Com uma trajetória iniciada com um salto de paraquedas nos anos 1950 até os dias atuais, os Comandos e Operações Especiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo acumula uma história de coragem e honra a serviço de São Paulo.
Um dos livros mais interessantes a respeito da Polícia Militar do Estado de São Paulo é o extremamente bem redigido O Salto na Amazônia e outras narrativas, de Edilberto de Oliveira Melo (Coronel PM, então diretor do Museu Militar de São Paulo). Foi publicado em 1978 pela Imprensa Oficial de São Paulo e ainda pode ser encontrado em algumas livrarias virtuais. Apesar do título aludir a uma missão em que paraquedistas da Força Pública (atual Polícia Militar) saltaram em plena selva amazônica, como resposta ao sinistro que envolveu uma aeronave da Pan Am na década de 1950, existem diversos outros fatos históricos mencionados na obra.
Se ainda hoje uma missão desse porte, sem sombra de dúvida, possui uma complexidade enorme, é de se admirar a ousadia, coragem e profissionalismo dos policiais militares que, décadas atrás, com infinitamente menos recursos, cumpriram de forma magnífica a difícil missão que abraçaram. Cumpre recordar que o Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento (conhecido como PARA-SAR) da Força Aérea Brasileira, só foi criado quase uma década depois, em 1963 (com a primeira turma de paraquedistas da FAB tendo sido formada poucos anos antes, em 1959), o que faz ressaltar mais ainda o pioneirismo da Força Policial de São Paulo.
Figura 1: Há pouco mais de 10 anos, o programa Esporte Espetacular produziu uma excelente reportagem a respeito do salto de paraquedistas do Exército Brasileiro na Amazônia. O mais interessante foi a menção, logo no início da reportagem, de que a então Força Pública do Estado de São Paulo, por intermédio do Núcleo de Paraquedistas, décadas antes já havia efetuado um salto operacional para tentar resgatar os passageiros e tripulantes de uma aeronave da Pan Am que havia caído na selva. O livro O Salto na Amazônia e outras narrativas também é citado, bem como foi entrevistado seu autor, o coronel PM Melo (disponível em: https://globoplay.globo.com/v/2855742/?s=0s).
O livro é riquíssimo em relação a diversos eventos da história em que houve a participação ativa da Polícia Militar. Mas, também, o coronel Melo cita outra unidade que pode ser tranquilamente considerada, ainda hoje, como “a elite da elite”: os Comandos e Operações Especiais (COE). Criado em 13 de março de 1970 (com efetivo inicial de 33 policiais), o COE já foi subordinado a outras unidades no decorrer de sua existência, como ao 1º Batalhão de Polícia de Choque – Tobias de Aguiar, bem como ao 3º Batalhão de Polícia de Choque – Humaitá.
Neste ponto é preciso mencionar que nos idos da década de 1990, o 3º Batalhão de Polícia de Choque – que é uma unidade de elite, contando com profissionais extremamente bem treinados –, chegou a congregar em suas companhias o que é considerado o que há de mais especializado no serviço operacional da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Possuía duas companhias de Controle de Distúrbios Civis, uma companhia Canil, a companhia de Comandos e Operações Especiais e o Grupo de Ações Táticas Especiais.
Contando com uma estrutura robusta, dispondo de diversos cursos de especialização (tidos como os mais exigentes e técnicos de toda instituição), com o passar do tempo suas companhias destacadas (da sede) passaram a se tornar outros batalhões: o 4º Batalhão de Polícia de Choque – Operações Especiais e o 5º Batalhão de Polícia de Choque – Canil. Atualmente, os Comandos e Operações Especiais pertencem ao 4º BPChoque.
O conturbado período da década de 1970 exigiu que a Polícia Militar contasse com profissionais dispostos a cumprir missões não convencionais. Era um cenário operacional complexo, que exigia pessoas extremamente vocacionadas. Pouquíssimo tempo depois de sua fundação, o COE já começou a demonstrar sua aptidão: estar onde era necessário, em missões ousadas, que poucos seriam capazes de cumprir. Em 1972, os policiais militares de boina verde já atuariam na retomada de uma aeronave Lockheed Electra II pertencente à Varig, no aeroporto de Congonhas.
Se o sequestro de aeronaves era, naquela época, um evento raro em território nacional (e também algo relativamente recente no mundo, fato que começou a ocorrer com a ação de grupos terroristas, demonstrando a necessidade de unidades militares/policiais extremamente treinadas), a notícia a respeito da operação foi amplamente divulgada.
É adequado recordar da ação do grupo VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, grupo de extrema esquerda) no voo 114 da Cruzeiro do Sul (aeronave prefixo PP-PDZ, Caravelle SE2100) que partiria do Uruguai com destino ao Rio de Janeiro (com escalas previstas em Porto Alegre e São Paulo), em 1º de janeiro de 1970. A aeronave foi desviada para Argentina, Chile, Peru, Panamá e acabou sendo levada para Cuba. Assim sendo, a ação do COE, foi de extremo interesse para a mídia na época.
Em 1972 ocorreu uma tragédia que marcou a cidade de São Paulo: o incêndio do edifício Andraus. Imponente construção, com 115 metros de altura e 32 andares, tratava-se de um prédio comercial no centro da capital paulista. A tarde do dia 24 de fevereiro testemunhou não apenas o desespero de muitos mas, principalmente, o heroísmo de alguns poucos. Pilotos civis e militares com seus helicópteros foram fundamentais no resgate de vidas (foi somente depois de 12 anos desse evento que a polícia paulista começou a receber aeronaves de asas rotativas). Bombeiros e integrantes dos Comandos e Operações Especiais colocaram suas vidas em risco para que outras pudessem ser salvas, saltando no topo do edifício em chamas ou atravessando o vão que o separava de outros prédios.
Das aproximadamente 1200 pessoas que se encontravam no prédio, cerca de 700 foram resgatadas pelas aeronaves, amparadas pelos homens do COE e do Corpo de Bombeiros. Dezesseis pessoas pereceram no incêndio e mais de 300 ficaram feridas.
Em 1º de fevereiro de 1974, novo incêndio assolou a capital paulista. O Edifício Joelma era uma construção relativamente nova (havia sido inaugurado em 1971) e um curto-circuito em um equipamento de ar-condicionado no 12º andar teria dado início ao incêndio. Diferentemente do que ocorreu no Andraus, o último piso do Joelma não pôde receber o pouso de aeronaves de asa rotativa para otimizar o salvamento. Homens do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar responderam ao chamado. Entre esses profissionais, encontravam-se os homens do COE.
Das imagens (entre várias existentes) que podem ser encontradas desse fato, vemos a de um tenente dos Comandos e Operações Especiais atravessando, por um cabo, o vão que separava o Joelma de outro edifício, a dezenas de metros de altura, para tentar salvar aqueles que clamavam por socorro. Quase duas centenas de pessoas pereceram nesse incêndio, que é considerado, por algumas fontes, o segundo pior incêndio em edifícios altos, em todo mundo, no tocante ao número de vítimas.
Com o passar dos anos, aumenta a demanda por missões (tanto as de busca e salvamento como as de apoio à Defesa Civil e as policiais). Ao final da década de 1980, surge o dístico da unidade. Fica eternizada uma das “marcas” do COE: sua peculiar faca, a Zakharov Viúva Negra. É tradicional que cada integrante possua uma, devidamente numerada.
Apesar de possuírem equipamentos para atividades técnicas, provavelmente o item mais especializado e indispensável do COE são os homens que o integram (ou integraram). São policiais militares que conhecem técnicas e normas de trabalho em altura e em ambientes confinados, experientes em cartografia e navegação terrestre, operação com embarcações, mergulho, tiro de precisão, atendimento pré-hospitalar (inclusive em ambientes de combate) e uma infinidade de outras habilidades necessárias a um operador especial. Em períodos anteriores, a eventual falta de equipamentos adequados era suprida com profissionais extremamente capazes e vocacionados, que se adequavam a qualquer circunstância para cumprir as missões.
Operações com emprego de efetivo por longos períodos, como no colapso de terreno que ocorreu no litoral norte paulista (em meados da década de 1990), com interdição de vias, atuando as equipes de operações especiais em apoio à Defesa Civil, demonstram a capacidade desses policiais em suportarem condições rudes de trabalho, com parco descanso, durante vários dias.
Apesar de curso próprio (e anteriormente estágios) para integrar o COE, é comum que seus integrantes busquem especialização em outras unidades policiais e/ou militares do Brasil e do exterior. Os conhecimentos são adequados/aprimorados para a realidade operacional da unidade. Também há a própria doutrina que é gerada (fruto de cinco décadas de experiência operacional). No passado, muitos de seus integrantes produziram conhecimentos de forma pioneira, em uma constante evolução.
Com a popularização de atividades ao ar livre e a prática do trekking (década de 1990), o COE passou a ser acionado para missões de busca, bem como propiciou orientações ao público externo (particularmente a grupos escoteiros) de forma mais intensa. A demanda exigiu bastante empenho dos integrantes da unidade.
Mesmo com o aumento, durante longo período de tempo, do emprego em missões de busca, a vocação policial nunca foi deixada de lado. Aliás, pelo contrário. Essa flexibilidade da unidade, característica que possui desde sua criação, fez com que o COE muitas vezes, além dos acionamentos para prestar apoio às equipes policiais militares territoriais, também atuasse de forma incisiva em operações próprias contra organizações criminosas. A eficiência com que atuava fez com que, rapidamente, a mídia especializada do Brasil (e mesmo do exterior) passasse a ter interesse na unidade onde policiais militares ostentavam uniforme camuflado rural.
Desde sua criação, uma infinidade de outras ações emblemáticas somaram-se ao hall das operações onde os policiais paulistas de boina verde fizeram-se presentes. De acidentes envolvendo aeronaves (como a do conjunto musical Mamonas Assassinas ou a queda do Fokker 100, voo TAM 402, em março e dezembro de 1996, respectivamente) às operações em ambiente urbano onde ficaram marcadas a técnica, a serenidade e o profissionalismo do efetivo.
Um fato a considerar: todo o efetivo é composto por voluntários (considerando o rigor das missões e o empenho exigido). Dos que se apresentam ao COE e tentam integrar suas fileiras, particularmente por intermédio da frequência no Curso de Operações Especiais, menos de 10% conseguem o intento. Terminar o curso não é, também, certeza de que se integrará a unidade. O aperfeiçoamento continuará durante praticamente todo período em que por lá permanecer, em um processo eternamente contínuo.
Além do Curso de Operações Especiais, o COE propicia a transmissão de conhecimento operacional por intermédio de outros cursos, sendo hoje a unidade detentora da difusão de TCCC (Tactical Combat Casualty Care), o atendimento pré-hospitalar em situações de combate (que tantas vidas já salvou), bem como propiciando o necessário entrosamento tático e técnico por intermédio da instrução de Conduta de Patrulha em Locais de Alto Risco (que acaba por se traduzir em segurança operacional e maximização da eficiência). Todos esses cursos transmitem informações obtidas e analisadas após centenas de operações reais. Assim sendo, a teoria reproduz de forma fiel o que se descobriu (e foi aperfeiçoado) na prática.
Importante citar que o COE disponibiliza para operações uma das equipes mais eficientes e experimentadas de Mergulho de Segurança Pública, sendo que as operações colaborativas dos mergulhadores, somando esforços com outros órgãos, resultaram na apreensão de expressiva quantidade de drogas que são acondicionadas na parte submersa de embarcações (por vezes em contentores chamados de “parasitas”), que teriam como destino outros países em vários continentes. Possuem conhecimento, experiência e equipamentos que auxiliam, sobremaneira, o apoio à perícia quando necessário. Não é nenhum exagero afirmar que são os mergulhadores policiais mais experientes do país.
A insurgência criminal (tema abordado no artigo Insurgência e insurgência criminal: A última linha de defesa) cobra um preço altíssimo dos operadores de segurança pública. No litoral paulista, tendo em vista interesses das organizações criminosas, somadas a outras características regionais (incluindo o próprio Porto de Santos, comunidades costeiras e seu desordenamento territorial, regiões de mangue/cobertura vegetal etc.), manter a ordem significa que policiais colocam a própria vida em risco, havendo um somatório considerável de baixas (aproximadamente ¼ de todas as baixas da Polícia Militar ocorrem na região litorânea) que na maioria das vezes são desconsideradas por alguns atores estatais.
Atualmente tem havido um especial interesse do Estado (por intermédio do governador e de sua Secretaria da Segurança Pública) para que o caos cesse e dê lugar à ordem e à lei. Essa ação não ocorre sem a distorção de outros que apresentam uma visão unilateral e equivocada dos fatos (somando vozes àqueles que, por ideologia, refutam qualquer medida estatal que não seja a permissividade). Muitos policiais, incluindo de unidades especializadas em patrulhamento tático, como os da ROTA, foram assassinados por criminosos. A resposta deve sempre ocorrer de forma técnica, firme e legal. E praticamente toda a resposta tem como ponta de lança uma patrulha do COE.
Em sua existência, os profissionais dos Comandos e Operações Especiais operaram, e continuam efetivamente a operar, nas mais diversas missões com uma proficiência sem paralelo. Quer seja apreendendo drogas depositadas na área submersa de navios, enfrentando o crime organizado ou mesmo em missões de busca e salvamento, os Comandos e Operações Especiais completam 54 anos de existência, traduzindo, na verdadeira acepção da palavra, o significado de “servir e proteger”. Talvez mais do que isso: bem como seus ancestrais que, na década de 1950, saltaram em plena selva amazônica, podem ser considerados como uma comunidade de vencedores.
Entre os vários significados da “caveira” como símbolo, está a vitória sobre a morte. A morte moral. Aquela que atinge os que não ousam, que não fazem seu máximo, os que, prezando pela própria segurança e conforto, não vão ao limite para fazer a diferença onde é necessário. A morte moral, para os imbuídos do “espírito das operações especiais”, talvez seja tão grave quanto a morte física. Assim, tanto os que saltaram na Amazônia como aqueles que, neste exato momento, encontram-se em uma patrulha do COE, são vitoriosos, pois venceram e vencem constantemente a morte moral.
Longa vida aos devotos a quem a caveira que sorriu.