Estão em curso a primeira guerra eurasiana em séculos e o conflito mais grave no Oriente Médio desde a criação do Estado de Israel; alguém na Argentina está pensando seriamente nisso? (a pergunta é retórica, e vale também para o Brasil).
A guerra na Ucrânia entra no seu terceiro inverno e, enquanto todos falam sobre cenários para o fim do conflito, a tensão aumenta para alcançar progressos substanciais no campo de batalha. A Rússia avança em Kursk e Donbass, bombardeia a infraestrutura energética ucraniana e renova sua doutrina nuclear, incluindo, entre as respostas possíveis, a de um ataque convencional, mesmo contra países que apoiam o governo ucraniano. O Ocidente está se abrindo às incursões ucranianas em solo russo, a novas armas e ao apoio determinado a Kiev, mas o futuro do apoio ao país invadido permanece incerto. No meio, um país dilacerado por uma guerra que dura mais de 1.000 dias.
A situação geral, tal como descrita pelo site oficial do Ministério da Defesa francês, não é totalmente encorajadora para a Ucrânia. Diz:
• A FAFR (Rússia) continua seus ataques à infraestrutura ucraniana com mísseis Iskander-M;
• A FAU (Ucrânia) visou locais de interesse militar ou industrial nas profundezas da Rússia, incluindo um depósito de munições em Yenakiyiv e uma refinaria na cidade de Bryansk;
• As Forças Armadas da Federação Russa (FAFR) estão fazendo progressos em todas as frentes;
• Na Frente Nordeste (oblasts de Kharkov e Sumy), a FAFR fez progressos no setor de Soudja.
• Na Frente Oriental (oblasts de Lugansk), a FAFR avança nos setores Borova e Toretsk;
• Na Frente Sul (oblasts de Donetsk e Zaporozhye), a FAFR avança nos setores Pokrovsk, Velika Novosilka e Andreevka.
Condução militar
Da mesma forma, fontes ocidentais nos alertam sobre sérios problemas na liderança militar ucraniana: “O comandante do Grupo de Exércitos Ucraniano Donetsk, Olexander Lutsenko, foi substituído após várias derrotas graves por Kiev, segundo relatos da mídia. Seu substituto será Olexander Tarnavskyj, informou o portal da Internet ‘Ukrainskaya Pravda’, citando uma fonte militar. A nova nomeação ainda não foi anunciada oficialmente. A crise enfrentada pelas tropas ucranianas no leste do país piorou nas últimas semanas.”
Dados os intensos comentários sobre um possível “cessar-fogo”, tentaremos ver alguns possíveis cenários futuros. Lembremos que o prognóstico não consiste em adivinhar o futuro, mas em compreender como e por que diferentes cenários podem se materializar. Com isto em mente, exploraremos a evolução da guerra na Ucrânia a nível político-estratégico como resultado do desenvolvimento da ofensiva russa.
Devemos sempre encarar a guerra na Ucrânia como um sistema complexo, com interação entre seus diferentes componentes, com interrelação entre processos e com interligação com outros sistemas externos a ele.
Dada a situação descrita no início do artigo e as mudanças políticas nos Estados Unidos, um cenário possível contempla a transição para uma guerra de baixa intensidade (trocas de artilharia, ataques episódicos com fogos de longo alcance na retaguarda inimiga e escaramuças específicas). A coligação aliada se fragmentaria entre aqueles que continuam a apoiar militarmente a Ucrânia (por exemplo, o Reino Unido e os países da região báltica, incluindo os nórdicos) e aqueles que mantêm um apoio diplomático decisivo, mas militarmente nulo ou simbólico. Em um período prolongado, poderá haver um fim negociado para a guerra, em que Moscou mantenha os resultados de suas conquistas territoriais no campo de batalha.
Finalmente, o prolongamento do conflito a longo prazo (de três anos em diante) geraria pelo menos dois cenários favoráveis à Rússia. Um cenário possível seria a consequência de uma crise de legitimidade internacional da causa ucraniana, consequência de disfunções internas e/ou escândalos que prejudicam gravemente sua imagem. O seu enfraquecimento militar geraria uma janela que permitiria à Rússia reativar operações militares em grande escala, após reconstituir suas forças armadas. Por seu lado, outro cenário resultaria em uma paz precária e desvantajosa para a Ucrânia, depois de ver reduzido o apoio estrangeiro como consequência da mudança nas prioridades de seus aliados ou de fatores como os indicados no cenário anterior que prejudicam a causa ucraniana ou gerem disfunções graves em sua política interna.
Cessar-fogo
É notável que, neste mês de dezembro de 2024, vários analistas ocidentais já nos falem sobre alguma forma de “cessar-fogo”. Nesse sentido, em um artigo muito recente intitulado Com possível paz na Ucrânia, o coronel Markus Reisner do Exército austríaco apela a uma força armada de manutenção da paz de até 150.000 soldados para evitar violações e caos.
Segundo o coronel Reisner, uma possível paz na Ucrânia só pode ser alcançada com uma forte força de manutenção da paz, uma vez que, em sua opinião, uma simples missão de observação não seria suficiente, e para garantir a paz seria também necessário armar o soldados, afirmou ele em uma entrevista ao jornal Welt am Sonntag. “Na minha opinião, seriam necessários pelo menos 100 mil a 150 mil soldados para garantir com sucesso a paz na Ucrânia” (Reisner).
As forças de manutenção da paz teriam que limpar as minas nas linhas da frente, entre muitas outras tarefas.
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O número de forças de manutenção da paz poderia ser reduzido mais tarde: “Mas, especialmente no início de uma missão deste tipo, é necessária uma logística complexa, como uma desminagem cuidadosa ao longo da linha da frente.”
Além disso, com um número reduzido de soldados, a probabilidade de violações do cessar-fogo é significativamente maior.
Uma possível missão de paz, que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, teria lançado, está atualmente sendo discutida em vários comitês internacionais. Segundo Reisner, os europeus por si só não podem garantir uma zona desmilitarizada na Ucrânia.
“Os maiores estados europeus, Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália, não devem ser capazes de fornecer mais de 25.000 a 50.000 soldados para o destacamento inicial”, disse o especialista militar internacionalmente reconhecido. Depois haveria mais alguns milhares de pessoas de outros países.
Além disso, o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, estará interessado “em ter presentes o maior número possível de países do chamado Sul Global, ou seja, países como a Índia e o Bangladesh, mas também do continente africano”.
De acordo com nossa análise, se a Força de Paz não for justa e equilibrada (tropas de ambos os lados ou de seus aliados) não haverá acordo possível. Apenas tropas da OTAN e dos aliados: não será viável.
“Os russos também querem isso.” Como um cessar-fogo na Ucrânia seria possível, segundo Christoph B. Schiltz, a Ucrânia está de costas contra a parede. Se Pokrovsk cair, em Donetsk os defensores da frente oriental correm o risco de romper a barragem. Se este for o caso, nos últimos dias já se fala sobre como poderia ser um cessar-fogo e uma missão de paz ocidental.
Zelensky pede ato contra Putin
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, por sua vez, apelou à ação ocidental após o intenso ataque combinado de mísseis e drones da Rússia ao seu país na noite anterior. São necessárias medidas contra as ações que o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, demonstrou. “Seu terror não funcionará”, disse Zelensky em sua mensagem de vídeo da tarde. Putin depende da guerra para permanecer no poder. Portanto, os parceiros ocidentais da Ucrânia deveriam preocupar-se menos com a estabilidade em Moscou e mais com sua segurança e a segurança global. Ele agradeceu aos Estados Unidos por outro pacote de ajuda no valor de US$ 500 milhões.
Na noite de sexta-feira passada, a Rússia realizou um dos ataques aéreos mais maciços contra a Ucrânia. Segundo Zelensky, o Exército russo utilizou cerca de 200 drones e 94 mísseis. “Eles esperaram especificamente que o tempo gelado piorasse a situação para o povo”, disse Zelensky, acusando os líderes russos de “terror cínico” contra civis.
O presidente ucraniano também confirmou uma viagem planejada a Bruxelas na próxima semana. Ali, os chefes de Estado e de governo dos países europeus da OTAN querem falar com Zelensky sobre um maior apoio à Ucrânia e possíveis garantias de segurança em caso de cessar-fogo. Como vemos, já se fala em cessar-fogo.
Como a Argentina entra nesta confusão?
No dia 5 de dezembro de 2024, no programa de rádio Cascos Azules, ouvimos: “O destaque (do programa) são os comentários e furos, e a visão do inestimável e famoso historiador e pesquisador Rosendo Fraga sobre as três guerras em evolução. Com a desculpa da apresentação do livro A possibilidade de paz do diretor dos Capacetes Azuis, argentinos… (Eduardo Cundins), Rosendo Fraga destaca que a guerra russa na Ucrânia se aproxima de um cessar-fogo imposto pelo esgotamento do sistema global. Já foi antecipado pelo presidente eleito da principal potência militar mundial ‘que não financiará mais as hostilidades’… O alinhamento escolhido pela República Argentina vai obrigá-la, a rigor, a assumir o compromisso de ser o principal contribuinte para essa missão de paz, como foi na Colômbia em 2016. A apresentação completa e comentada de Fraga é essencial para antecipar o cenário de 2025… A primeira guerra eurasiana em séculos e a mais grave no Oriente Médio desde o advento do Estado de Israel em 1948”, segundo nos informa o site visitado. Onde há fumaça… Alguém está pensando nisso? Na Defesa nacional ou em qualquer outra organização.
Nota: No encerramento deste artigo, temos um novo ato dos “fantasmas invisíveis” que atuam neste conflito há três anos. “Supostas provocações químicas denunciadas pelo general russo assassinado: os principais casos. Igor Kirillov investiga incidentes envolvendo armas químicas e biológicas há anos.” Mais detalhes em nosso próximo artigo. Até a próxima semana.
Publicado no La Prensa.