Gás e conflitos geopolíticos

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Imagem gerada por inteligência artificial.

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A Rússia usa a energia como ferramenta para construir e fortalecer alianças geopolíticas; suas relações com a Índia exemplificam como Moscou contorna o bloco ocidental, construindo um novo sistema de interdependências econômicas e políticas.


A energia sempre foi uma pedra angular da política internacional. Por exemplo: O acordo Rosneft-Reliance demonstra como a economia de recursos naturais pode ser usada como alavanca geopolítica. Para a Rússia, trata-se de responder às sanções ocidentais, encontrando mercados alternativos, explorando as necessidades energéticas de países como a Índia, fortemente dependentes das importações de petróleo. A Índia, por seu lado, está aproveitando a situação para obter recursos essenciais a preços reduzidos, reforçando sua segurança energética em um contexto de volatilidade global.

O acordo de 10 anos entre a Rosneft, uma gigante petrolífera russa, e a Reliance Industries, a maior refinaria privada da Índia, não é apenas um contrato comercial: é uma peça estratégica em um cenário geopolítico em mudança.

Enquanto o Ocidente procura isolar a Rússia com sanções econômicas sem precedentes, Moscou está redirecionando seus fluxos de energia para mercados mais acolhedores, como a Índia. Esta troca de 500 mil barris de petróleo por dia a preços subsidiados consolida uma aliança que tem implicações econômicas e estratégicas, capaz de redefinir o equilíbrio de poder global.

A Rússia utiliza a energia como ferramenta para construir e fortalecer alianças geopolíticas. As relações com a Índia, que também se desenvolvem no âmbito dos BRICS e de outras plataformas multilaterais, representam um exemplo de como Moscou está tentando contornar o bloco ocidental, construindo um novo sistema de interdependências econômicas e políticas.

Acordo com países europeus

O encontro entre Vladimir Putin e o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, que ocorreu em 22 de dezembro de 2024 no Kremlin, insere-se em um quadro geopolítico cada vez mais complexo. A questão energética, a questão do gás russo e as relações entre a Rússia, a Eslováquia e a Ucrânia representam aparentemente o cerne do diálogo, mas a importância política desta reunião vai muito além do fornecimento de gás.

Um equilíbrio frágil: gás e conflitos geopolíticos

A vontade de Moscou de continuar o trânsito de gás para a Europa e a Eslováquia parece ser uma medida destinada a consolidar a imagem da Rússia como parceiro energético confiável, apesar das tensões ligadas à guerra na Ucrânia. No entanto, a expiração do contrato de trânsito com a Ucrânia em 31 de dezembro de 2024 – e a recusa de Volodymyr Zelensky em renová-lo – apresenta à Eslováquia um cenário incerto. A dependência energética do gás russo não é apenas uma questão econômica: é um peão estratégico que Moscou utiliza para manter uma posição segura nas relações com a Europa.

Fico, por seu lado, tentou defender os interesses eslovacos, sublinhando que uma interrupção do tráfego provocaria um aumento de custos para Bratislava de 220 milhões de euros. Mas o primeiro-ministro eslovaco foi mais longe e declarou que a guerra não pode ser resolvida militarmente e criticou abertamente as sanções contra a Rússia. Esta posição, que marca uma mudança de ritmo no que diz respeito ao apoio militar prestado por Bratislava a Kiev até 2023, reflete uma atitude pragmática e talvez desencantada em relação à guerra Russo-Ucraniana.

Dinheiro, corrupção e tráfico de influência

Como vimos esta semana em vários meios de comunicação nas declarações do presidente da Eslováquia, Fico: “Zelensky me ofereceu 500 milhões para votar pela entrada da Ucrânia na OTAN.” E continuou: “O senhor Zelensky voltou à questão do gás e me perguntou se eu votaria a favor da adesão da Ucrânia à OTAN se ele me desse 500 milhões de euros provenientes dos rendimentos dos ativos russos congelados. Eu, claro, respondi: nunca. Convidar a Ucrânia para a OTAN é completamente irrealista”, disse o primeiro-ministro eslovaco.

Depois de quase três anos de guerra europeia, muitas dúvidas foram geradas, como as que levantamos nestas crônicas antecipatórias.

Pergunta: Foi oferecida ao primeiro-ministro eslovaco uma quantia enorme e incrível. Quinhentos milhões de euros que Zelensky pode utilizar como seus, livremente e à sua discrição?

Isto levanta dúvidas no cidadão comum da Europa. A UE concedeu à Ucrânia 300 bilhões de euros até aqui. Dos impostos dos contribuintes. Dívidas que teremos que pagar? A quantos outros foi oferecido pagamento? Quantos aceitaram e embolsaram o dinheiro?


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Eslováquia e Rússia: normalização possível?

A intenção de Fico de “normalizar” as relações com Moscou representa uma mensagem forte e, ao mesmo tempo, controversa. A Eslováquia, membro da União Europeia e da OTAN, encontra-se em uma posição delicada. De um lado, deve corresponder às expectativas de seus aliados ocidentais; de outro, está consciente da sua própria vulnerabilidade energética e das implicações econômicas de uma ruptura com a Rússia.

O diálogo entre Fico e Putin pode ser lido como uma tentativa de reequilibrar as relações bilaterais, tentando tirar partido da situação sem comprometer completamente o alinhamento com Bruxelas e Washington. Esta via dupla, no entanto, corre o risco de distanciar Bratislava de seus parceiros europeus, já céticos quanto a uma possível abertura em relação a Moscou.

União Europeia: impacto limitado ou novos equilíbrios?

As análises publicadas pelo Politico, que minimizam o impacto do fim do trânsito de gás na UE como um todo, podem não refletir totalmente os desafios políticos e sociais que esta perturbação trará. Para alguns países da Europa Central e Oriental, incluindo a Eslováquia, o gás russo ainda representa um recurso estratégico difícil de substituir a curto prazo.

As alternativas – como a criação de uma plataforma de gás entre a Ucrânia e a Polônia ou o reforço do abastecimento de outros parceiros – exigem investimento e tempo de implementação significativos. Entretanto, a questão do gás corre o risco de exacerbar as divisões dentro da UE, entre aqueles que pressionam por uma maior autonomia energética e aqueles, como Fico, que procuram um compromisso com Moscou.

Mosaico geopolítico cada vez mais complexo

A cúpula do Kremlin realça, mais uma vez, como a energia é um instrumento de pressão geopolítica que Moscou utiliza habilmente. Mas o encontro entre Putin e Fico não se limita à dimensão econômica: é também um sinal de resistência ao bloco ocidental e um aviso a Kiev. Zelensky, ao reiterar seu não à renovação do contrato de trânsito, expôs-se a críticas que já não vêm apenas de Moscou, mas também de parceiros europeus cada vez mais preocupados com as consequências econômicas do conflito.

À medida em que a Hungria e a Turquia obtêm isenções para continuarem a trabalhar com o Gazprom Bank, e à medida em que surgem novas dinâmicas no mercado do gás – com a Rússia cada vez mais voltada para Leste – a Europa enfrenta um desafio crucial: gerir uma crise energética que não é apenas técnica, mas profundamente política.

O encontro entre Putin e Fico é, portanto, o símbolo de uma fase de transição, em que estão em jogo o equilíbrio de poder, as alianças e as estratégias energéticas da Europa e da Rússia. Contudo, como sempre, o tempo será o juiz mais imparcial das decisões tomadas hoje.

O futuro da geopolítica energética

Tanto o acordo com a Eslováquia como o feito entre a Rosneft e a Reliance são um exemplo claro de como a energia pode ser usada não só para impulsionar as economias, mas também para remodelar o equilíbrio de poder global. Para a Rússia, é um meio de resistir à pressão ocidental e manter um papel central no mercado energético global. Para a Índia, é uma oportunidade para reforçar sua segurança energética e seu status de potência autônoma.

Em um mundo cada vez mais fragmentado, onde a energia se torna uma ferramenta de influência política e diplomática, esta aliança representa uma nova forma de pragmatismo geopolítico. As implicações deste acordo não se limitarão ao petróleo: refletem uma reorganização das relações internacionais, onde antigas alianças dão lugar a um sistema mais complexo e multipolar.


Publicado no La Prensa.

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