Mais do que ajudar a reduzir o poderio da Alemanha, o bombardeio de Peenemünde foi decisivo por realçar a importância do emprego da inteligência na guerra.
O bombardeio de Peenemünde foi esquecido nos relatos de guerras. Ele ocorreu no dia 17 de agosto de 1943, quando as forças britânicas desbarataram um posto avançado do Reich nos Balcãs. Todos os olhos estavam vertidos para o desembarque aliado no Mediterrâneo. Por isso, o momento foi esquecido. Mas ele foi decisivo. E em muitos aspectos. Não simplesmente em reduzir o avanço ofensivo das forças de Hitler, mas também e sobretudo para realçar a importância do emprego do sistema de inteligência na guerra.
A inteligência – espionagem inclusa – sempre foi utilizada em momentos de beligerância. Mas foi a partir do século XIX que países como a França e o Reino Unido saíram na frente no processo de sua organização e formalização como parte do staff da burocracia do Estado. Richelieu e Mazarin tinham sugerido isso dois séculos antes. Mas foi apenas sob Napoleão III que a convicção da importância se materializou em realidade. Daí em diante, os Estados Unidos, a União Soviética e Israel só fizeram ampliar e sofisticar essa integração.
O famoso telegrama Zimmerman, enviado ao estado-maior norte-americano, em 1917, permitiu aos Estados Unidos se anteciparem à agressão mexicana naquele ano. A decodificação de códigos alemães por parte dos oficiais sob as ordens do capitão Painvin permitiu aos franceses conterem ofensivas alemãs em 1917-1918. Sendo assim, após a Grande Guerra, a importância dos serviços de inteligência e informação já era um consenso mundial.
Mesmo assim, ao que tudo indica, não foi fácil a acomodação desses serviços nas hierarquias deliberativas estratégicas dos países centrais. E, por conta disso, muitos especialistas acentuam que o avanço alemão em 1939, 1940 e 1941 – respectivamente na Polônia, na França e na União Soviética – deveu-se, em grande medida, a falhas de inteligência e informação entre os aliados. Entretanto, um importante turning point ocorreu no caso Peenemünde.
Desde meados de 1940 que as forças do Reich começaram a construir uma base em Peenemünde com armas de grande alcance para acoimar diretamente os britânicos. O interesse essencial era ampliar a capacidade de surpreender estrategicamente os britânicos e ampliar a possibilidade de concretizar sobre eles uma blitzkrieg implacável.
No entanto, em fins de 1942, o general Ismay enviou ao primeiro-ministro Churchill um relatório do serviço de inteligência demandando providências urgentes e em dois planos. Ou bem se desbaratava a base alemã em Peenemünde. Ou dever-se-ia promover a evacuação imediata de Londres.
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A letra do informe, baseada em cinco relatórios produzidos pelo estado-maior britânico, indicava que os alemães estavam avançados em ensaios com “fuzis de longo alcance”. Seria o caso de se aprofundar o reconhecimento da situação. Mas parecia evidente que a ofensiva já estava plenamente operacional. De modo que a deliberação defensiva precisaria ocorrer o mais urgentemente possível.
Dada a gravidade da situação, o primeiro-ministro britânico constituiu o seu genro, Duncan Sandys, como relator de um novo relatório geral e aprofundado sobre a situação. Duncan Sandys, por sua vez, tomou conhecimento dos dossiês do estado-maior, entrevistou-se com os generais, enviou expedições secretas à região de Peenemünde e exigiu todas as formas de reconhecimento: fotografias, cartas topográficas, escutas telegráficas e radiotelegráficas, interrogatórios de prisioneiros nazistas e afins.
A partir daí, o relato do general Ismay foi confirmado e atestado. Restando, assim, ao primeiro-ministro, simplesmente, decidir o que fazer: destruir a base alemã ou evacuar a capital do Reino Unido. Ao decidir-se pelo primeiro, não tardou a autorizar o bombardeio de Peenemünde.
O sucesso bombardeio foi integral. Mobilizou mais de seiscentos assaltos contra as forças do Reich. Destruiu a quase totalidade de suas instalações. Inviabilizou praticamente todos os seus armamentos. Permitindo, assim, aos britânicos integrarem as forças aliadas no front do Mediterrâneo sem maiores preocupações.
Foi uma vitória estratégica relevante. Mas, mais que isso, uma renovação do lugar dos serviços de informação na guerra. Desde então, o olhar dos britânicos – e dos aliados todos – para o assunto jamais foi o mesmo.