A competição entre EUA e China: Uma batalha em muitas frentes (Parte 2)

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Navios de superfície e submarinos da Marinha do Exército de Libertação Popular em imagem de 20 de outubro de 2020 (Comando do Teatro Norte do Exército de Libertação Popular da China).

Por Pablo del Amo*

Navios de superfície e submarinos da Marinha do Exército de Libertação Popular em imagem de 20 de outubro de 2020 (Comando do Teatro Norte do Exército de Libertação Popular da China).

Leia a Parte 1 deste artigo

Se a China prevalecer no Mar do Sul da China, será capaz de questionar a ordem internacional estabelecida por Washington em outras regiões e contextos, causando a perda de aliados e negando a presença dos EUA na região.


O governo Barack Obama lançou as bases para o que seria a estratégia dos Estados Unidos para conter a ascensão da China. O governo de Donald Trump iria escalar ainda mais com Pequim no campo discursivo e comercial-tecnológico. Nesta parte do artigo será analisada a estratégia de Joe Biden, bem como a importante questão de Taiwan e a supremacia nos mares.

A estratégia da administração Biden

Ao chegar à Casa Branca, Joe Biden afirma que conter a China continua sendo a principal prioridade da política externa americana. Nesse sentido, há uma continuidade em relação aos governos anteriores, mas com nuances relativas à presidência anterior. Washington buscaria restabelecer a cooperação multilateral com a China em desafios como mudanças climáticas ou combate ao terrorismo, mas, simultaneamente, admite que depois de Trump o cenário mudou e não é possível evitar a competição sistêmica com o gigante asiático.

Joe Biden manteria, portanto, o objetivo de materializar o pivô asiático, razão pela qual decidiu concluir a retirada do Afeganistão em agosto de 2021. Mantém-se a estratégia de acabar com “guerras sem fim” para despejar os recursos necessários na região Ásia-Pacífico. No entanto, Washington ainda não conseguiu concretizar 100% dessa virada para o Pacífico: as tropas continuam no Iraque, além de ter anunciado um maior deslocamento na Europa devido à invasão russa da Ucrânia. A Rússia é agora uma das principais preocupações do governo Biden e o apoio a Kiev está consumindo muitos recursos, tanto econômicos quanto militares.

Enquanto isso, Biden procurou fortalecer o vínculo transatlântico com os aliados da União Europeia (UE) com o objetivo de aumentar e integrar a autonomia estratégica dentro da estrutura da OTAN. Nesse sentido, os Estados Unidos podem estar olhando para os países europeus para conter a Rússia em um futuro não muito distante, enquanto podem se concentrar mais na China.


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Washington também procurou fortalecer alianças e fóruns com parceiros regionais. Novamente temos que destacar o Quad, com Austrália, Índia e Japão, além de lançar novos tratados como o Indo-Pacific Economic Framework (IPEF) ou a aliança militar AUKUS – Austrália-Reino Unido-Estados Unidos. O AUKUS é um pacto de segurança trilateral cuja prioridade é o desenvolvimento de capacidades conjuntas e a promoção da interoperabilidade nos campos da inteligência cibernética e artificial. Além disso, significa fornecer à Austrália submarinos nucleares com capacidade de navegar por distâncias maiores do que os convencionais.

A questão de Taiwan

Taiwan, de fato um país independente, embora de jure reconhecido apenas por apenas quatorze capitais, é de extrema importância para o Partido Comunista da China (PCC). Em termos nacionalistas, Pequim percebe a ilha como seu próprio território, seguindo neste caso a máxima de “Uma China”. Após o triunfo da revolução de Mao Zedong na guerra civil, seu rival nacionalista Chiang Kai-shek fugiu para a ilha junto com seus seguidores, onde se proclamou o verdadeiro líder de toda a China.

Por outro lado, Taiwan é um ponto muito estratégico, pois está localizado entre os mares do Sul da China e do Leste da China, facilitando para a ilha o controle das passagens para ambas as rotas marítimas. Essa questão é percebida pelas elites chinesas como sua própria fraqueza, especialmente quando seu principal rival sistêmico, os Estados Unidos, tem forte presença na região graças à assinatura de múltiplos acordos e alianças militares com Japão, Coreia do Sul, Filipinas, Tailândia e Singapura.

Se o gigante asiático conseguir materializar a reunificação, poderá quebrar o cerco a que está submetido e estabelecer uma zona de segurança que proteja as zonas costeiras orientais do país contra uma possível guerra com Washington. Na questão taiwanesa, os elementos identitários também são percebidos em torno do conceito de humilhação nacional. A China tornou-se uma grande potência no sistema internacional e tomará todas as medidas necessárias para evitar ser subjugada novamente como foi nesse período. Em termos econômicos, a ilha também é fundamental, não apenas pelo grande volume de carga comercial que passa pela ilha, mas também por ser uma potência industrial de semicondutores, fundamentais na produção de produtos de alta tecnologia.


Primeira e segunda cadeias de ilhas que cercam a China (The Economist).

O objetivo de Pequim é alcançar a reunificação completa até 2049, usando a diplomacia e não a guerra como meio. No entanto, a população taiwanesa não quer a união com o gigante asiático: a maioria apoia a manutenção do status quo. Nos últimos tempos, o apoio à independência de jure também cresceu, causado em parte pelos protestos que eclodiram em Hong Kong em 2019. De qualquer forma, Pequim reforçou sua posição diplomática histórica e eliminou em seu novo livro branco a promessa estabelecida nas versões anteriores de “não enviar tropas ou pessoal administrativo” para a ilha.

Por sua vez, os Estados Unidos sempre foram defensores de Taiwan devido à sua importância geoestratégica, conforme discutido acima. Devido a essa rivalidade sistêmica, Washington tem feito maiores vendas de armas para a ilha, além de realizar missões de treinamento para as Forças Armadas de Taiwan. Na mesma linha, a China aumentou a pressão realizando operações na Zona de Identificação de Defesa Aérea de Taiwan (ADIZ, Air Defense Identification Zone) quase diariamente nos últimos meses.

A viagem a Taiwan da presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, também levou a um aumento da tensão na região. É a visita de mais alto nível à ilha feita por um líder dos EUA desde 1997. Pequim viu esse movimento como uma “provocação” e uma violação do princípio “Uma China”. Após a visita, Pequim anunciou represálias, como a realização de importantes exercícios militares ao redor da ilha, além de romper acordos de cooperação com os Estados Unidos. No entanto, o importante é o que acontece a longo prazo, pois esse evento provavelmente prejudicará irrevogavelmente as relações sino-americanas. O comando chinês percebeu a visita como uma clara interferência em seus assuntos internos e, diferentemente da terceira crise do Estreito de 1996, agora tem capacidade de resposta. Pequim considera que Washington mudou o status quo e, portanto, tem o direito de estabelecer uma série de medidas no estreito para evitar uma intensificação do apoio às “forças separatistas”.

Diante de um hipotético conflito em Taiwan, muitos se perguntam se os Estados Unidos teriam vontade de intervir. Pode acontecer como no caso da Ucrânia, que decide iniciar uma guerra por procuração com Pequim, mas o caso de Taiwan é diferente. A falta de ação significaria mostrar que Washington não é mais a principal potência mundial, uma vez que é incapaz de defender um parceiro em uma região-chave em sua política externa. Talvez, os custos de não intervir seriam maiores do que a não intervenção direta.

A luta pela supremacia nos mares

Embora a China seja uma potência com extenso litoral, as características geográficas da Ásia-Pacífico dificultam sua projeção no mar. O gigante asiático é cercado por uma barreira natural formada por arquipélagos que limitam sua projeção de poder além da primeira cadeia de ilhas, que se estende desde a ilha japonesa de Kyushu até a península de Malaca. Todos os acessos marítimos são bloqueados por diferentes formações geográficas que criam estreitos, passagens e canais, formando uma cadeia de ilhas que impede a navegação segura se essas passagens estivessem sob controle de uma força hostil. Ao norte, a península coreana, com a ilha de Jeju, e o Japão, juntamente com as ilhas de Okinawa e Senkaku/Diaoyu sob seu controle, encerram Pequim e Xangai no Mar do Leste. Ao sul, a ilha de Taiwan e o arquipélago filipino impedem o acesso ao Pacífico a leste, enquanto a oeste a península da Indochina e o arquipélago malaio bloqueiam a passagem para o Oceano Índico, tendo como principal acesso o Estreito de Malaca, isolando a China no Mar do Sul da China.

Essas características geográficas encapsulam a China em uma esfera limitada, restringindo seu acesso aos oceanos, tornando-a uma potência mais continental. Enquanto isso, os Estados Unidos, apesar de também terem uma vasta extensão terrestre, possuem vastos oceanos em ambas as extremidades do país, o que garante acesso privilegiado à massa oceânica sem obstáculos, já que mesmo no Pacífico contam com o Havaí e o Alasca, duas posições-chave para o controle do Pacífico Norte. O gigante asiático, portanto, militarmente falando ainda é uma potência regional que busca desenvolver as capacidades necessárias para uma frota de alto mar que possa projetar poder em várias regiões, romper o cerco da cadeia de ilhas e representar uma ameaça à hegemonia da Marinha dos EUA.

Parece que a China está conseguindo desenvolver sua marinha. Segundo relatos do Congresso dos EUA, o poder naval chinês poderá ser modernizado até 2027, tendo opções militares mais críveis em uma contingência com Taiwan. Em 2020, o Exército de Libertação Popular superou em muito a Marinha dos EUA com 350 unidades navais contra 293. No entanto, esta última supera em qualidade das unidades navais, mantendo uma liderança significativa. Em navios de guerra de superfície (corvetas, fragatas, cruzadores, destroieres) ultrapassa 162 contra 121. Em submarinos 68 contra 56. Em porta-aviões, 11 para 2 – em breve serão 3.


Reivindicações no Mar da China Meridional (Fair Politik).

Um dos cenários mais importantes é o Mar da China Meridional devido ao grande volume de comércio regional e mundial que passa por suas águas – 64% do comércio chinês e 21% do comércio mundial –, além de ser um território com importante atividade pesqueira e grandes reservas de hidrocarbonetos. A disputa tem uma longa jornada. Pequim reivindica cerca de 80% do mar, colidindo com as reivindicações das Zonas Econômicas Exclusivas de muitos países.

Da mesma forma, existem várias ilhotas, atóis, recifes e bancos de areia que podem suportar infraestruturas e pequenas populações, fator chave para poder exercer maior controle na área. Os países estão até construindo ilhas artificiais ou expandindo as existentes para abrigar bases aéreas e navais. Nesse sentido, o gigante asiático realiza há anos uma extensa militarização do mar, além de realizar manobras agressivas para fazer valer suas reivindicações.

Os Estados Unidos, como potência global que deseja manter seu papel de polícia mundial, mudou seu papel de buscar acordos entre países para uma atuação mais faccionária com o objetivo de conter a China e enfraquecer suas reivindicações. Está disposto a enfrentar Pequim nas disputas territoriais e marítimas que surgem na região. Washington quer garantir a liberdade de navegação, manter a atual arquitetura de segurança regional que beneficia sua rede de aliados e conter o surgimento da China como potência hegemônica no Leste Asiático.

O governo Biden teme que, caso seu rival sistêmico consiga prevalecer no Mar do Sul da China, seja capaz de questionar a ordem internacional estabelecida por Washington em outras regiões e contextos, causando consequentemente a perda de aliados, além de negar a presença dos EUA na primeira cadeia de ilhas.


Publicado em Descifrando la Guerra.


*Pablo del Amo é licenciado em História e mestre em Cooperação Internacional pela UCM. Seus principais interesses são relações internacionais e geopolítica.

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4 comentários

  1. Excelente artigo.
    Acompanho as discussões aqui tratadas através do canal “Arte da guerra” e as lives do Jornalista Rogério Anitablian seja pelo YouTube como através do telegran…
    Mais uma vez parabéns pelo empenho e qualidade das ações como Jornalistas Independentes.

  2. Muito bom o artigo, me questiono até que ponto Washington irá conseguir controlar diversas frentes em diversos mares, claro que a esquadra americana é imensa, mas controlar diversos factores de uma vez só é um trabalho imenso. Digamos que hipoteticamente venha acontecer tensões no mar do sul da China, saída do mar negro, expansão da Rússia no mar Báltico, conflitos no canal de Suez, controle e vigilância no Caribe… São muitas frentes. Sim há os aliados e são consideráveis as suas respostas e o apoio naval, mas me questiono se há essa capacidade de lidar em diversas frentes. Já temos Ucrânia, estamos um passo de ter Taiwan, é uma duvida pessoal, porém vá de encontro a capacidade logística americana.
    Receio estarmos vivendo as prévias da 3° guerra mundial.

  3. Para saber mais sobre o Comandante Farinazzo:
    “Sou um nacionalista e, como tal, acredito que nacionalismo não é apenas cumprir deveres cívicos para com a Pátria – é um conjunto de ideias para ação política. É o fortalecimento e a independência da nossa economia, o uso de nossas riquezas em benefício do povo brasileiro, a manutenção da soberania nacional e a busca por justiça social.”
    https://comandantefarinazzo.com.br/

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