Guerra: a Ucrânia está sangrando

Compartilhe:
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, faz um discurso na Assembleia Nacional da República da Coreia durante a Guerra Russo-Ucraniana, em 11 de abril de 2022 (Gabinete Presidencial da Ucrânia).

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, faz um discurso na Assembleia Nacional da República da Coreia durante a Guerra Russo-Ucraniana, em 11 de abril de 2022 (Gabinete Presidencial da Ucrânia).

Segundo John Mearsheimer, “é preciso lembrar que o que está acontecendo na Ucrânia é algo que os russos há muito dizem ser uma ameaça existencial para eles”; portanto, uma guerra longa e irrestrita tem grandes possibilidades de sair do controle.


Quando a ofensiva russa no leste da Ucrânia começou no outono passado, os líderes do Exército ucraniano começaram a formar novas unidades de tropas pesadas. Atualmente estão operacionais 10 novas brigadas, normalmente compostas por cerca de 2.000 soldados cada. Algumas brigadas são poderosas, como a 63ª, mas nem todas representam o reforço desejado na frente.

Conforme relatado pelo portal independente ucraniano Military Land, a Ucrânia carece de veículos modernos para equipar adequadamente suas unidades militares. Consequentemente, diz-se que a 154ª Brigada Mecanizada consiste principalmente em veículos militares mais antigos e mais leves: veículos de combate de infantaria sobre esteiras BMP-1 da década de 1960, veículos de reconhecimento de rodas BRDM-2, também da década de 1960, veículos blindados de transporte de pessoal com rodas VAB de fabricação francesa da década de 1970, tanques T-62 capturados com 60 anos, em parte russos, e veículos com rodas M-1117 da década de 1990, doados pelos Estados Unidos.

O general Oleksandr Syrskyi, comandante-chefe das forças armadas ucranianas, também citou a lentidão nas entregas de armas por parte dos aliados ocidentais como razão em uma recente entrevista à CNN, afirmando que “as entregas planejadas de armas e equipamento nos permitirão colocar as novas brigadas em serviço tão rapidamente possível, as que já foram estabelecidas e as que estão em construção”, afirmou.

Da mesma forma, e segundo o jornal The Washington Post, a Ucrânia está sangrando e simplesmente não pode lutar para sempre. Apoiar a Ucrânia “enquanto for necessário” não corresponde à realidade deste conflito. A vontade de lutar é tão forte como sempre, mas o seu Exército está exausto por uma guerra implacável de drones que não tem nenhuma semelhança com a história de combate contada nos meios de comunicação social.

O slogan de apoio da administração Biden – “enquanto for necessário” – simplesmente não corresponde à realidade deste conflito. A Ucrânia não tem soldados suficientes para travar uma guerra de desgaste indefinida. Precisa consolidar algum objetivo importante para ser forte o suficiente para chegar a um acordo digno (até hoje isso não aconteceu).

Nesta coluna, há meses insistimos na falta de recursos humanos, na falta de tropas, como fator determinante para o desenvolvimento das operações das forças ucranianas.

Isto também é confirmado pelo analista Rosendo Fraga: “No dia 16 de setembro, quando a Rússia decidiu por nova convocação, o Parlamento ucraniano aprovou uma regra que permite o recrutamento militar de cidadãos estrangeiros. Fê-lo no meio dos problemas de mobilização que as Forças Armadas ucranianas enfrentam dois anos e meio após a invasão russa. A Ucrânia – cuja população atual seria de trinta e cinco milhões de habitantes – não só enfrenta um problema de falta de pessoal, mas também uma idade média muito superior à da Rússia.

E continua: “O governo de Zelensky também recorreu ao alistamento forçado da população carcerária em troca de uma redução das penas, o que a Rússia já tinha feito. Cabe ressaltar que o responsável pela segunda tentativa de ataque contra Donald Trump tentou, nos primeiros meses da guerra, recrutar soldados afegãos exilados pelo triunfo dos talibãs para lutar na Ucrânia, embora sem sucesso, e que as unidades estrangeiras que lutam nesse país até agora não têm muitas tropas.

Apesar do grande número de mártires ucranianos do conflito, a opinião geral da liderança da OTAN enviou a mensagem de que, sem maior poder de fogo, Kiev seria forçada a aceitar os termos do presidente russo Putin para pôr fim à guerra. Sempre mais meios, mais dinheiro e mais munições, mas é claro que a liderança atlantista aparentemente não tem intenção de admitir que esta lógica foi aplicada de forma consistente ao longo dos dois anos e meio de conflito: Kiev obteve armas cada vez mais poderosas dos seus aliados ocidentais, o que aumentou gradualmente o nível de conflito com Moscou. Exceto o breve interlúdio no outono de 2022, a Ucrânia não conseguiu nada além de uma lenta mas constante perda de território e uma hemorragia contínua de homens e equipamento.

Taxa de mortalidade

A mídia ucraniana informou recentemente que o país alcançou a distinção nada invejável de ter a taxa de mortalidade mais alta do mundo, acompanhada pela taxa de natalidade mais baixa.

Apesar disso, a liderança ucraniana insistiu na necessidade de o presidente dos EUA, Biden, eliminar as atuais limitações ao uso de mísseis ATACMS dos EUA de longo alcance por Kiev, permitindo assim que os ucranianos atacassem o território russo em profundidade.

“Isto parece-me errado”, comentaram vários analistas sérios, porque “uma das principais responsabilidades de cada presidente americano é evitar a guerra com uma superpotência nuclear”.


LIVRO RECOMENDADO:

Guerra na Ucrânia: Análises e perspectivas. O conflito militar que está mudando a geopolítica mundial

• Rodolfo Laterza e Ricardo Cabral (Autores)
• Edição em português
• Capa comum


Por outro lado, a discussão de 14 de setembro entre o primeiro-ministro Keir Starmer e o presidente Biden na Casa Branca terminou sem que qualquer decisão tivesse sido tomada sobre a questão dos mísseis (além dos ATACMS americanos, estão em jogo o Storm Shadow britânico e o SCALP francês, enquanto Berlim e Roma optaram por não participar).

Mas o assunto não foi arquivado e provavelmente ressurgirá em breve durante a viagem de Zelensky aos Estados Unidos.

Entretanto, o Parlamento Europeu considerou adequado exercer mais pressão sobre os países membros, aprovando uma resolução instando-os a remover todas as restrições ao uso de armas europeias pela Ucrânia “contra objetivos militares legítimos em território russo”.

Moscou e o Pentágono

Moscou já avisou que irá considerar a utilização de mísseis ocidentais de longo alcance para atingir seu território como um movimento direto do Ocidente unindo-se a Kiev, pelo simples fato de que estes tipos de armas só podem ser utilizados por técnicos militares ocidentais através da utilização de códigos específicos e da utilização de dados de satélite da OTAN.

Por outro lado, tanto o Pentágono como vários analistas norte-americanos sublinharam que as vantagens militares derivadas de possíveis ataques profundos em território russo não compensam as desvantagens associadas aos riscos de escalada.

A reação russa: “Existe o risco de uma guerra nuclear.” “O fato é que o Parlamento Europeu está conduzindo a uma guerra mundial com armas nucleares”, foi o que afirmou o presidente da Duma russa, Vyacheslav Volodin, ao comentar a aprovação, pela Câmara Europeia, da seção nº 8 da resolução sobre apoio à Ucrânia que “apela aos seus estados membros que levantem imediatamente as restrições ao uso de armas ocidentais entregues à Ucrânia contra alvos militares legítimos em território russo”. Volodin afirmou que no caso de ataques ucranianos nas profundezas da Rússia com armas ocidentais, seu país dará “uma resposta dura usando armas mais poderosas”, acrescentando: “O tempo que leva para lançar um míssil Sarmat para Estrasburgo é de três minutos e vinte segundos.

A espada de Dâmocles nuclear

O renomado acadêmico americano John Mearsheimer, analisando as guerras atuais, alerta para uma conflagração nuclear, no suplemento Animal Político do La Razón, que publicou uma análise da situação mundial intitulada Jugando a la Tercera Guerra Mundial. A nota examina os atuais perigos geopolíticos na Ucrânia e em Gaza.

Ucrânia hoje: Mearsheimer apresenta uma visão pessimista da situação atual na Ucrânia. Ele acredita que a Rússia está vencendo a guerra e que a posição da Ucrânia e do Ocidente está se deteriorando rapidamente. Nas suas palavras, “o fato é que os russos estão ganhando, e as pessoas na administração certamente sabem disso, e certamente sabem que não há forma de reverter a situação”. Mearsheimer acredita que a administração Biden está ciente desta realidade, embora mantenha publicamente uma narrativa diferente.

O professor descreve a situação dos EUA na Ucrânia como “desastrosa”, observando que “a administração Biden está realmente enfrentando dois grandes desastres e não tem saída”. Isto sugere que ele acredita que os EUA estão presos em um conflito que não podem vencer.

Riscos: Mearsheimer identifica vários riscos significativos de escalada no conflito ucraniano, sendo o mais grave a possibilidade de um confronto direto entre a Rússia e a OTAN, que poderia levar ao uso de armas nucleares.

É preciso lembrar que o que está acontecendo na Ucrânia é algo que os russos há muito dizem que representa uma ameaça existencial para eles”, diz Mearsheimer. Esta percepção aumenta o risco de a Rússia tomar medidas drásticas caso se sinta encurralada.

O autor observa que o objetivo declarado do Ocidente de “expulsar os russos das fileiras das grandes potências” intensificou a determinação russa: “Os russos estão obviamente assustados. Eles não têm intenção de perder.” Isto sugere que a Rússia pode estar disposta a escalar o conflito para evitar a derrota.

O risco do uso de armas nucleares é uma preocupação central para Mearsheimer: “Se eles ficarem desesperados, se pensarem que estamos aumentando a aposta de uma forma que os coloca em grande desvantagem, podem ter a certeza de que irão pelo menos considerar seriamente a possibilidade de uso de armas nucleares.” Ele alerta que a Rússia poderia usar armas nucleares contra a Ucrânia porque, nesse cenário, esse país “não tem capacidade para retaliar”. Uma guerra longa e irrestrita tem grandes possibilidades de sair do controle.


Publicado no La Prensa.

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

____________________________________________________________________________________________________________
____________________________________
________________________________________________________________________

Veja também