Crise em Gaza: uma história complicada (Parte 2)

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A plataforma do campo de gás natural Leviathan, no Mediterrâneo, na costa da cidade de Cesaréia, norte de Israel, 24 de fevereiro de 2022 (Jack Guez/AFP via Getty Images).

A plataforma do campo de gás natural Leviathan, no Mediterrâneo, na costa da cidade de Cesaréia, norte de Israel, 24 de fevereiro de 2022 (Jack Guez/AFP via Getty Images).

Além da descoberta de dois novos campos de gás, a Faixa de Gaza é adjacente à uma bacia que se estima conter 1,7 bilhões de barris de petróleo e 122 trilhões de pés cúbicos de gás.


A primeira parte deste artigo discutiu a hipótese levantada recentemente pela qual os apoiadores do Hamas no ataque a Israel são países exportadores de gás e este apoio seria devido a seus interesses no mercado de gás. Nesta segunda e última parte, discutimos a correção ou incorreção dessa hipótese.

Um olhar diferente sobre o assunto

Embora tenham sido descobertas reservas de gás na costa de Gaza, e Israel tenha tomado medidas para chegar a um acordo com a Autoridade Palestina na exploração desses recursos, a realidade é que enquanto o Hamas estiver presente na Faixa de Gaza, sua liderança não apenas pretende assumir as receitas desses campos, mas também constitui uma ameaça para a segurança de outros campos de gás israelenses na região. Pode-se dizer que o bloqueio anterior de Gaza por Israel foi concebido para tornar impossível aos palestinos o acesso aos campos Marine-1 e Marine-2, e o objetivo de longo prazo de Israel, além de impedir sua exploração pelos palestinos, é integrar os campos de gás perto de Gaza às instalações no mar adjacente a Israel.

A Faixa de Gaza não só é contígua a dois enormes novos campos de gás, como também é adjacente a uma bacia petrolífera muito grande: a bacia do Levante (ao largo da costa de Israel, da Palestina até à costa de Chipre), que se estima conter 1,7 bilhões de barris de petróleo recuperável e cerca de 122 trilhões de pés cúbicos de gás. Uma bacia em águas onde a Síria, Líbano, Palestina, Israel, Egito, Chipre e Turquia têm reivindicações territoriais. Tenha-se em mente que, nos próximos 25 anos, o consumo de energia na região do Mediterrâneo deve aumentar 50%, portanto a importância desta bacia aumentará dia a dia.

Arthur Nelson, jornalista britânico em Tel Aviv, já disse que “a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, os principais intervenientes neste acordo, veem-no como uma possível ferramenta para melhorar as relações entre a Autoridade Palestina e Israel”. A opção preferida dos EUA e do Reino Unido era manter as receitas em uma conta internacional que ficaria sob o controle da AP e não seria entregue ao Hamas. No entanto, o bloqueio de Gaza não atingiu um objetivo importante com a pressão internacional e esta possível previsão de Israel falhou.

Opções disponíveis para Israel

Israel tinha três opções:

  • Concordar em cessar as hostilidades com os palestinos, levando em conta as recentes manifestações palestinas sobre a questão e, como resultado, a propriedade dos recursos de gás iria para os palestinos e para o Hamas;
  • Concordar que parte da receita dos recursos fosse para o governo da AP e os palestinos no mecanismo que a Grã-Bretanha e os EUA promoveram;
  • Expulsar o Hamas da Faixa de Gaza por qualquer forma possível e assumir o controle da energia da região para o futuro.

Entre estas três soluções, a terceira traria definitivamente maiores benefícios a longo prazo para Israel. Os israelenses já tinham reconhecido seu interesse nessa solução. Em 2007, o vice-primeiro-ministro israelense, Moshe Ya’alon, declarou: “É claro que sem uma operação militar geral para remover o controle do Hamas sobre Gaza, nenhuma perfuração ocorrerá sem o consentimento do movimento islâmico radical.”


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Portanto, pode-se supor que a questão energética teve um papel fundamental na ocorrência deste ataque. Como disse Mark Schwartz, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Stony Brook, em Nova Iorque, e autor de War Without End: The Iraq War in Context, os recursos energéticos têm sido a raiz de todos os conflitos entre israelenses e palestinos pelo menos nos últimos 15 anos.

Embora Mohammad Mustafa, ex-vice-primeiro-ministro e ministro da Economia Nacional da Autoridade Palestina, discordasse da análise de Schwartz, dizendo: “Não creio que a guerra que aconteceu tenha uma relação direta com o gás, para ser honesto com você.” É claro que, se o Hamas for removido da região, se ninguém se opuser à exploração multilateral dos recursos de gás da Faixa de Gaza e uma parte significativa dos seus benefícios for para o governo da AP, estas declarações de Muhammad Mustafa são compreensíveis, sendo ele um ministro da AP.

Possíveis vantagens de uma invasão

Neste raciocínio, pode-se compreender que uma guerra total de Israel para destruir o Hamas e dominar essa costa tão preciosa precisava de um motivo, e o Hamas forneceu este motivo com seu ataque. Um motivo que custou muito caro ao povo de Gaza e, claro, os principais líderes e tomadores de decisões nunca foram prejudicados por esta guerra. O ataque do Hamas a Israel, tal como o ataque da Rússia à Ucrânia, está entre as estranhas decisões cujos bastidores a história irá decifrar no futuro. A história talvez fale de uma corrente de influência que planejou a operação de bandeira falsa que deu motivo e proporcionou benefícios para o futuro de Israel. Se esta situação ocorrer, três países, Rússia, Catar e Turquia, deverão esperar maior número de questionamentos no futuro.

Deste ponto de vista, embora seja possível ignorar o bom relacionamento da Rússia com Israel e acusar Moscou de inimizade com Tel Aviv, a Turquia e o Qatar não podem simplesmente ser acusados de inimizade com Israel. A Turquia é membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) desde 1952 e é, na verdade, um dos membros mais antigos desta aliança militar liderada pelos EUA. O Catar, que há muito é aliado militar dos Estados Unidos, abriga a maior base militar americana, ou seja, a superbase de Washington está localizada na área da Base Aérea de Al-Udeid no Catar. O Catar foi o primeiro país do Golfo Pérsico a estabelecer relações comerciais com Israel (em 1996).

Portanto, se no futuro for provado o apoio destes três países ao ataque do Hamas, e por outro lado, a história demonstrar que apenas Israel obteve benefícios e o povo palestino sofreu, estes três países devem responder ao mundo sobre a razão pela qual cometeram tal erro, especialmente se no futuro voltarem ao bom relacionamento com Israel que tiveram no passado.

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1 comentário

  1. As perspectivas materialistas sempre explicam com a devida agudeza a história. Ótima abordagem.

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