Por Mariel Borowitz*
O impacto dos satélites comerciais nas operações militares e na opinião pública pode levar a um aumento global do investimento governamental no setor de satélites privados.
Satélites de propriedade de empresas privadas desempenharam um papel inesperadamente importante na guerra na Ucrânia. Por exemplo, no início de agosto de 2022, imagens da empresa privada de satélites Planet Labs mostraram que um ataque recente a uma base militar russa na Crimeia causou mais danos do que a Rússia havia sugerido em relatórios tornados públicos. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky destacou as perdas como evidência do progresso da Ucrânia na guerra.
Logo após o início da guerra, a Ucrânia solicitou dados de empresas privadas de satélites em todo o mundo. No final de abril, a Ucrânia estava recebendo imagens de empresas americanas poucos minutos após a coleta dos dados.
Minha pesquisa se concentra na cooperação internacional em observações da Terra por satélite, incluindo o papel do setor privado. Embora os especialistas saibam há muito tempo que as imagens de satélite são úteis durante um conflito, a guerra na Ucrânia mostrou que os dados de satélites comerciais podem fazer uma diferença decisiva – informando tanto o planejamento militar quanto a visão pública de uma guerra. Com base no valor estratégico que as imagens comerciais satelitais tiveram durante esta guerra, acredito que é provável que mais nações estejam investindo em empresas privadas de satélite.
Crescimento do setor de satélites comerciais
Satélites de sensoriamento remoto circulam a Terra coletando imagens, sinais de rádio e muitos outros tipos de dados. A tecnologia foi originalmente desenvolvida por governos para reconhecimento militar, previsão do tempo e monitoramento ambiental. Mas nas últimas duas décadas, a atividade comercial nessa área cresceu rapidamente – particularmente nos EUA.
As primeiras empresas comerciais de sensoriamento remoto por satélite trabalharam em estreita colaboração com os militares desde o início, mas muitos dos novos participantes não foram desenvolvidos com aplicações de segurança nacional em mente. A Planet Labs, empresa sediada nos EUA que desempenhou um grande papel no conflito ucraniano, descreve seus clientes como aqueles em “agricultura, governo e mapeamento comercial” e espera expandir para “seguros, commodities e finanças”. A Spire, outra empresa dos EUA, estava originalmente focada no monitoramento do clima e no rastreamento da atividade marítima comercial. No entanto, quando o governo dos EUA criou programas piloto em 2016 para avaliar o valor dos dados dessas empresas, muitas dessas empresas receberam bem essa nova fonte de receita.
Valor dos dados comerciais para a segurança nacional
O governo dos EUA tem sua própria rede de satélites espiões altamente capazes, e parcerias com empresas privadas podem ser uma surpresa. Mas há razões claras para o governo dos EUA se beneficiar desses acordos.
O primeiro é o simples fato de que a compra de dados comerciais permite que o governo veja mais locais na Terra com maior frequência. Em alguns casos, os dados agora estão disponíveis com rapidez suficiente para permitir a tomada de decisões em tempo real no campo de batalha.
A segunda razão tem a ver com as práticas de compartilhamento de dados. O compartilhamento de dados de satélites espiões exige que as autoridades passem por um complexo processo de desclassificação. Também corre o risco de revelar informações sobre capacidades classificadas de satélites. Nenhuma dessas é uma preocupação com dados de empresas privadas. Esse aspecto torna mais fácil para os militares compartilhar informações de satélite dentro do governo dos EUA, bem como com aliados. Esta vantagem provou ser um fator chave para a guerra na Ucrânia.
Uso de dados de satélite na Ucrânia
As imagens comerciais de satélite provaram ser críticas para esta guerra de duas maneiras. Primeiro, é uma ferramenta de mídia que permite ao público assistir ao progresso da guerra com detalhes incríveis e, segundo, é uma fonte de informações importantes que ajudam os militares ucranianos a planejar as operações do dia a dia.
Mesmo antes do início da guerra, em fevereiro de 2022, o governo dos EUA estava incentivando ativamente as empresas comerciais de satélites a compartilhar suas imagens e aumentar a conscientização sobre a atividade russa. Empresas comerciais divulgaram imagens mostrando tropas russas reunidas perto da fronteira ucraniana, contradizendo declarações da Rússia.
No início de março de 2022, o vice-primeiro-ministro da Ucrânia, Mykhailo Fedorov, pediu a oito empresas comerciais de satélites acesso aos seus dados. Em seu pedido, ele disse que esta poderia ser a primeira grande guerra em que as imagens comerciais de satélite desempenhariam um papel significativo. Algumas empresas aceitaram e, nas primeiras duas semanas do conflito, o governo ucraniano recebeu dados cobrindo mais de 40 milhões de quilômetros quadrados da zona de guerra.
O governo dos Estados Unidos aumentou significativamente suas compras de imagens que poderiam ser fornecidas à Ucrânia. O governo americano também promoveu ativamente conexões diretas entre empresas dos EUA e analistas de inteligência ucranianos, ajudando a promover o fluxo de informações.
Um exemplo recente do valor dessas imagens vem novamente do Planet Labs. Nas últimas semanas, a empresa divulgou imagens mostrando o conflito se aproximando da usina nuclear de Zaporizhya. Nos últimos dias, autoridades da ONU disseram que a situação representa um “risco muito real de um desastre nuclear” e pressionaram para que especialistas da ONU pudessem visitar o local.
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Antes da guerra, as autoridades ucranianas achavam que o dinheiro era mais bem gasto em necessidades de segurança “pé no chão”, em vez de satélites caros. Mas agora essas autoridades veem as imagens de satélite como críticas – tanto para a conscientização no campo de batalha quanto para documentar as atrocidades supostamente realizadas pelas tropas russas.
Olhando adiante
Alguns especialistas espaciais chamaram a guerra na Ucrânia de a primeira “guerra espacial comercial”. O conflito mostrou claramente o valor para a segurança nacional das imagens comerciais de satélite, a capacidade das imagens comerciais de promover transparência e a importância não apenas do poder espacial nacional, mas também das capacidades espaciais dos aliados.
Acredito que o fato de o setor comercial dos EUA ter um efeito tão significativo nas operações militares e na opinião pública levará a um aumento do investimento governamental no setor privado de satélites globalmente. Líderes na Ucrânia pretendem investir em recursos domésticos de imagens de satélite, e os EUA expandiram suas compras comerciais. Essa expansão pode levantar novos desafios se imagens de satélite abundantes estiverem disponíveis para os atores de ambos os lados de um conflito no futuro.
Algumas empresas de satélites de observação da Terra expressaram esperança de que as lições aprendidas vão além da guerra e da segurança nacional. A capacidade de produzir imagens e análises rapidamente pode ser usada para monitorar tendências agrícolas e fornecer informações sobre operações de mineração ilegal.
A guerra na Ucrânia pode vir a ser um ponto de virada fundamental tanto para a transparência global no conflito quanto para o setor comercial de observação da Terra como um todo.
Publicado no The Conversation.
*Mariel Borowitz é professora-associada de Assuntos Internacionais no Georgia Institute of Technology. Anteriormente atuou como analista política na National Aeronautics and Space Administration (NASA) e analista de pesquisa na Space Foundation. Ela é bacharel em Aeronáutica e Astronáutica pelo Massachusetts Institute of Technology, possui mestrado em Política Internacional de Ciência e Tecnologia pela George Washington University e doutorado em Políticas Públicas pela University of Maryland.
Artigo de grande qualidade!
Chama atenção de um assunto que é pouco analisado e que é de extrema importância.
Já fiz aquele velho ditado: Saber é poder