Os drones iranianos da Rússia

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Um drone Shahed-136 sobrevoa Kiev durante um ataque em 17 de outubro de 2022 (Sergei Supinsky/AFP).

Um drone Shahed-136 sobrevoa Kiev durante um ataque em 17 de outubro de 2022 (Sergei Supinsky/AFP).

Os drones iranianos operados pelos russos se tornaram um problema na Ucrânia, e agora resta saber se os EUA e UE farão algo além de impor (mais) sanções a Teerã.


Na sequência das explosões nos gasodutos Nord Stream 1 e 2 da Rússia no Mar Báltico, e especialmente depois do ataque à Ponte de Kerch, que liga a península de Taman na Rússia, à península de Kerch na Crimeia, as forças russas intensificaram ataques a alvos em toda a Ucrânia, empregando mísseis e, mais notavelmente, drones “kamikaze” de fabricação iraniana. Equipados com ogivas explosivas, esses drones vêm atingindo alvos em todo o país, em especial a infraestrutura de geração e transmissão de energia, e ocorrem à medida que o inverno se aproxima.

Tomando como exemplo os ataques ocorridos em 17 de outubro nas regiões de Kiev, Dnipro e Sumi, a rede americana CNN relatou que foram empregados pelo menos 42 drones e três mísseis de cruzeiro. As autoridades ucranianas afirmaram ter derrubado 36 ou 37 drones, portanto pelo menos cinco atingiram seus alvos, o que se traduz em uma taxa de sucesso de quase 12%. De acordo com a BBC, o prefeito de Kiev afirmou que as defesas aéreas interceptaram 23 dos 28 drones que atacaram a capital ucraniana, o que seria uma taxa de sucesso maior, perto da casa dos 18%. Considerando o relativo baixo custo e facilidade de operação, não são taxas desprezíveis em comparação com os alvos atingidos.

Os drones visam a infraestrutura de energia em diversos pontos do território da Ucrânia, incluindo instalações petrolíferas e usinas de energia elétrica. As autoridades ucranianas alegaram que os ataques cortaram a energia de centenas de cidades e vilarejos. Até aqui, a Rússia parecia evitar atacar a infraestrutura da Ucrânia, como estradas, energia e comunicações, o que inclusive levantou dúvidas sobre a qualidade das decisões de seus comandantes militares. Não obstante as especulações, o real motivo dessa “abstenção” não está totalmente claro, mas qualquer que seja, as explosões nos gasodutos Nord Stream e na ponte da Crimeia parecem ter provocado mudanças nessa estratégia.


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Os ataques ocorrem com a aproximação do inverno e quando as temperaturas na Europa Central começam a entrar na faixa negativa dos termômetros, e se iniciaram em um momento em que as contraofensivas ucranianas em Kherson e Kharkov pareciam recuperar territórios. Especula-se que tais ataques teriam por objetivo desviar recursos e atenção das forças ucranianas das linhas de frente, onde a Ucrânia supostamente estaria obtendo vantagem. Talvez, mas também podem representar uma alteração na estratégia ofensiva russa. Os acontecimentos nas próximas semanas ou meses provavelmente ajudarão a trazer luz a essa questão.

Os drones utilizados ​​pelos russos são os Shahed-136 de fabricação iraniana, do tipo que, além do apelido de “kamikazes”, também são conhecidos como loitering munition (“munição vagabunda”). São projetados para decolar, procurar e se chocar contra um alvo, detonando sua ogiva explosiva de cerca de 36 quilos. Sua velocidade máxima é de 185 km/h com alcance estimado de quase dois mil quilômetros. Assim, embora não seja particularmente poderoso, o longo alcance do Shahed-136 é uma vantagem, na medida em que aumenta o número de alvos que ele pode atingir. Outra vantagem é que sua pequena envergadura, de 2,5 metros, dificulta a detecção por radares. Com forma de “V”, ele é propulsionado por um motor usado em pequenas motocicletas chinesas, e alguns relatos dão conta de que seu som lembra o de um cortador de grama.

Por seu lado, o Irã nega ter fornecido drones à Rússia, apesar dos destroços espalhados pela Ucrânia. No entanto, há relatos que indicam que haveria inclusive tropas iranianas no terreno dando instrução e/ou ajudando a operar os drones.

Acredita-se que os ataques russos contra alvos de infraestrutura ucraniana devem continuar. De acordo com o Washington Post, o Irã teria concordado em enviar armas ainda mais sofisticadas para a Rússia, incluindo os mísseis Fateh-110 e Zolfaghar. O Fateh-110 é um míssil terra-terra de curto alcance disparado por lançadores montados em caminhões, e pode lançar ogivas de alto explosivo de 450 quilos a uma distância de até 300 quilômetros. Em agosto de 2012 o então ministro da Defesa iraniano, brigadeiro-general Ahmad Vahidi, disse à Fars News que o Fateh-110 está entre os mísseis balísticos terra-terra mais precisos, podendo ser usado para “destruir alvos terrestres e marítimos, pontos de concentração de tropas, centros de comando, locais de mísseis, depósitos de munição, radares e outros alvos com 100% de precisão”. Um vídeo que circula na Internet, mostrando os ataques contra Erbil em 13 de março de 2022, quando a IRGC disparou mísseis Fateh-110, mostra a sua precisão.


Video supostamente mostra mísseis Fateh-110 atingindo um alvo em Erbil, região do Curdistão, no Iraque, em 13 de março de 2022.

Já o Zolfaghar pode lançar uma ogiva de cerca de 540 quilos a uma distância de até 700 quilômetros e, de acordo com declaração de 2016 do então ministro da Defesa iraniano, brigadeiro-general Hossein Dehghan, pode ser equipado com uma ogiva de submunição. E há outras variantes do Zolfaghar: uma versão maior, chamada de Dezful, supostamente com alcance de até 1.000 quilômetros; uma versão antinavio, chamada Zolfaghar-e Basir, equipada com buscador óptico e alcance semelhante ao do Zolfaghar original, 700 quilômetros; e uma versão maior chamada de Qasem, em homenagem ao ex-comandante da Força Quds, Qasem Soleimani, um projeto de dois estágios com alcance estimado de até 1.400 quilômetros.

Como se vê, o Zolfaghar iraniano tem um alcance superior aos cerca de 300 km do sistema de mísseis ATACMS (Army Tactical Missile System, Sistema de Mísseis Táticos do Exército) que a Ucrânia pediu aos EUA, mas cuja solicitação foi negada pelo Pentágono pelo potencial de atingir alvos dentro do território russo.

Não está claro quais e quantos mísseis e drones adicionais o Irã irá fornecer à Rússia, mas para cada um lançado, a Ucrânia precisará despender recursos para contra-atacá-los. Nessa arena, a vantagem é, em tese, da Rússia, já que a Ucrânia, além de derrubar os mísseis e drones já em voo, teria que se antecipar e procurar destruir os lançadores, o que possivelmente só poderá fazer com apoio de inteligência dos Estados Unidos e OTAN.

Os drones e mísseis iranianos vêm impondo um problema sério para os ucranianos, e lidar com eles na origem, ou seja, no próprio Irã, é algo que está muito além das possibilidades de Kiev. Resta saber se os EUA e os demais países da OTAN e da União Europeia farão algo além de impor (mais) sanções a Teerã, conforme reportado pelo The Guardian.

Referências

DM Stresses High Precision Targeting Capability of Newly Unveiled Fateh-110 Missiles. Fars News Agency, 13 de setembro de 2012. Disponível em: https://swap.stanford.edu/was/20120913112146/http%253A//english.farsnews.com/newstext.php?nn%3D9104254711

RANKIN, Jennifer. EU plans to impose sanctions on Iran military leaders over drones. The Guardian, 19 de outubro de 2022. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2022/oct/19/eu-plans-to-impose-sanctions-on-iran-military-leaders-over-drones.

Guerra na Ucrânia: o que são os ‘drones kamikazes’ que a Rússia é acusada de usar na guerra. BBC News Brasil, 17 outubro 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63290409.

Fateh-110. Wikipedia, atualizado em 21 de outubro de 2022. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Fateh-110#cite_note-dsadasfjh43-3.

HESA Shahed 136. Wikipedia, atualizado em 25 de outubro de 2022. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/HESA_Shahed_136.

WARRICK, Joby; NAKASHIMA, Ellen; HARRIS, Shane. Iran plans to send missiles, drones to Russia for Ukraine war, officials say. The Washington Post, 16 de outubro de 2022. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/national-security/2022/10/16/iran-russia-missiles-ukraine/.

BUTENKO, Victoria; VOITOVYCH, Olga; KESAIEVA, Yulia. Russia launches ‘kamikaze’ drone attack on Kyiv, killing 4 and hitting civilian infrastructure. CNN, 17 de outubro de 2022. Disponível em: https://edition.cnn.com/2022/10/17/europe/kyiv-kamikaze-drone-strikes-intl/index.html.

ADAMS, Paul; THOMAS, Merlyn. Ukraine war: Russia dive-bombs Kyiv with ‘kamikaze’ drones. BBC, 17 de outubro de 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/news/uk-63280523.

Zolfaghar (Dezful, Qasem). CSIS Missile Threat, atualizado em 31 de julho de 2021. Disponível em: https://missilethreat.csis.org/missile/zolfaghar/.

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