O quebra-cabeças da Guerra Mundial está sendo montado?

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Edifício residencial em Avdeevka, Oblast de Donetsk, Ucrânia, após ataque com foguete russo em 23 de maio de 2023 (Administração Militar Civil Regional de Donetsk/Wikimedia Commons).

Edifício residencial em Avdeevka, Oblast de Donetsk, Ucrânia, após ataque com foguete russo em 23 de maio de 2023 (Administração Militar Civil Regional de Donetsk/Wikimedia Commons).

Das incursões do Hamas aos bombardeios israelenses em Gaza, passando pela estranha operação ucraniana em Kursk, estamos assistindo a uma única guerra: o choque entre a “velha” ordem mundial, frágil e confusa, e a “nova” ordem cujos contornos ainda são difusos, mas determinados a se firmar.


À medida em que a Rússia continua a luta contra a Ucrânia, apesar da ofensiva fracassada apoiada pelo Ocidente, ouvimos mais uma vez as ameaças da “Espada Nuclear de Dâmocles” de ambos os lados do conflito.

Do outro lado do Mar Cáspio, o Irã sente uma pressão crescente para combater Israel, à medida em que Israel continua a sua ofensiva contra os aliados iranianos na região (e até mesmo o próprio Irã, com a eliminação de Nasrallah e as contínuas operações das FDI no sul do Líbano).

É, portanto, natural que o regime islâmico no Irã procure a posse de armas nucleares como última medida de dissuasão garantida a longo prazo contra Israel e os Estados Unidos. Embora seja improvável que a Rússia entregue armas nucleares, a transferência de tecnologia nuclear é possível.

A guerra na Ucrânia e o conflito no Oriente Médio parecem se sobrepor, forçando a Rússia e o Irã a aprofundar a sua cooperação.

Panorama preocupante

Todos estes desenvolvimentos, à primeira vista, podem parecer separados e de natureza diferente, mas se os olharmos em um contexto geopolítico mais amplo, tudo pinta um quadro preocupante do futuro.

Os conflitos deste último ano marcaram um aumento na intensidade da guerra, desde as incursões sangrentas do Hamas até os bombardeios israelenses em Gaza, passando pela fracassada ofensiva ucraniana em Donbass e pela estranha operação na região russa de Kursk, e agora e agora se percebe que já são globais. Na verdade, se olharmos atentamente para o quadro, é difícil não notar que, na realidade, se trata de uma única guerra.

O choque entre uma “velha” ordem mundial, frágil e confusa, e uma “nova” ordem cujos contornos ainda são difusos mas determinados a se firmar. Mundo unipolar versus mundo multipolar, como diriam russos e chineses. Democracias contra autocracias, como diriam os americanos e os europeus. E como resultado: o caos mais sangrento, como todos diriam. Ambos os lados admitem o mesmo.

Por sua vez, em 16 de março de 2022, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse: “A situação atual é histórica, há uma ‘batalha’ sobre como será a ordem mundial. Este é um momento histórico e importante na história moderna, porque reflete a ‘batalha’ no sentido mais amplo da palavra sobre o que será a ordem mundial”, disse ele em uma entrevista à RBC TV.

Dos EUA: “O que estamos vivendo hoje é mais do que apenas um teste à ordem mundial pós-Guerra Fria, é o seu fim.” Estas palavras foram proferidas pelo secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, em um discurso proferido em 13 de setembro de 2022 na Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) Johns Hopkins, um dos “templos” do pensamento estratégico americano.

A situação conflituosa agravou-se e passou da política à guerra, como nos ensinou Clausewitz, e repetimos em diversas ocasiões nesta coluna.


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Durante muito tempo, políticas erradas ajudaram a criar as condições para esta explosão de violência. Na Palestina, a partilha interminável e inconclusiva, o conflito permanente que não atinge uma solução justa e prudente. Hoje vários analistas falam de uma estratégia míope, apoiada apenas pela força militar de Israel e dos Estados Unidos.

Na Ucrânia, a pressão para um alargamento da OTAN (desde 2008 foi prometido a Kiev uma futura entrada na Aliança) que, aos olhos dos russos, que tiveram que digerir o alargamento à galáxia ocidental do antigo Pacto de Varsóvia, era intolerável. Foi precisamente na Ucrânia e na Geórgia que teve a sua linha intransponível.

Pouco importa se foram cálculos cínicos (à custa dos palestinos e ucranianos) ou simplesmente errados. Os resultados estão aí para todos verem.

A grande encruzilhada

A grande encruzilhada é que os Estados Unidos não podem se permitir perder, não podem aceitar que seu mundo (o unipolar ou o democrático, como preferirem) sofra uma corrosão maior. E assim os vimos entrar nas diferentes frentes desta guerra mundial, primeiro com relutância (para a Ucrânia, no início da ameaça russa, apenas armas defensivas; para Israel, censuras e a ameaça de não continuar a fornecer bombas), depois com uma atitude crescente de determinação, até decidir com Israel qual poderá ser a resposta aos bombardeios do Irã e com a Ucrânia que pretende atacar com os famosos mísseis de longo alcance (tudo depende da reunião do dia 12 de outubro em Ramstein-Alemanha), segundo nos diz o analista F. Scaglione.

O outro lado da moeda, a Rússia, estabeleceu seus objetivos e precisa do seu espaço tampão à medida em que procura “desmilitarizar” e “desnazificar” a Ucrânia. Mas quando o envolvimento da OTAN e dos países ocidentais aumentou, ele percebeu que poderia desferir um golpe nos alicerces da “velha” ordem. Para Moscou, o que está em curso, em vez de uma guerra contra a Ucrânia, é uma guerra contra os Estados Unidos através da Ucrânia, tal como para os Estados Unidos o que importa não é tanto salvar a Ucrânia, mas sim enfraquecer a Rússia. E é por isso que a China arma e abastece a Rússia, bem como o Irã e a Coreia do Norte. Cada um tem sua frente (Taiwan, Coreia do Sul, Japão…) mas o inimigo é um só e a guerra é global: os “pedaços” da guerra mundial, de que fala o Papa Francisco desde 2014, neste momento eles parecem estar se unindo.

Opiniões em destaque

É cada vez mais evidente que as tensões e os riscos de escalada estão crescendo nos conflitos que têm a Ucrânia e o Oriente Médio como epicentros.

No final de setembro deste ano, um artigo intitulado Jugando a la tercera guerra mundial, cita o professor John Mearsheimer abordando a complexa situação na Ucrânia, destacando a posição cada vez mais precária dos ucranianos frente ao avanço russo. O acadêmico observou que a administração Biden enfrenta um “desastre” no Leste Europeu, sugerindo que as autoridades norte-americanas estão cientes da vitória iminente da Rússia, apesar de suas declarações públicas em contrário. Mearsheimer classificou a decisão de permitir e promover a guerra em fevereiro de 2022 como um “erro catastrófico” que terá graves consequências tanto para os Estados Unidos como para a Ucrânia.

Em relação ao conflito em Gaza, Mearsheimer analisou as recentes ações de Israel no Líbano, incluindo ataques contra civis através da detonação de dispositivos móveis. O professor interpretou estes atos como parte de uma estratégia coercitiva contra o Hezbollah, embora questionasse sua eficácia. Abordou também a possibilidade de uma invasão israelense no sul do Líbano, alertando para os desafios significativos que as Forças de Defesa de Israel enfrentariam, especialmente após o desgaste sofrido em Gaza.

Além disso, Mearsheimer explorou as implicações de uma possível escalada do conflito envolvendo o Irã, sugerindo que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu poderia estar tentando arrastar os Estados Unidos para uma guerra regional. Além disso, o potencial de utilização de armas nucleares em torno do conflito na Ucrânia coloca o mundo diante de um cenário de uma nova conflagração bélica de proporções apocalípticas.


Publicado no La Prensa.

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