Por Jacques Soppelsa*
O BRICS anunciou a adesão da Argentina, não apenas um grande evento econômico e geopolítico para o país, mas uma atualização do litígio que rege as relações entre Buenos Aires e Londres há quatro décadas: as Ilhas Malvinas.
Quarenta anos depois da Guerra das Malvinas, o arquipélago parece, para muitos, enterrado nas passagens subterrâneas da história. Isto está longe de ser o caso em Londres e Buenos Aires. Hoje, na cultura política dos argentinos, a doutrina do “nacionalismo territorial” está mais enraizada do que nunca. O Estado argentino continua a afirmar seu desejo de estender a soberania a toda a sua plataforma continental, incluindo a costa norte do continente Antártico. Um ministério é intitulado “Secretaria de Estado das Malvinas, Ilhas Sandwich e Geórgia do Sul”. E os livros escolares recordam sistematicamente que as Malvinas são “um membro arrancado do corpo da Pátria”.
Em 14 de janeiro de 2022, o Ministro das Relações Exteriores emitiu um comunicado reafirmando que as Malvinas “estão ocupadas ilegalmente”. E em fevereiro, o próprio presidente argentino viajou à Rússia e depois à China para expressar o desejo de Buenos Aires de aderir aos BRICS e obter o apoio de Moscou e Pequim no litígio. Quais são, a este respeito, os argumentos apresentados pelas duas partes envolvidas?
No que diz respeito aos argumentos geográficos”, a balança pende sem qualquer dúvida para o lado argentino: as Ilhas Malvinas são de facto banhadas pelo mesmo ambiente geológico que a vizinha Patagônia, a cerca de 470 km de distância, através da plataforma continental; e os dados biogeográficos, tanto em termos de fauna como de flora, são idênticos!
Mas estas considerações podem parecer secundárias, de fato, em relação aos argumentos relacionados com a história. A este nível, os britânicos evocam um argumento que é aliás clássico: o utis possidetis juris, ocupação e colonização. Londres sublinha uma “ocupação contínua” desde 1833, o que é estritamente correto, com a “nuance” de que esta ocupação começou com um golpe de Estado, a expulsão da guarnição argentina instalada em Puerto Argentino e imediatamente rebatizada de “Port Stanley”.
Quanto à população, desde essa data é inteiramente britânica. Londres não deixou de enviar para as suas “Ilhas Falklands” os “kelpers”, criadores de ovelhas de origem escocesa, ao lado de fortes contingentes militares. Todos britânicos, claro: os resultados do referendo de autodeterminação organizado por Londres em Março de 2013 não poderiam ser surpreendentes: 98,8% destes súditos britânicos declararam-se a favor da “manutenção das Malvinas dentro do Reino Unido” (sic).
Quanto aos argumentos do lado argentino:
A “descoberta” (embora Londres conteste regularmente os fatos). A partir de 1520, a tripulação de Fernão de Magalhães registra a descoberta das ilhas, confirmada pelos navegadores espanhóis Esteban Gómez e Diego de Ribera. E o imperador Carlos V formaliza o domínio castelhano sobre a região.
Um século depois, a primeira “escala” (de menos de três semanas) foi feita em 1690 pelo capitão inglês John Strong, que batizou o arquipélago de “Ilhas Falkland”, em homenagem ao seu almirante e amigo Visconde de Falkland.
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Mas se, durante a Paz de Utrecht, ratificada pelos ingleses, a região foi novamente reconhecida como membro do império espanhol, a tripulação francesa de Louis-Antoine de Bougainville, em 1764, tomou posse do arquipélago. Bougainville batiza-o de “Malouines” em homenagem aos seus marinheiros, todos da região do porto de Saint Malo. Perante a reação de Espanha, a França reconhece o direito desta última de ocupar as ilhas. E, pelo Tratado de San Lorenzo, Londres, por sua vez, aceita a tutela hispânica.
A soberania espanhola estender-se-á assim sem interrupção até 1816. Naquele ano, a Argentina conquista a independência: uma guarnição, e depois um governador, instalou-se nas Malvinas, parte integrante dos territórios herdados da antiga metrópole… até 3 de janeiro de 1833, quando o capitão John James Onslow, comandante do navio de guerra britânico Clio, desembarca no arquipélago e expulsa as autoridades argentinas.
Uma avaliação comparativa?
Se tentarmos comparar objetivamente os argumentos das duas partes:
- Londres se apoia na ocupação das ilhas e seu povoamento durante quase dois séculos. Uma posição claramente fortalecida ao longo de quatro décadas, notadamente (como que por acaso!) pela descoberta de belas jazidas de hidrocarbonetos offshore e pela crescente exploração da riqueza piscícola da região, em direção à rota estratégica do Cabo Horn.
Buenos Aires evoca uma gama muito mais diversificada de argumentos:
- Proximidade geográfica;
- Continuum geológico;
- Comunidade biogeográfica;
- Descoberta do arquipélago;
- Legado do império hispânico;
- Ocupação efetiva até 1833.
À guisa de conclusão
O equilíbrio da balança parece, portanto, pender para o lado argentino, que mais do que nunca quer a abertura de negociações, sabendo também que Buenos Aires é cada vez mais ouvida pelas Nações Unidas. O Reino Unido, por outro lado, faz ouvidos moucos neste momento. Mas a adesão da Argentina aos BRICS poderá mudar rapidamente a situação.
Publicado no Le Dialogue.
*Jacques Soppelsa é presidente honorário da Universidade de Paris I Panthéon Sorbonne. Ex-diplomata das embaixadas francesas nos Estados Unidos e na Argentina, é autor de diversos livros sobre geopolítica. Atualmente é reitor da École Supérieure des Métiers du Droit.