Por Carlos Alexandre Klomfahs*
Neste 9 de maio, “Dia da Vitória Soviética”, o Brasil deveria refletir sobre o apoio estatal russo à sua indústria militar como estratégia de defesa da soberania.
“A artilharia é a deusa da guerra.”
(Josef Stalin)
Contexto e conjuntura internacional: da Rússia da Guerra Patriótica e dissolução da URSS à Operação Especial na Ucrânia
Na madrugada de 22 de junho de 1941, a Alemanha nazista atacou de surpresa a União Soviética sem prévia declaração de guerra, apesar da plena vigência do Pacto Bilateral Germano-Soviético de Não Agressão de 1939, em uma frente de 2.800 km de extensão, que ia do mar de Barents ao norte ao Mar Negro ao sul, em três direções táticas: a primeira, em sentido norte objetivando Leningrado, comandado pelo marechal-de-campo Von Leeb; a segunda, a direção central buscando tomar Moscou, sob comando do marechal-de-campo Von Bock; e a terceira em sentido sul, sob liderança do marechal-de-campo Von Rundstedt, com o objetivo de avançar pela Ucrânia, tomar Kiev e seguir para os poços de petróleo do Cáucaso.
A promessa e o temerário diagnóstico do chefe do Estado-Maior Alemão, general Alfred Jodl, é exposto em sua fala: “A URSS ficará joelhos em duas a três semanas e após o início do ataque, este castelo de cartas cairá”, justificando que a guerra que seria travada contra a URSS, seria uma guerra de extermínio!
Assim, iniciava-se a saga histórica de um povo heroico que iria defender sua pátria até o último soviético, ao custo da hercúlea transferência de seu parque industrial para além dos Urais e ao sangue de milhões de vidas de homens e mulheres, idosos e crianças, culminando com a ativação da guerra de resistência e posterior reversão tática, com o contra-ataque soviético que retomou a iniciativa na Operação Bagration, em junho de 1944, neutralizando 28 das 34 divisões do Grupo de Exércitos da Wehrmacht.
A partir daí, a já enfraquecida Alemanha poderia ser atacada pelo sul da França pelos EUA e pela Grã-Bretanha, resultando no desembarque na Normandia em 6 de junho de 1944, erroneamente intitulado de “ponto de virada” da Segunda Guerra Mundial, que, juntamente com o “general inverno” e a “precária infraestrutura soviética”, já demonstrava o viés narrativo como justificativa para a vitória na guerra, a despeito da competência e capacidade operacional soviética.
Os fatos prosseguem até a ofensiva em Berlim comandada pelos generais Georgy Zhukov (1896-1974) e Ivan Konev (1897-1973) – este, futuro planejador do Pacto de Varsóvia – com a capitulação alemã, hasteando-se finalmente a bandeira Vermelha sobre o Reichstag, em 2 de maio de 1945 [1], sendo Berlim a única capital da Europa tomada três vezes pelo Exército russo, a primeira em 1760 e a segunda em 1813.
De mais a mais, estes fatos, tomados em conjunto, demonstram que a força espiritual do povo russo reside em sua sociedade multiétnica, no heroísmo coletivo em Brest-Litovski, Smolensk, Minsk, Leningrado, Moscou, Odessa, Stalingrado, Sebastopol dentre outros lugares, no papel decisivo das mulheres que, na produção ou no front, atuaram bravamente como atiradoras de elite, tanquistas, guerreiras, médicas e enfermeiras.
Isto posto, todos juntos impediram a desintegração física e territorial, onde convivem, das áreas rurais às urbanas e do Ártico ao Cáucaso: árabes e judeus, esquimós, tártaros e cazaques (falam línguas turcas), coreanos, uzbeques, buriátos (oriundos dos mongóis), dentre as mais de 140 etnias, todas com direito constitucional a terem suas próprias línguas oficiais, somados à centenária formação dos regimentos cossacos [2], estimados hoje em aproximadamente 140 mil, distribuídos em 11 grandes cidades russas, como se depreende do preâmbulo da Constituição Russa de 1993, que proclama a pluralidade étnica no sentido de princípio integrador:
PREÂMBULO
Nós, o povo multinacional da Federação Russa, unidos por um destino comum em nossa terra, estabelecendo direitos humanos e liberdades, paz civil e acordo, preservando a unidade estatal historicamente estabelecida, partindo de princípios universalmente reconhecidos de igualdade e autodeterminação dos povos, reverenciando a memória dos antepassados que nos transmitiram o amor à Pátria e a fé no bem e na justiça (…)
Com efeito, o presente artigo busca mostrar de forma resumida que o processo de vitória em uma guerra, especialmente as longas como a travada pelo Ocidente contra os Soviéticos desde 1917, passando pela URSS em 1922 até a atual Federação Russa em 1993, deve ser considerado como um processo em equipe, de caráter organizacional, que depende, para seu sucesso, de uma diretriz e orientações estratégicas de emprego da força no nível político com metas e prioridades, do mapeamento e gerenciamento dos insumos críticos e infraestrutura energética, do planejamento no nível estratégico-tático, com avaliação do ambiente operacional e análise da missão, até seu cumprimento na ponta da linha com o plano operacional de último nível.
Sendo assim, a evolução do pensamento estratégico militar russo [3] tem desempenhado papel de escol, dada a capacidade institucional de fazer uma síntese dos fatores-chave que afetam a dimensão militar, tais como: o papel das Forças Armadas na paz ou na guerra; as formas de aplicação e estrutura de poder militar; as orientações gerais para que o nível estratégico-operacional elabore suas ações, entre outras considerações.
Portanto, avaliando a conjuntura político-estratégico da Rússia nos últimos anos, especialmente após a guerra da Geórgia de 2008, na qual uma avaliação pós-campanha [4] destacou a necessidade de modernização tecnológica e modificação na estrutura das unidades de Divisão do Exército, privilegiando a prontidão de combate em nível Brigada, expansão do conceito de Comando e Controle para guerra limitadas e de curta duração, preparando assim as Forças Armadas russas para uma nova realidade internacional.
Com isso em mente, coligimos algumas das inúmeras vitórias a serem celebradas em 9 de maio de 2024, no tocante à evolução ao longo dos últimos 30 anos de seu hard power e soft power.
Antes, porém, deve-se compreender em que contexto a Rússia foi inserida pelo Ocidente, e é João Cláudio Platenik Pitillo [5] quem nos lembra que, no imediato do pós Segunda Guerra, os EUA logo impuseram os seus interesses nos fóruns internacionais, como em Breton Woods (1944), inserindo o dólar como referência internacional, no BIRD (1944) e no FMI (1945) para financiar a reconstrução da Europa e do Japão via Plano Marshall (iniciado em 1947), e na Conferência de Yalta (1945) em que definiu sua área de influência do pós-guerra, declarando na calada da noite o “dividir para conquistar” ao criar a República Federal da Alemanha em 23 de maio de 1949, o que foi replicado depois na Coréia (1950-1953), no Vietnã (1959-1975) e na URSS (1991), estabelecendo também a imprensa internacional como estratégia de controle da narrativa, desde a definição do nome “Segunda Guerra Mundial” até a diminuição da importância da participação russa na vitória dos Aliados.
Assim, pode-se compreender como as ações em vários espectros realizadas pelos EUA contra o livre desenvolvimento da Federação Russa, especialmente com o uso de guerra política, guerra econômica e guerra de informação, levaram o Kremlin a desenvolver contramedidas para enfrentamento. Tais medidas se deram por meio de programas de modernização militar, inovação doutrinária e operacional, como mencionado, alterando a estrutura de unidades militares de regimentos e divisões (tinham entre oito e 10 mil) para brigadas (composta de três a 4,5 mil militares) e reduzindo a cadeia de comando de quatro para três níveis; aumentando a quantidade de formação de tenentes; e promovendo reajuste de 25% na remuneração.
Com isso, a Rússia estabeleceu um Exército profissional, moderno, otimizado e enxuto, anunciado no documento The Future Look of the Russian Federation Armed Forces and Top-Priority Measures for its Formation in 2009-2020 submetido à Duma Federal, conferindo atenção (a) às forças nucleares estratégicas; (b) sistemas de defesa aeroespacial; (c) sistemas C4ISR; (d) armas de ataque de precisão e; (e) melhoria da infraestrutura militar [6].
Isso se deu também no domínio das cadeias de suprimento críticos como: segurança alimentar, petróleo, gás e minérios estratégicos, promovendo o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia & Inovação, gerando competência na Gestão de Projetos em Sistemas de Armas e nas estratégicas áreas nuclear, espacial e cibernética, espraiando efeitos positivos nas várias expressões do poder nacional russo, ou seja, toda a estratégia e interferência externa que ajudou a “desmontar” a URSS de dentro para fora, foi absorvida, tratada e transformada em dezenas de vitórias táticas e estratégicas.
Registre-se ainda que, historicamente, a primeira comemoração da vitória na Grande Guerra Patriótica se deu por ordem do Presidium do Soviete Supremo da URSS de 8 de maio de 1945, que estabelecia o dia 9 de maio como “Festa da Vitória” e feriado nacional (Presidium do Soviete Supremo da URSS, 1945). Por isso, a comemoração do Dia da Vitória, além de colimar uma política de memória e de elevação do patriotismo, cumpre o papel de unificação da nação, colocando-se como principal guardião da vitória e fiador do novo poderio militar e de segurança do país.
E isto é essencial não só para entender “o que” e “quem” os russos venceram na Guerra Patriótica, mas, sobretudo o “como” e o “porquê” venceram, haja vista que a estratégia militar modernizada e o planejamento do nível operacional eficiente foram essenciais para justificar os sacrifícios das vitórias que elencaremos.
Aliás, provém da Rússia os maiores exemplos de sacrifício em defesa de sua existência [7] como nação, como a história do major de artilharia Vassíli Stepanovitch Petrov, que, mesmo perdendo as duas mãos em batalha retornou à guerra para lutar e continuou no comando do seu batalhão de artilharia, liderando suas tropas sem titubear. Esta é a idiossincrasia e cultura russo-soviética cujos soldados desfilaram em Moscou em pleno 7 de novembro de 1941, após depois do que foram direto para o front conter a invasão alemã às portas da capital.
O país está na vanguarda da liderança mundial em tecnologia de ponta de armamentos militares e sistemas de armas, seja na moderna aviação militar, nos submarinos nucleares, ou na infraestrutura de satélites e mísseis hipersônicos. Isto não seria possível sem o êxito nas disciplinas de inteligência como as de Fontes Humanas (HUMINT) Imagens (IMINT) Inteligência Geográfica (GEOINT) Inteligência por Assinatura de Alvos (MASINT) Inteligência de Fontes Abertas (OSINT) Inteligência de Sinais (SIGINT) Inteligência Cibernética (CYBINT) Inteligência Técnica (TECHINT) e Inteligência Sanitária (MEDINT).
Não se pode perder de vista ainda, que todos estes fatores de sucesso anunciados já foram mapeados pelo inimigo, daí o desafio da capacidade russa para apresentar diversas soluções alternativas e “complementares” aos fatores de sucesso.
Um exemplo é a “complementaridade” que surge do fim da fase do ciclo de vida dos sistemas nucleares, com o desenvolvimento da capacidade dos mísseis hipersônicos (com maior alcance, precisão e velocidade) de preencherem aquela lacuna, que acabou gerando novos meios e uma nova doutrina de “engajamento remoto” e armas baseadas em novos princípios físicos.
Na conclusão do seu artigo [8] na décima edição da Voennaya Mysl (Pensamento Militar), em 2013, o tenente-general (reserva) S. A. Bogdanov e o coronel (reserva) S. G. Chekinov declararam que “a superioridade de informações e as operações antecipatórias são os ingredientes principais do êxito nas guerras de nova geração”, e o general Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior da Defesa russa à época anunciou também a criação do Comando de Forças de Operações Especiais, com a reestruturação das forças especiais e das agências de inteligência. Concluiu o general Gerasimov que a ausência de contato ou engajamento remoto, somado às tecnologias da informação, reduziu em muito as distâncias espaciais e o tempo entre os oponentes, como consequência, as pausas operacionais foram minimizadas no Teatro de Operações.
Outra consequência da criação do COpEsp foi a necessidade de desenvolver novas habilidades, qualificar novas gerações de militares de elite e operadores de inteligência altamente gabaritados em hard e soft skills, não apenas para uso de equipamentos, armas e sistemas de armas altamente tecnológicos – o que provavelmente envolveu também uma reestruturação jurídica e na estrutura física –, mas sobretudo habilidades e competências em relacionamentos interpessoais e intrapessoais na multiplicação de força, princípio-mor das Operações Especiais, nas novas demandas e necessidades das Forças Especiais e nas agências de inteligência russas.
Além disso, houve a necessária atualização doutrinária e operacional e otimização e atualização tecnológicas com novos meios militares empregados nas operações exteriores, como a nova Doutrina Operacional dos Spetsnaz da GRU, o achatamento entre os níveis políticos e táticos, a missão de reconhecimento complementar da inteligência de sinais, correção de tiro e aquisição de alvos, armas avançadas baseadas em novos princípios físicos e engajamento remoto, atualizando a doutrina de operação no meio urbano visando reduzir a zero os danos colaterais aos civis no emprego bélico terrestre e aeroespacial, garantindo assim o apoio do público interno e internacional.
Destaca-se a importância da atualização da Doutrina Russa de Operações em Ambientes Interagências, com a presença de civis, contra civis e em defesa dos civis, como realizado no Exército Brasileiro no EB20 MC 10.201. Neste cenário, os comandantes militares, em todos os níveis, encontram um enorme desafio ao desempenho operacional, uma vez que as demandas por informações (sobre absolutamente tudo) cresceram exponencialmente.
Por todas estas razões, tais vitórias também não seriam possíveis sem a tática Maskirovka (doutrina de dissimulação), a eficiência na arte operacional da defesa em profundidade e na combinação de armas, mobilidade, prontidão operacional e nas soluções não-padronizadas [9], no relevante papel preparatório das Forças Especiais e das empresas militares privadas (PMC) como o Grupo Wagner, Reduto e Grupo RSB, no treinamento, na inteligência e na logística das operações de segurança de instalações, bases e interesses no exterior.
Já na aplicação da Teoria do Controle Reflexivo (CR), a Rússia conseguiu alterar fatores-chave do loop no ciclo OODA da OTAN e promoveu uma “guerra” lenta, que consumiu grande quantidade de armamentos. Com isso ela mapeou sistemas, localizações, radares, levou os sistemas de armas da OTAN a “se mostrarem” no campo de batalha e, dada a sua ineficiência, por tabela reduziu os interesses de países na importação de armamentos da OTAN, estudou o tipo de doutrina empregada, forçou, direta ou indiretamente, o investimento na Ucrânia, expôs os inimigos escondidos ou neutros e levou alguns países a se mostrarem, ou seja, abriu o tabuleiro e colocou seus oponentes em xeque!
Recomendamos a leitura do artigo [10] histórico do coronel-general P. Kurochkin em: A Vitória da Arte Militar Soviética na Grande Guerra Patriótica, publicado anteriormente na revista Pensamento Militar nº 5, de 1955. Neste artigo, o autor observou que “… a maior vitória alcançada pelas Forças Armadas Soviéticas na Grande Guerra Patriótica foi uma evidência clara e convincente da natureza avançada da arte militar soviética e de sua inegável superioridade sobre a arte militar burguesa dos exércitos.”
Por fim, todo o sucesso elencado, especialmente militar, científico e diplomático, deveu-se à política de reestruturação [11] econômica (1998-2002) com recuperação da produção industrial de 25% entre os anos de 1999 e 2002, e reconstrução do Estado russo iniciado pelo primeiro-ministro Yevgueni Primakov, continuando em 2000 com as profundas reformas institucionais implementadas por Vladimir Putin para recentralizar o poder, devolvendo legitimidade e poder ao Estado no âmbito nacional e internacional, seja pelo controle estatal do setor energético, como a Gazprom (gás) e Yukos (petróleo) seja na construção civil, na extração mineral, na criação de um fundo de estabilização sobre parte da arrecadação fiscal de exportações de petróleo, no aumento das reservas internacionais contra especulações e preservando a balança de pagamentos, na evolução na distribuição de renda, dentre outras reformas, conforme gráfico citado por Mazat (p.189).
Por consequência das reformas institucionais, o presidente Putin enfatizou [12] em 2018 o esforço do país para o desenvolvimento e implementação de programas estratégicos de larga escala, via Plano da Diversificação e Modernização em segmentos como energia elétrica; economia digital, medicina, processamento de resíduos, aviação, construção naval, espaço e comunicações, plano este revelando-se de importância estratégica ao desenvolvimento da economia nacional da Rússia como um todo e da capacidade de defesa e soberania nacional do país em particular.
Esta diversificação e modernização estratégica representou, além do teste de mais de 600 novas armas russas em operações na Síria, no lançamento do mais novo componente da tríade nuclear, composta por vetores de mar, terra e ar, com o teste bem-sucedido do míssil de cruzeiro planador 9M730 Burevestnik adicionado ao inventário, movido à energia nuclear, com alcance ilimitado e portador de ogiva nuclear tática ou estratégica. Dito isso, são estes os campos das vitórias estratégicas e táticas da Federação Russa: político; partidário; monetário; diplomático e acordos bilaterais; geopolítico; econômico; militar estratégico; e social.
Vitórias a celebrar
• Liderança no estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial baseada na multipolaridade, realizando o princípio da igualdade jurídica entre as Nações e a democratização das relações internacionais;
• Sucesso tático e estratégico pela força de mísseis hipersônicos da Rússia, na implementação da teoria Sixth Generation Warfare, elaborada pelo general Vladimir Slipchenko pelo emprego de armas de longo alcance e de alta precisão, lançadas de várias plataformas para derrotar o oponente em seu próprio território (engajamento remoto);
• Enfraquecimento da internacionalização do dólar ante a perda de crédito e confiança na economia americana, aumentando o grau de autonomia da política cambial dos países;
• Fim da paridade dólar ouro e do desequilíbrio no saldo de transações correntes do balanço de pagamentos dos Estados Unidos, criando uma desproporção de obrigações externas (em dólares) sem o aumento correspondente nas reservas em ouro;
• Fortalecimento dos BRICS enquanto foro político-econômico-diplomático com recente ingresso de países estratégicos;
• Participação na proposta do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, que pode alavancar a resolução dos problemas político-monetários nas transações internacionais;
• Aumento dos acordos bilaterais para negociações fora do dólar;
• Vitórias e alianças de seus parceiros regionais como Irã, China, Arábia Saudita;
• Estabilização da relação e cooperação russa no Oriente Médio com Irã e Síria;
• Fortalecimento dos laços econômicos e soft power na Ásia;
• Publicidade internacional da falência da ONU na mediação e resolução dos graves e permanentes problemas da segurança e paz internacional;
• Derrota das estratégias tático-militares da OTAN na Ucrânia;
• Acerto técnico e tático de sua doutrina, equipamentos e sistemas militares modernos, provado e aprovado no Teatro de Operações da Ucrânia;
• Fortalecimento interno das ações do governo, em uma reeleição aprovada com 87,3% dos votos;
• Fortalecimento das relações no continente africano e nas Américas Central e do Sul;
• Fortalecimento da política externa com uma imagem positiva de soft power e smart power como país bem sucedido, confiável e justo;
• Sucesso na defesa dos cidadãos russos na Transnístria, Donbas e na Criméia;
• Aumento na capacidade de mobilização nacional em caso de guerra declarada e capacidade de atração da nova geração para o serviço militar;
• Comemoração pelo bom desempenho econômico, cujo PIB de janeiro de 2024 comparado com o mesmo mês de 2023 cresceu 4,6%, especialmente no mercado asiático, com efeitos positivos internos de diminuição do desemprego [13] e aumento nas exportações de tecnologia de ponta de alto valor agregado, gerando investimentos internos em infraestrutura;
• Por fim, ações incrementadas pela Federação Russa buscaram concretizar os objetivos constitucionais constantes no art. 7º da Constituição, de que o país “será um estado social cuja política visa criar condições que assegurem uma vida digna e um livre desenvolvimento do Homem”.
Precauções a tomar
Com base em uma matriz de mapeamento de riscos, identificam-se ações potenciais que podem causar danos e/ou perturbações graves na sociedade russa, onde se espera que o país em conjunto seja capaz de prevenir, proteger, mitigar, responder e se recuperar de incidentes críticos, coordenando ações integradas em todo território russo.
Como a História ensina, em todas as guerras, a adaptação do inimigo, o estudo judicioso das vulnerabilidades de seu oponente, a busca por novos meios militares de alta tecnologia e o apoio interno e internacional, são variáveis que se impõem e que podem evoluir no espectro dos conflitos para uma guerra de resistência ou uma guerra de guerrilha.
Dadas estas condicionantes, identificou-se uma alta probabilidade de ocorrência de incidentes críticos estáticos e dinâmicos, com riscos intoleráveis pela sociedade e pelo governo russo. Destarte, nas próximas revisões periódicas do Planejamento Nacional de Segurança – especialmente voltado às Forças de Segurança e ao Serviço Federal das Tropas da Guarda Nacional (Rosgvardyia) – a Federação Russa pode considerar em alto grau o risco, ocorrências envolvendo reféns, artefatos explosivos e suicidas armados em múltiplas ações coordenadas (MCA):
• Ataques à economia, infraestrutura e exportação russa de minerais estratégicos, petróleo e gás;
• Ataques de retaguarda pelo Ártico e Extremo Oriente;
• Ataques aos sistemas espaciais de satélites, radares, cabos submarinos e infraestrutura de comunicação;
• Aumento das ações terroristas internas;
• Sabotagem contra infraestrutura civil;
• Riscos de uma guerra de guerrilha em territórios ocupados;
• Uso de armas químicas, radiológicas ou biológicas contra militares russos ou civis;
• Tentativas de divisão no governo, do empresariado ainda dependente financeiramente de conglomerados ocidentais e tentativas de divisão, insatisfação e cooptação nas Forças Armadas;
• Atos contra a integridade física de russos no exterior via extorsão e sequestro de celebridades;
• Aumento da pressão sobre parte da oligarquia ainda ligada à economia europeia e americana;
• Mudanças das táticas e estratégias ucranianas que podem evoluir em agressividade e profundidade no território russo;
• Busca por desestabilizar seus principais parceiros comerciais;
• Riscos de desestabilização interna e no entorno estratégico russo como o Cáucaso e o Báltico.
Assim, com base nas pesquisas e análises de cada item elencado no âmbito político, partidário, monetário, diplomático e de acordos bilaterais, geopolítico, econômico, militar, estratégico e social, vê-se que a Federação Russa tem muito a celebrar neste dia 9 de maio de 2024, Dia da Vitória, vitória esta que começou em 1917 na Revolução Russa e sobrevive até o presente, não obstante os avanços sucessivos do Ocidente para frear o livre desenvolvimento da sociedade russa amparado no trabalho, na busca por relações internacionais mais democráticas e justas e na luta pela igualdade jurídica entre as nações, como se infere de sua liderança e proposições nos BRICS, no Conselho de Segurança da ONU e outros foros internacionais. O país continua marchando com seu leitmotiv rumo à preservação de sua soberania, a manutenção de sua estabilidade regional e sua perene busca do bem-estar social e espiritual de seu povo, fim último e razão de ser (ratio essendi) do Estado.
Se, e somente se, podemos aprender algo enquanto sociedade brasileira, é no mínimo refletir sobre o fundamental apoio estatal russo à sua indústria militar como estratégia de defesa de sua soberania, e no máximo, buscar sensibilizar as autoridades políticas e militares sobre tais vulnerabilidades críticas à preservação de nossa soberania, antes que seja tarde.
*Carlos Alexandre Klomfahs é advogado em direito internacional e egresso dos cursos de geopolítica da ECEME e de estratégia marítima da EGN/FEMAR. Klomfahs atua como consultor em inteligência corporativa. Contato: klconsultoria@yandex.com.
Notas
[1] Cf. mais em https://br.rbth.com/historia/83819-10-fatos-pouco-conhecidos-batalha-berlim.
[2] Embora não seja considerado uma etnia, o povo cossaco (казак, “homem livre”) tem forte influência tártara e polonesa. Surgiu nas terras do sul entre os mares Cáspio e Negro e foi fundamental no Império Russo e nos tempos soviéticos. Vide mais em: https://br.rbth.com/historia/84164-tudo-sobre-cossacos.
[3] Coronel Moacyr Azevedo Couto Junior. “A evolução do pensamento estratégico militar russo”. https://www.ebrevistas.eb.mil.br/CEEExAE/article/view/9528/8115.
[4] Cf. Fernando Botafogo de Oliveira. “Transformações Paralelas: um estudo comparativo entre os processos de transformação dos exércitos russo e brasileiro”. Dissertação. ECEME. 2019.p. 75 ss.
[5] João Claudio Platenik Pitillo. “O Primado da Política Interna de Getúlio Vargas e os Reflexos da Frente Leste no Brasil 1941/1945”. Tese de doutorado. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. 2021. http://www.repositorio-bc.unirio.br:8080/xmlui/handle/unirio/13339.
[6] Ver mais em: Augusto César Dall’agnol. “A reforma militar da Rússia enquanto emulação militar de larga-escala: balanceamento interno e construção do estado (1991-2017)”. Dissertação de mestrado. UFRGS. 2019.
[7] https://br.rbth.com/historia/82442-oficial-exercito-vermelho-sem-maos-batalha.
[8] Vide mais em: “As ações e Métodos Russos contra os EUA e a OTAN”. Major Collins Devon. Army University Press. Segundo Trimestre de 2018.
[9] Frase atribuída ao general Gerasimov. Vide mais em https://www.warfareblog.com.br/2020/09/as-forcas-armadas-da-russia-sob.html.
[10] Победа Советского военного искусства в Великой Отечественной войне. Генерал-полковник П. КУРОЧКИН – Военная мысль Военно-теоретический журнал (ric.mil.ru).
[11] Vide mais em: Numa Mazat. “Uma análise estrutural da vulnerabilidade externa econômica e geopolítica da Rússia”. Tese de Doutorado. Instituto de Economia. UFRJ. 2013.
[12] Agência de Notícias TASS, Moscou, 24 jan.2018. Disponível em: https://tass.ru/armiya-i-opk/4899582.