A “harmonia” germano-americana e a segurança europeia

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Lançamento de um míssil de cruzeiro americano Tomahawk (US Department of Defense).

Por Anatol Lieven*

Lançamento de um míssil de cruzeiro americano Tomahawk (US Department of Defense).

A implantação de mísseis dos Estados Unidos na Alemanha cria mais problemas do que soluções e deveria ser revertido como parte de novos acordos de controle de armas.


O único objetivo sensato do planejado estacionamento de foguetes e mísseis de cruzeiro americanos na Alemanha é removê-los imediatamente novamente, como parte de um acordo de controle de armas com a Rússia. Esse foi o único resultado positivo do estacionamento de mísseis Pershing II na Alemanha Ocidental há 40 anos. Aliás, o destacamento naquele momento foi acompanhado da declaração de que tal acordo estava sendo negociado – o destacamento mais recente não o foi.

Os Pershings nunca foram usados, não havia razão para isso. Como se viu depois de 1991, a liderança soviética não tinha a menor intenção de atacar a OTAN. O governo russo não tem hoje tal intenção, muito menos a capacidade de lançar um ataque convencional do tipo que os mísseis agora implantados são capazes de repelir.

A alegada ameaça russa é inteiramente uma consequência da guerra na Ucrânia, um golpe de sabre concebido para dissuadir a OTAN de intervir na Ucrânia e desencadear uma guerra com a Rússia.

Hoje, um tratado como o acordo INF sobre a destruição de mísseis nucleares de alcance intermédio, assinado em 1989, seria de enorme valor para a Alemanha, a Europa e o mundo. Infelizmente, a tendência é para uma corrida armamentista descontrolada. Isto começou em 2002 com a retirada da administração Bush do Tratado ABM (Limitação dos Sistemas de Defesa contra Mísseis Balísticos).


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Alemanha evita confronto com Washington

O governo alemão estava muito descontente naquele momento, mas não expressou suas objeções de forma contundente ou pública, nem tentou formar um bloco de estados europeus para defender o Tratado ABM. Isto alimentou a convicção em Moscou de que a Alemanha não defenderia os interesses de segurança europeus se isso implicasse o risco de um confronto público com Washington.

A retirada dos EUA do ABM foi seguida pelo estacionamento de sistemas ABM americanos na Polônia e na República Tcheca, com a afirmação quase insultuosamente mentirosa (com a qual o governo alemão concordou) de que a medida não era dirigida contra a Rússia, mas contra uma ameaça do Irã. A Rússia respondeu implantando mísseis de médio alcance – o que também foi oficialmente negado.

Em 2019, a administração Trump retirou-se do Tratado INF. Segundo fontes russas, Moscou estava pronta a aceitar um novo compromisso, mas Washington recusou-se a negociar.

Como resultado, sem qualquer acordo sobre a limitação de mísseis, a Europa encontra-se em uma situação em que não só há uma guerra em curso na Ucrânia, mas Washington está considerando lançar mísseis de cruzeiro britânicos “Storm Shadow” (com alvos americanos) profundamente em território russo sob pressão ucraniana e britânica.

O próximo estacionamento de mísseis americanos na Alemanha legitima as seguintes teses: os EUA estão considerando permitir o lançamento de mísseis americanos pela Ucrânia em território russo; mísseis americanos de médio alcance disparados da Alemanha podem atingir profundamente a Rússia; os mísseis russos de médio alcance podem atingir a Alemanha, mas não os EUA; a Alemanha não tem controle sobre os mísseis americanos em seu território; e a Alemanha não é capaz e nem está disposta a comprometer-se com um novo acordo para reduzir a ameaça russa. Uma lista que deve levantar perguntas.


Publicado no Berliner Zeitung.

*Anatol Lieven é bacharel e PhD pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e pesquisador sênior sobre Rússia e Europa no Quincy Institute for Responsible Statecraft. Ele foi professor na Universidade de Georgetown, no Catar, e no Departamento de Estudos de Guerra do King’s College de Londres. É membro do comitê consultivo do Departamento da Ásia Meridional do Ministério das Relações Exteriores e da Commonwealth britânico. Foi jornalista no sul da Ásia, na antiga União Soviética e na Europa Oriental e cobriu as guerras no Afeganistão, na Chechênia e no sul do Cáucaso. É autor de livros sobre a Rússia e seus vizinhos, incluindo “The Baltic Revolutions: Estonia, Latvia, Lithuania and the Path to Independence” e “Ukraine and Russia: A Fraternal Rivalry”. Seu livro “Pakistan: A Hard Country” está nas listas oficiais de leitura para diplomatas americanos e britânicos que servem naquele país. Seu último livro é “Climate Change and the Nation State”.

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