossem libertados.
Abdul, poucas horas após o início do evento, queria obrigar a decolagem da aeronave, no que foi informado pelo comandante que seria impossível tendo em vista a obstrução da pista, bem como as escadas de embarque ainda estarem posicionadas. Assim passou a ameaçar explodir a aeronave caso não pudesse partir. Para demonstrar às autoridades que falava sério, os terroristas pegaram um dos passageiros (que sabiam que se tratava de um policial argelino, na prévia inspeção de passaportes que efetuaram), retiram-no do assento e o assassinaram com um disparo na cabeça, defronte a porta da aeronave. Pouco tempo depois, visto as autoridades manterem-se irredutíveis, outro passageiro foi assassinado (tratava-se de um adido comercial da embaixada do Vietnã). O comandante da aeronave tomou conhecimento das execuções por intermédio de uma comissária que lhe trouxe água.
O governo francês desejava proceder a uma intervenção (considerando a aeronave pertencer à Air France, da mesma forma que os tripulantes e expressiva parcela dos passageiros), o que não foi autorizado pelos argelinos. A vinda de qualquer contingente especializado foi vetada. A noite chegava e a situação parecia manter-se estabilizada. A aeronave era iluminada por holofotes.
Não permanecendo inerte, o GIGN já havia sido acionado e deslocou-se para Palma de Maiorca. Caso autorizado (o que não ocorreu) estaria mais próximo do local de atuação, bem como começou a se preparar, conhecendo as características da aeronave A300 em configuração similar.
A manhã de Natal começou conturbada. Já era sabido, por meio de operações de inteligência, que a meta dos terroristas provavelmente seria derrubar a aeronave sobre Paris. Algumas pessoas foram libertadas (até o final do dia, um total de 63 pessoas deixou a aeronave).
A tentativa de fazer com que mãe de Abdul participasse das negociações foi um verdadeiro fiasco, pois ao invés de acalmá-lo, o terrorista ficou ainda mais bravo. Tanto que, para forçar as autoridades, escolheram entre dois funcionários da embaixada francesa que se encontravam a bordo, sendo que optaram pelo chef Yannick Beugnet. As autoridades foram cientificadas que, caso não pudessem decolar, um passageiro seria morto a cada meia hora, sendo o prazo estipulado 21h30. O governo francês exigia que ocorresse a partida, enquanto o argelino permaneceu irredutível. Dessa forma, Yannick foi assassinado. Era a terceira baixa entre os passageiros.
O primeiro-ministro francês, sabendo do que ocorreu, informou que responsabilizaria o governo argelino caso não pudesse participar da resolução daquela crise. Já havia grande cobertura da mídia. Ainda, informou que os franceses estavam prontos para recepcionar a aeronave e cuidar de eventual intervenção. Assim, após 39 horas do início desse evento, foi autorizada a partida.
Um fato técnico, porém, impediu que chegassem a Paris. O A300 dispunha de uma APU (auxiliary power unit, unidade de energia auxiliar) que consumia toneladas de combustível (aproximadamente quatro toneladas por dia). Tendo estado em funcionamento contínuo, a aeronave somente teria autonomia para chegar até o aeroporto de Marselha-Provença.
Assim, ficou acordado (entre Abdul e o comandante) que se deslocariam para lá, abasteceriam e posteriormente seguiriam para Paris. O temor do comandante era que a aeronave fosse explodida em voo, recebendo uma negativa de tal intenção pelo terrorista. De qualquer forma decolaram e o pouso em Marselha ocorreu nas primeiras horas de 26 de dezembro.
Os sequestradores pediram que a aeronave fosse reabastecida com 27 toneladas de combustível (três vezes a quantidade necessária para o voo até Paris). Não tinham ideia de que o GIGN já estava em Marselha. A equipe liderada pelo major Denis Favier, vindo de Palma de Maiorca, já se encontrava a postos, com a chegada ocorrendo em uma base militar, para maior discrição.
As negociações prosseguiam, em uma estratégia de tentar cansar mais ainda os terroristas. As autoridades francesas imaginavam (pelas informações que haviam recebido, bem como pela quantidade de combustível solicitada) que a aeronave poderia ser lançada sobre Paris, em uma ação suicida, ou, em outro cenário, tomar rumo a algum país simpático a causa do GIA, como o Irã, Iêmen ou Sudão. A primeira alternativa era a mais plausível, sendo confirmada. Assim, independentemente das consequências que ocorreriam no caso de uma intervenção, o governo francês determinou que a aeronave, em nenhuma hipótese, decolaria de Marselha. Assim, quando os terroristas, por volta das 08h00, exigiram que sua partida ocorresse até as 09h40, negociações foram feitas para estender o prazo. Alimentação e água foram levadas a bordo. A simulação de que estava ocorrendo a manutenção da aeronave e inspeções de praxe foram feitas por operadores do GIGN disfarçados. Descobriram que as portas de acesso não estavam trancadas, nem armadilhadas. Foi sugerida uma entrevista coletiva aos terroristas, no que seriam melhor filmados na cabine da aeronave, o que foi aceito. Fazia parte da estratégia do GIGN para a intervenção que ocorreria em breve.
Seria adequado que a ação fosse levada a cabo após o pôr do sol. Meios eletrônicos permitiam que se soubesse onde os terroristas estavam posicionados. Como os terroristas aguardavam a imprensa e começaram a ficar confusos, por não verem ninguém para a coletiva, determinaram que a aeronave fosse movimentada do local de onde estava estacionada, o que atrapalhou os planos do GIGN, que teve que se readequar às novas circunstâncias. Havia também a possibilidade de os terroristas acionarem os explosivos de que dispunham. O A300 agora estava posicionado próximo à torre do aeroporto.
Como perceberam que o combustível ainda não havia sido entregue (já era por volta das 17h00) e exigindo imediatamente a coletiva prometida, os terroristas planejaram assassinar mais uma pessoa. A quarta vítima seria o integrante mais jovem da tripulação da Air France. Nervosos, os terroristas efetuaram disparos para a área externa próxima e começaram a recitar o Alcorão. Disparos foram também direcionados para a torre do aeroporto, local onde sabiam estarem os negociadores.
Não era possível esperar mais. O primeiro-ministro francês autorizou o major Denis Favier a tomar as providências necessárias, quando assim considerasse adequado. Ao ser dada “luz verde”, três escadas motorizadas (com 30 operadores do GIGN) seguiram para a aeronave, aproximando-se pela posição traseira. A primeira, com oito operadores, se posicionaria na porta direita dianteira (R1) com a finalidade de enfrentar os terroristas que se encontravam próximo a cabine e, as demais (com 11 operadores cada), tomariam a área central da aeronave (onde se encontrava a maioria dos passageiros e tripulação de cabine), isolando-os dos terroristas e promovendo rápida extração.
Os operadores que adentrariam por R1 também direcionariam passageiros próximos para as outras equipes. Finda essa parte, o contingente que efetuou a extração se somaria aos demais. Iriam dispor, como armamento, de submetralhadoras H&K MP-5, pistolas Glock e SIG, bem como alguns operadores portavam o icônico revólver Manurhin MR 73. Fuzis F1 seriam utilizados pelos atiradores de precisão.
A primeira equipe encontrou problemas para abrir a porta R1. A escada havia sido dimensionada para um A300 vazio (sem tripulação, passageiros, bagagem etc.). Como a aeronave estava mais baixa, a abertura da porta exigiu que a escada fosse reposicionada e um operador do GIGN fizesse verdadeiro malabarismo para que esta fosse aberta. De qualquer forma, a equipe adentrou. Artefatos distrativos foram lançados pelo GIGN e seguiu-se intenso combate. Nos primeiros minutos de intervenção, a maioria dos passageiros e tripulantes de cabine já havia sido retirada e a maioria dos terroristas neutralizados.
O GIGN também dispunha de atiradores de precisão. Por sinal, uma das cenas emblemáticas do evento foi quando o copiloto conseguiu abrir a janela de sua posição e saltar para fora. Com esse espaço, um atirador do GIGN conseguiu neutralizar Abdul. O principal cenário, nos 20 minutos subsequentes era a tripulação técnica e o terrorista que se encontrava ainda ativo na cabine. Às 17h27, o major Favier informou o fim da operação.
Da perfeita intervenção do GIGN, todos os passageiros e tripulantes foram resgatados vivos. Ocorreram três baixas (passageiros assassinados pelos terroristas antes da intervenção), e 25 feridos (13 passageiros, três tripulantes e nove operadores do GIGN). Todos os quatro terroristas foram neutralizados. O GIA nunca mais tentou uma ação similar (lideranças desse grupo terrorista admitiram, posteriormente, que a intenção seria fazer impactar a aeronave contra a Torre Eiffel).
O filme L’Assaut (dirigido por Julien Leclercq, de 2010, no Brasil “O Resgate”), retrata bem o episódio do voo 8969. Necessário citar que a ICAO (International Civil Aviation Organization, Organização Internacional da Aviação Civil), agência das Nações Unidas cuja origem remete à Convenção de Chicago, selecionou o GIGN para compartilhar sua experiência em cenário de tomada ilícita de aeronaves a outras forças especializadas.
Neste ponto, é adequado recordar que, antes do GIGN (em 1976) e do GSG-9 (em 1977), uma outra unidade de elite, com poucos anos de ativação, havia atuado em um incidente crítico com sucesso. O ambiente não poderia ser mais complexo: o aeroportuário. Uma aeronave havia sido tomada e era necessária uma intervenção. Falamos do Brasil, no estado de São Paulo, o cenário é o Aeroporto de Congonhas e todos os olhares estão em uma aeronave Electra da empresa Varig. O ano era 1972 e o Comando de Operações Especiais (COE) da Polícia Militar do Estado de São Paulo foi posto à prova com sucesso. Criado em 13 de março de 1970 para atuação em missões não convencionais, o COE demonstrou desde o início de sua jornada, quer seja em operações policiais ou em missões de salvamento, o quão imprescindível é.
No mesmo ano da intervenção no Aeroporto de Congonhas, o COE demonstrou o calibre de seus integrantes no incêndio do edifício Andraus e, em fevereiro de 1974, no edifício Joelma. Sobre essa formidável unidade, sugerimos a consulta do artigo Comandos e Operações Especiais: Elite da Polícia Militar Paulista.
Unidades especializadas, além de operarem em circunstâncias singulares, também continuam em constante aprimoramento, treino e estudos. Por vezes, necessitam se reinventar (a exemplo do próprio Sayeret Matkal após o evento de Ma’alot em maio de 1974, quando terroristas da Frente Democrática da Libertação da Palestina adentraram ao território israelense a partir do Líbano, deixando um rastro de sangue principalmente de mulheres, incluindo uma grávida e seu filho de quatro anos, antes de adentrarem na Escola Elementar Netiv Meir, onde fizeram 115 reféns, sendo que entre estes, havia 105 jovens de tenra idade). De qualquer forma, os profissionais de operações especiais são e sempre serão imprescindíveis. Como disse o primeiro-ministro francês Edouard Balladur, ao acionar o GIGN (Marselha, 1994): “Era a única forma de salvar vidas.”
Vale recordar, também, que o aprimoramento e investimento nas unidades policiais territoriais é importantíssimo (bem como a valorização dos profissionais de polícia). Um país dito civilizado é aquele que apoia seus policiais, não propiciando circunstâncias hostis à sua atuação (isso vai da arena política e jurídica à cultural). Sai caro, em sangue derramado, eventual inércia ou ingerência estatal (por questões ideológicas e/ou culturais) nos assuntos afetos à segurança pública. Qual foi o custo de um único evento ocorrido no passado? Somente naquele que envolveu a tomada do ônibus em Israel, em março de 1978, dezenas de vidas. Diversos eventos similares a este ocorreram no mundo desde então.
Assim, uma nação (na mais ampla acepção da palavra) é aquela que apoia e valoriza os que vivem e morrem para servir e proteger. São eles os verdadeiros especialistas em Segurança Pública. Talvez alguns, num futuro próximo, estejam forçando entrada durante uma intervenção em estrutura tubular para salvar vidas, ao custo da própria.