Por Alain Rodier*
Todas as escolas de pensamento militar admitem que o primeiro lançamento de um ataque nuclear seria necessariamente múltiplo para obter vantagem tática inicial, e levaria inexoravelmente ao apocalipse global.
Desde o início da guerra na Ucrânia, o presidente Vladimir Putin recordou repetidamente que a Rússia tem o maior e mais avançado arsenal nuclear entre todos os outros (o que não exclui falhas de disparos de teste como o que acaba de acontecer com a explosão no silo de um míssil R-28 Sarmat no Cosmódromo de Plesetsk) e pediu ao Ocidente que não ultrapassasse um limiar que pudesse levar a uma guerra nuclear sem vencedor.
Durante o último conselho de segurança sobre armas nucleares realizado no Kremlin em 25 de setembro, ele esclareceu a nova doutrina proposta por Moscou em termos de envolvimento da sua força de ataque: “…agressão contra a Rússia por qualquer Estado sem armas nucleares, mas com a participação ou apoio de um Estado com armas nucleares seria considerado um ataque conjunto contra a Federação Russa […] No caso de coleta de informações confiáveis sobre o lançamento de ataques aéreos maciços e sua passagem das nossas fronteiras […] reservamo-nos o direito de usar armas nucleares…”
Claramente, a utilização maciça de armas convencionais por um país não equipado com armas nucleares, mas apoiado por outra potência nuclear, que causaria uma ameaça crítica à soberania da Rússia, é um novo limiar para uma possível utilização. Note-se que a Bielorrússia se beneficiaria da cobertura nuclear russa.
Esta declaração designa – sem nomeá-la – a Ucrânia, que deseja atacar a Rússia em profundidade com mísseis americanos, britânicos e franceses… e estes três países estão equipados com força de dissuasão e participam e apoiam – oficialmente de forma indireta –, Kiev no conflito com Moscou.
Se permanecermos em um nível puramente histórico, a doutrina russa nunca excluiu a possibilidade de um primeiro ataque se os interesses fundamentais da Rússia fossem ameaçados.
Cenário de terror
Todos os estados-maiores do mundo estão fazendo planos. É possível imaginar que um dos cenários de guerra de Moscou preveja a nuclearização de uma ou mais bases ucranianas que teriam servido de ponto de partida para ataques profundos e maciços (mas com armas convencionais) na Rússia.
É claro que a condenação seria mundial – incluindo a China – mas esta ação apocalíptica não forçaria as potências nucleares ocidentais a embarcar em um processo de escalada que acabaria por ser fatal para todos…
Note-se que todas as escolas de pensamento militar admitem que o primeiro lançamento de um ataque nuclear (que de fato seria necessariamente múltiplo para obter uma vantagem tática inicial) levaria inexoravelmente ao apocalipse global.
LIVRO RECOMENDADO:
1973: The first nuclear war: Crucial air battles of the October 1973 Arab-Israeli War
• Tom Cooper e Abdallah Emran (Autores )
• Capa comum
• Em inglês
Mesmo os sobreviventes, convencidos de que podem escapar aos primeiros efeitos de uma explosão nuclear (luminotérmica, seguida pela explosão e depois pela contaminação radioativa), refugiando-se em abrigos subterrâneos, sabem que uma guerra atômica geral resultaria em um “inverno nuclear” devido às nuvens que isolaria o planeta dos raios solares, causando uma queda nas temperaturas de 20 a 30° durante os primeiros cem dias após o surto…
Isto posto, e para além do lado “moral” da questão, nada obrigaria o Ocidente a responder a um ataque nuclear que ocorresse em território ucraniano.
• Em primeiro lugar, a Ucrânia não pertence à OTAN, pelo que não se pode afirmar que o Artigo 5º se aplique;
• A ideia fundamental da Casa Branca sempre foi que o território dos EUA não deveria ser atingido de forma alguma, o que nunca aconteceu até agora;
• A chave de engajamento das armas nucleares britânicas reside… em Washington;
• No que diz respeito à França, apenas um líder louco arriscaria a própria existência do país e sua população para “vingar” a Ucrânia…
Mesmo que seja um blefe, como muitos analistas acreditam, isso constitui uma afirmação muito séria porque para Moscou se trata de propor a opção do “primeiro ataque”.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse que os comentários de Putin sobre a ameaça nuclear eram “totalmente irresponsáveis”.
Ele apenas “esqueceu” diplomaticamente que, com dois anos de atraso, foi uma resposta “do pastor à pastora” porque em abril de 2022, o governo Biden tinha declarado – sem qualquer controvérsia particular – que o “papel fundamental” do arsenal nuclear americano deveria ser dissuadir qualquer ataque nuclear [contra o seu solo], mas que sempre restava possível a opção de usá-lo em “circunstâncias extremas para defender os interesses vitais dos Estados Unidos ou dos seus aliados e parceiros”.
Os discursos são estranhamente semelhantes e este jogo de pôquer mentiroso entre líderes políticos é sinistro…
Publicado no Le Diplomate.Media.
*Alain Rodier é ex-oficial da inteligência francesa e atualmente vice-diretor do Centro Francês de Pesquisa de Inteligência (CF2R). É responsável pela monitoração do terrorismo de origem islâmica e do crime organizado. Rodier é autor de vários livros sobre geopolítica, terrorismo e crime organizado.