Os atuais líderes mundiais que gerem os destinos do planeta se parecem com personagens saídos de um filme de comédia de humor negro.
Como dissemos na semana passada, há possibilidades de que este conflito europeu evolua (ou involua) para um conflito nuclear. “O objetivo americano é a hegemonia ou domínio sobre a Rússia e a China. Este é o pensamento imperial padrão: se os Estados Unidos não dominarem a Rússia e a China, então a Rússia e a China dominarão os Estados Unidos. Esta é uma mentalidade muito perigosa, porque leva a conflitos incessantes e ao risco sempre presente de uma escalada que conduza a uma guerra nuclear. Parte da motivação da América é a arrogância, a crença na superioridade americana. Parte disto é o medo, baseado na ignorância da Rússia e da China e em ideias muito simplistas sobre as motivações destes países. Parte disto é financeiro, porque a guerra é um grande negócio, com mais de um bilhão de dólares por ano em gastos militares americanos”, analisou Jeffrey D. Sachs, professor de economia de renome mundial e diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia.
Como sabemos, o presidente Biden deu luz verde para atacar o território russo perto da fronteira com a Ucrânia com armas americanas. Sobre este tema, perguntou-se a Sachs: Isto aumenta o risco de uma escalada do conflito?
Sachs responde: “A Rússia está vencendo a guerra na Ucrânia no campo de batalha. O Exército ucraniano foi devastado após dois anos e meio de guerra. Centenas de milhares de ucranianos morreram. A Rússia domina em poder aéreo, artilharia e forças treinadas. O Ocidente deveria negociar a paz. Pelo contrário, intensifica o conflito. Isto é muito perigoso. Por um lado, a Ucrânia poderia facilmente perder muito mais território. Por outro, se a Rússia fosse empurrada contra a parede, com uma derrota militar iminente, a possibilidade de uma guerra nuclear aumentaria dramaticamente.”
Como assinalamos no La Prensa, em um artigo de 10 de setembro de 2022, “A espada de Dâmocles da bomba atômica, nos tempos atuais”, retorna.
Em referência ao desastre que uma guerra nuclear produziria, recordamos e repetimos: “Procuramos eliminá-lo, não pensar nisso, para não ter dúvidas de consciência. É como um devedor que tem muitas dívidas: tente não pensar nisso”, advertiu Giorgio la Pira em 1975 (político italiano eleito duas vezes presidente da Câmara de Florença, foi deputado pelos Democratas-Cristãos e participou na assembleia que redigiu a Constituição da República Italiana após o fim da Segunda Guerra Mundial).
Mas a questão do equilíbrio nuclear ainda está aqui. Proeminente e premente como nunca antes, em uma era em que a ascensão de potências como a China, a proliferação nuclear na Ásia e o caos geopolítico da globalização fazem da capacidade de pôr a mão no gatilho atômico uma fonte de poder sistêmico. Tudo isso enquanto muitos dos grandes tratados que regulavam o equilíbrio de poder declinaram e já não existem.
A bomba atômica teve o mérito, nas palavras de Domenico Quirico, de “virar a guerra contra si mesma” em plena Guerra Fria. Mas hoje falta vontade por parte dos líderes para serem pontes mesmo em fases de aguda volatilidade nas relações internacionais e em que, entre Moscou e Nova Iorque, os dois principais “pistoleiros” do Extremo Ocidente, já não podem se dar ao luxo de abanar a cabeça como arma final, sob a forma de dissuasão, mas antes como uma ameaça concreta. Neste sentido, a necessidade de uma reflexão global sobre a gestão das linhas vermelhas nucleares é fundamental. A ordem global do futuro está em jogo. O risco de cruzar a fronteira do Apocalipse permanece concreto e não deve ser subestimado.
Os fundamentos
Os cientistas poderão nos informar com fundamentos irrefutáveis o que aconteceria se eclodisse uma guerra nuclear, como já fizeram em diversas ocasiões e com personagens mais dantescos.
Assim, no final de 1984 o relatório “O inverno nuclear”, que apareceu em várias capitais do mundo e mereceu uma Assembleia especial da ONU, evitando o que aconteceria em nível atmosférico e biológico, afirmava: “A terra se tornará um planeta escuro e congelado, após a morte, em poucas horas, de metade da população humana. A destruição do ecossistema planetário afetaria ou destruiria a vida dos povos mais distantes” (ver La Prensa, 30 de dezembro de 1984).
Segundo nos conta Eduardo Santos a nosso pedido: “No livro de Carl Sagan e Richard Turco intitulado ‘O inverno nuclear’, eles contam o que levaram em conta nos anos 80 para fazer seu primeiro modelo unidimensional de uma guerra nuclear e o consequente arrefecimento do mundo, o modelo Tapps. Depois vieram os modelos 2D e 3D.”
Santos continua: “A hipótese é que todas as explosões ocorram no hemisfério norte porque os principais atores estão lá. Ele ressalta que para os EUA os objetivos estratégicos são cidades, campos de petróleo e refinarias.”
Segundo o livro O inverno nuclear, quando falamos da circulação atmosférica entre os hemisférios Norte e Sul, falamos de coeficientes de interdifusão da atmosfera de ambos os hemisférios, o que significa que poucos meses depois da guerra a nuvem de fuligem resultante de incêndios em cidades e campos de petróleo atingiria o auge em Buenos Aires e Santiago do Chile. Alerta: Prever e prover: tarefas incontornáveis da Estratégia Nacional e portanto da estratégia militar.
Previsão refere-se ao ato de antecipar, prever ou antever algo que acontecerá no futuro. É ter a capacidade de prever situações ou eventos antes que eles ocorram. É importante ter a capacidade de prever muitas áreas da nossa vida, como no trabalho, nos projetos que realizamos ou mesmo em nossas decisões pessoais. Ser capaz de prever nos permite tomar as medidas adequadas e estar preparados para o que está por vir. Já prover, podemos dizer que se refere ao ato de preparar-se, abastecer-se ou antecipar-se a alguma coisa. É ter a capacidade de tomar medidas preventivas para evitar ou minimizar os efeitos de possíveis dificuldades ou problemas no futuro. Nesse sentido, prover implica ter capacidade de planejar e organizar adequadamente recursos, tempo e ações para evitar situações indesejáveis ou conflituosas.
Portanto, prever implica a capacidade de antecipar e prever acontecimentos, enquanto prover implica a capacidade de preparar-se e antecipar-se a situações para evitar ou minimizar problemas. Na Argentina, estamos realizando essas tarefas? Alguém se encarrega de prever e prever a possível ocorrência desta situação? Seremos apanhados em um momento inesperado sem saber o que fazer e o que não fazer? (Nota do tradutor: as mesmas questões valem para o Brasil).
São vários os temas a analisar e registrar: Qual é a verdadeira capacidade nuclear que as grandes potências possuem? Os EUA perderam a capacidade de produzir urânio altamente enriquecido. Estará a Rússia, que tem uma enorme indústria militar, comprando projéteis da Coreia do Norte? Qual é a produção de plutônio no planeta? Qual é o impacto da dissolução dos acordos nucleares entre potências?
Falando sobre preocupações comuns e este assunto, com o Dr. Gerardo Palacios Hardy, ele muito sabiamente me lembrou do filme Dr. Fantástico ou: como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba, dirigido em 1964 por Stanley Kubrick, com Peters Sellers e George C. Scott.
A trama é assim: o general da Força Aérea dos Estados Unidos, Jack D. Ripper (Sterling Hayden), planeja iniciar uma guerra nuclear com a União Soviética com o objetivo de impedir o que ele considera uma conspiração comunista. Ele dá ordem, sem autorização do presidente Merkin Muffley (Peter Sellers), ao seu esquadrão de combate nuclear, para bombardear seus respectivos alvos dentro da União Soviética, na esperança de que o presidente ordene um ataque em grande escala quando não tiver outra opção.
No final desta comédia de humor negro pode-se perceber que “no momento do bombardeio, devido a uma perda de combustível no avião bombardeiro, eles mudam o objetivo do alvo e não podem ser detectados pelo sistema de defesa. A porta do compartimento de bombas não funciona e fica bloqueada. Ao tentar liberá-la manualmente, o piloto do B-52, o major T.J. ‘King’ Kong (Slim Pickens) consegue consertá-la montado em uma delas, usando seu chapéu de aba larga. A porta se abre e o major cai montado na bomba, iniciando assim a destruição global, segurando a bomba com uma das mãos e agitando seu chapéu de cowboy no ar, em homenagem à técnica de rodeio. O dispositivo do Juízo Final é ativado automaticamente e nos últimos momentos da Humanidade, o Dr. Strangelove recomenda ao presidente Muffley que um grupo se esconda nas profundezas de vários poços de minas do país, com mais de 1.000 metros de profundidade, onde a radioatividade nuclear não pode alcançá-los para que possam repovoar a Terra no futuro. O general Turgidson começa a delirar, pensando em superar os soviéticos na ampliação da construção de minas e abrigos, planejando uma guerra futura em mais de 100 anos, quando a radiação se dissipar, para capturar as minas inimigas”. Esse é o filme.
Os líderes mundiais que gerem os destinos do planeta parecem ter saído de um filme de comédia de humor negro. Serão conscientes do nível de perigo que está sendo atingido, com esta guerra longa e irrestrita, guerra mundial por partes ou como se queira chamá-la? Um erro humano pode desencadear uma catástrofe.
Para as nossas latitudes: é imprescindível levar esse assunto a sério e reunir um grupo interdisciplinar para prever e prover. Em nosso Instituto ELEVAN, vamos trabalhar.
Publicado no La Prensa.