Devido à rapidez com que novas tecnologias são empregadas no campo de batalha, a criação da Força de Sistemas Não-Tripulados pela Ucrânia é uma oportunidade de aprendizado e pesquisa para planejadores militares de todos os países, inclusive o Brasil.
Introdução
No dia 4 de junho de 2024 o Ministério da Defesa da Ucrânia anunciou a criação de sua inédita força de drones, oficialmente designada “Força de Sistemas Não-Tripulados”, que constitui um novo ramo de suas Forças Armadas focado na guerra de drones que, segundo autoridades, seria a primeira do seu tipo em todo o mundo.
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky havia anunciado os preparativos para a criação da nova força em fevereiro deste ano, dizendo que os drones militares ucranianos “provaram sua eficácia em batalhas em terra, no céu e no mar” (ABC News, 2024).
O comandante da nova força é o coronel Vadym Sukharevskyi, de 39 anos, que foi nomeado para o cargo apenas um dia antes do seu lançamento oficial. Sukharevskyi luta contra a Rússia desde 2014 e atende pelo indicativo “Borsuk”, que significa “texugo”, e tem sido uma referência no emprego militar de drones na Guerra Russo-Ucraniana.
Neste artigo analisamos a Força de Sistemas Não-Pilotados ucraniana, com foco nas suas competências, missões, organização e meios atualmente disponíveis. Com isso pretende-se contribuir para uma visualização de um modelo aplicável para servir de modelo para o Exército do Futuro.
Os drones e a experiência ucraniana
Popularmente conhecidos como “drones”, os sistemas aéreos, terrestres e navais, sejam eles remotamente pilotados ou autônomos, se revelaram um componente tecnológico vital no contexto das técnicas, táticas e procedimentos utilizadas em ambos os lados na Guerra Russo-Ucraniana.
A princípio, seu maior usuário teria sido a Força Aérea ucraniana, que empregava um sistema aéreo remotamente pilotado de médio alcance que representou um desequilíbrio significativo em prol da Ucrânia nos meses iniciais da guerra: o Bayraktar TB2 Turco. O drone turco já havia debutado com grande sucesso no conflito em Nagorno-Karabakh, em 2020, e constituía uma opção lógica para emprego contra as forças russas. O Bayraktar pode carregar diferentes tipos de mísseis, encontrar o alvo e destruí-lo. Também pode ser utilizado para vigilância e inteligência. Mas os Bayraktar ucranianos não resistiram aos primeiros meses da guerra e foram em sua maioria destruídos pelas defesas antiaéreas russas.
Em consequência, drones de pequeno porte baratos, de fácil obtenção e de operação mais simples substituíram rapidamente os caros e complexos Bayraktar. Além das missões de reconhecimento, esses drones passaram a ser armados e tornaram-se onipresentes sobre as trincheiras de ambos os lados, cobrando um alto preço, seja de equipamentos e armamentos desdobrados no terreno, seja dos próprios combatentes russos ou ucranianos (GOGUA, 2023, p. 42-43).
Os ucranianos passaram a empregar pequenos drones comerciais, como o DJI Mavic Pro (Figura 1), para reconhecimento e lançamento de granadas. Em seguida, mudaram para drones com capacidade de visão noturna para atacar pessoal e veículos inimigos.
Outro veículo aéreo não tripulado inicialmente usado pelos ucranianos na Guerra Russo-Ucraniana é o Switchblade (Figura 2), fabricado nos EUA, que ficou conhecido como “drone kamikaze”, armamento que infligiu sérios reveses aos russos em 2022.
Entretanto, em valores de 2022, o preço de uma única unidade do Switchblade, incluindo fuselagem, sensores, ogiva, link de dados e lançador, não saia por menos de US$ 58.063. E esse custo não incluía elementos adicionais, como a unidade de orientação, que sozinha custaria cerca de US$ 30.000, além de peças sobressalentes, suporte e treinamento em simuladores. Logo que as unidades ucranianas esgotaram seus estoques, e sem recursos financeiros para novas aquisições de equipamentos tão caros, a Ucrânia passou a testar e utilizar, com sucesso, drones comerciais equipados com explosivos mais baratos, com um custo unitário estimado em torno de US$ 700 ou menos.
O responsável por essas bem-sucedidas experiências foi justamente o novo comandante da Força de Sistemas Não-Tripulados, o coronel Vadym Sukharevskyi (Figura 3). Ele já vinha testando do emprego de drones comerciais armados contra militantes russos desde abril de 2014, na região de Donetsk, ainda na Guerra do Donbass.
Do lado ucraniano há que se destacar também os drones de caráter naval, que vem destruindo ou colocando fora de combate boa parte da Frota Russa do Mar Negro. Também de produção claramente artesanal, o Magura (Figura 4) é construído em fibra de vidro com estrutura interna de madeira de construção, com motor de jet-ski e um duplo sistema de guiamento, baseado no sistema Starlink aliado a um roteador industrial com chip. Com isso, o drone é capaz de acessar internet móvel a até 40 km da zona costeira.
A força de sistemas não-tripulados
Os detalhes sobre decisão de se criar uma criação da Força de Sistemas Não-Tripulados da Ucrânia não são conhecidos em detalhes. A única pista existente é uma declaração do presidente Zelensky, em fevereiro de 2024, quando assinou um decreto para criação de um ramo separado das Forças Armadas da Ucrânia dedicado a drones. O decreto de Zelensky determinava ao Estado-Maior Geral das Forças Armadas que implementasse nas Forças Armadas ucranianas uma força separada para sistemas de drones. Na data, Zelensky declarou que:
“Acabei de assinar um decreto que lançará a criação de um ramo separado dentro de nossas forças armadas – uma força de sistemas de drones. Essa não é uma questão para o futuro. Em vez disso, deve fornecer resultados concretos em um futuro muito próximo. Este ano deve ser decisivo em muitos aspectos. E claramente no campo de batalha. Os sistemas de drones mostraram sua eficácia em terra, nos céus e nos mares.” (https://www.reuters.com/world/europe/ukraines-zelenskiy-orders-creation-separate-military-force-drones-2024-02-06/).
Entre os meses de fevereiro e junho de 2024, o Estado-Maior Geral da Ucrânia fez um esforço concentrado e trabalhou no desenho de como seria tal força. E a solução acabou sendo bastante disruptiva.
A Força de Sistemas Não-Tripulados não seria apenas um elemento operativo. Na verdade, a solução encontrada estaria bastante alinhada com o conceito de Revolução em Assuntos Militares (RAM), que segundo Martyanov (2019, p. 69), poderia ser assim definido:
“A Revolução em Assuntos Militares (ou Revolution in Military Affairs, RMA) baseia-se primariamente no impacto causado pelos avanços na tecnologia da informação, sensores, informática e telecomunicações […] uma RMA ocorre quando os militares de uma nação aproveitam uma oportunidade para transformar conjuntamente sua estratégia, doutrina militar, treinamento, educação, organização, equipamentos, operações e táticas para alcançar resultados militares decisivos em fundamentalmente novas maneiras.”
Um estudo desenvolvido por Krepinevich (1994) procurou demonstrar que uma transformação do tipo RAM deveria compreender quatro elementos básicos:
- Mudança de patamar tecnológico;
- Desenvolvimento de novos sistemas;
- Introdução de inovações operacionais (doutrina); e
- Adaptação da organização.
E foi justamente isso que os ucranianos consideraram para a criação da nova Força. Neste sentido, a Força de Sistemas Não-Tripulados passaria a ter a seguinte organização:
Na estrutura da Força, sabe-se que o 414º Regimento de Sistemas Não-Tripulados possui as seguintes missões:
- Desenvolver e testar novos sistemas;
- Realizar o treinamento de operadores;
- Fabricar equipamentos e desenvolver softwares;
- Realizar a incorporação das munições aos sistemas.
Por outro lado, as brigadas e os batalhões seriam as unidades de emprego. No caso das brigadas, elas seriam integradas por:
- Uma unidade de interceptação e destruição de drones;
- Uma unidade experimental de sistemas não tripulados;
- Uma unidade de reparação eletrônica;
- Uma unidade de guerra eletrônica; e
- Unidades de sistemas robóticos autônomos (aéreos na 383ª Bda e terrestres na 385ª. Bda).
Os batalhões constituem as unidades táticas de emprego, estando adjudicadas aos comandantes operacionais.
Ao mesmo tempo em que foi criada a Força de Sistemas Não-Tripulados, o Departamento de Projetos de Inovação foi criado no Ministério da Defesa, diretamente ligado à nova Força. Esse departamento conduz um projeto denominado “Acelerador”, que, utilizando técnicas disruptivas de gestão e tecnologia da informação, possui os seguintes objetivos:
- Modernizar e tornar eficazes as munições e explosivos existentes, de forma a torná-las compatíveis com sua integração aos drones;
- Desenvolver sistemas autônomos, com emprego de inteligência artificial e computação de alto desempenho;
- Desenvolver sistemas e softwares de comunicação segura;
- Desenvolver sistemas cibernéticos ofensivos e defensivos;
- Desenvolver softwares de coleta, processamento e análise de grande volume de dados;
- Desenvolver sistemas para tomada de decisão.
Os meios empregados
A Força de Sistemas Não-Tripulados emprega muitos equipamentos, e devido à sua vocação experimental, o quadro de dotação pode variar e evoluir a todo o momento. Os drones são divididos em categorias:
- De alta velocidade;
- Bombardeiros;
- Kamikazes;
- Aéreos;
- Multiuso;
- Terrestres (autometralhadoras, minagem e desminagem, apoio de fogo, e logística);
- Navais.
Os drones aéreos tem sido os mais testados e empregados, dos quais se destacam os seguintes:
No que se refere aos drones para emprego naval, destacam-se os seguintes:
Um dos projetos mais desafiadores que vem sendo conduzidos no âmbito da pesquisa e desenvolvimento, por parte da Força de Sistemas Não-Tripulados, constitui o uso operacional de “enxames” de drones. Mas para tal, será necessário o desenvolvimento de softwares de inteligência artificial muito avançados, na medida em que operadores humanos não se mostram capazes de coordenar um ataque deste tipo, o que demanda que os drones sejam 100% autônomos. Mas já há relatos de que sistemas experimentais estejam em fase de testes.
Conclusão
A criação da Força de Sistemas Não-Tripulados pela Ucrânia decorreu da necessidade de utilizar as capacidades proporcionadas pelos drones, buscando reduzir ou reverter a enorme assimetria existente entre meios e efetivos das forças ucranianas em relação às russas.
Mas o que chama a atenção é que a linha de ação ucraniana envolveu o desenvolvimento de uma estrutura organizacional que estaria reunindo, sob um mesmo comando, elementos doutrinários, operacionais, logísticos, de pesquisa e desenvolvimento, de produção industrial (ou semi-industrial), de experimentação e de treinamento, entre outros.
Ainda é difícil afirmar que os drones serão capazes de alterar significativamente a forma como a guerra será feita no futuro, mas é impossível não reconhecer a enorme efetividade de tais meios na Guerra Russo-Ucraniana. Um exemplo bem característico dessa efetividade reside no fato de que uma Força Armada sem esquadra foi capaz de nocautear a poderosa Frota do Mar Negro russa, simplesmente com o uso maciço de drones navais.
O fato inegável é que o campo de batalha nunca foi mais transparente e interativo, e isso muito se deve ao emprego intensivo de sistemas aéreos remotamente pilotados de reconhecimento, com dimensões e custos cada vez menores. Tais meios são hoje construídos em garagens nos campos de batalha, muitas vezes com o concurso de impressão 3D.
Uma das tecnologias mais disruptivas em uso no conflito russo-ucraniano são justamente os sistemas autônomos e não tripulados, que vem sendo considerados o gatilho que irá impulsionar o desenvolvimento da guerra do futuro. Os popularmente chamados drones começaram a ser empregados na Guerra do Donbass e hoje, na Guerra Russo-Ucraniana, já vem sendo utilizados em quantidade e qualidade nunca vistas em qualquer conflito armado anterior.
Devido à rapidez com que novas tecnologias passam a ser empregadas no campo de batalha, podemos afirmar que a Ucrânia vem realizando uma verdadeira Revolução em Assuntos Militares, e a Força de Sistemas Não-Tripulados possui um papel central neste esforço realizado na Guerra Russo-Ucraniana.
A criação da Força de Sistemas Não-Tripulados pela Ucrânia, portanto, constitui uma oportunidade de obtenção de lições aprendidas e de pesquisa para os planejadores militares de todos os países, inclusive o Brasil.
Referências
KUSHNIR, Natalia. As Ukraine focuses on drone warfare, its military creates new Unmanned Systems Forces Branch. ABC News, 12 de junho de 2024. Disponível em: https://abrir.link/MBIQP.
GOGUA, Giga. A Revolution in Military Affairs and Modern Armaments in the Russia-Ukraine War of 2022-2023. Future Human Image, v. 20, 2023. Disponível em: https://abrir.link/scFyF.
MARTYANOV, Andrei. The (Real) Revolution in Military Affairs. Atlanta: Clarity, 2019.