Quem não conhece geografia não consegue entender a guerra na Ucrânia

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Bandeiras da Rússia e Ucrânia (Public Domain Pictures).

Por Francis P. Sempa*

Bandeiras da Rússia e Ucrânia (Public Domain Pictures).

Os fatos da geografia e a perspectiva histórica da Rússia sobre essa geografia são fatores que os Estados Unidos e seus aliados da OTAN ignoram por sua própria conta e risco.


O geógrafo alemão do século XIX Friedrich Ratzel escreveu uma vez que “aos grandes estadistas nunca faltou um sentimento pela geografia”. “Quando se fala de um instinto político saudável”, continuou Ratzel, “geralmente se refere a uma avaliação correta das bases geográficas do poder político”. Europeus e asiáticos sempre tiveram uma compreensão melhor da importância da geografia do que os americanos porque, ao contrário dos americanos, seus inimigos e adversários em potencial geralmente estavam localizados perto, não a um oceano de distância.

Laszlo Bernat Veszpremy é um historiador húngaro e editor de uma revista científica chamada Corvinak. Escrevendo no The American Conservative, Veszpremy deu uma aula de geografia aos americanos em um esforço para ajudá-los a entender a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O artigo é intitulado The Inexorable Crowbar of Geography (“O inexorável pé de cabra da geografia”), e nele Veszpremy exorta os americanos a “colocar mapas e enciclopédias de volta em suas mesas” para que possam entender a “realidade geográfica central” do conflito Rússia-Ucrânia.

Essa realidade geográfica é a “Planície da Europa Oriental”, que se estende por mais de cinco milhões de quilômetros quadrados. É a maior planície do mundo. O grande geógrafo britânico Sir Halford Mackinder esboçou o que chamou de “Grande Planície” em sua obra-prima geopolítica, Democratic Ideals and Reality (“Ideais Democráticos e Realidade”), de 1919. Mackinder descreveu esta planície como uma “porta de entrada” para a Europa da Ásia e para a Ásia da Europa. Ele caracterizou essa planície como “o fato estratégico de significado decisivo” para a geopolítica eurasiana. Mackinder descreveu os ataques de hordas da Ásia – tártaros, hunos, ávaros, magiares, mongóis – que ajudaram a moldar a Europa moderna. Séculos mais tarde, os impérios europeus – a França napoleônica, a Alemanha guilhermina e a Alemanha nazista – atravessaram a grande planície e atingiram o coração da Rússia europeia.


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Veszpremy escreve que é impossível entender a perspectiva da Rússia sobre a Ucrânia sem “levar em conta os muitos períodos perigosos da história russa enraizados na alma do povo russo”. O império russo nasceu em Kiev e se expandiu até ser engolido por dois séculos pelos mongóis. A Polônia invadiu a Rússia em 1609 e, na Grande Guerra do Norte de 1700-1721, “o exército sueco chegou até a Ucrânia Central antes de ser derrotado em 1709”. Um século depois, Bonaparte liderou um exército multinacional na Rússia e ocupou Moscou. Um século depois disso, o exército do Kaiser avançou profundamente na Rússia e forçou o novo regime bolchevique a pedir a paz. E no verão de 1941, os exércitos de Hitler tomaram a Ucrânia e avançaram em direção a Leningrado, Moscou e Stalingrado antes de serem detidos pelo clima e pela forte resistência russa.

Veszpremy escreve que a Rússia ainda “se sente militarmente vulnerável em sua fronteira ocidental” e a Rússia “nunca cederá o controle das terras que considera vitais para o futuro do país; ela nunca abandonará as áreas onde o país pode ser facilmente atacado”. Putin, acreditam alguns especialistas europeus, não deseja ressuscitar a antiga União Soviética, mas o antigo império russo – e a Ucrânia era uma parte importante desse império. Os historiadores até hoje ainda discordam sobre se Stalin, no final da Segunda Guerra Mundial, queria toda a Europa ou apenas o suficiente da Europa Oriental e Central para se sentir seguro.

Veszpremy não desculpa a agressão da Rússia nem minimiza as atrocidades durante a guerra. Mas os fatos da geografia e a perspectiva histórica da Rússia sobre essa geografia são fatores que os Estados Unidos e seus aliados da OTAN ignoram por sua conta e risco. Como Mackinder aconselhou às democracias ocidentais muitos anos atrás, a paz e a estabilidade surgirão apenas quando “ajustarmos nossos ideais de liberdade às realidades duradouras de nosso lar terreno”.


Publicado no American Thinker.


*Francis P. Sempa é advogado, professor adjunto de ciência política na Wilkes University e editor colaborador da American Diplomacy. Ele é autor de Geopolitics: From the Cold War to the 21st Century e America’s Global Role: Essays and Reviews on National Security, Geopolitics and War.

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1 comentário

  1. Sou Geógrafo. um belo texto que explica sinteticamente o que ocorre na região da Ucrânia e Rússia. Além do conhecimento geográfico se faz necessário um aprofundamento histórico que nos leva à guerra da Crimeia de 1853 até 1856. Este texto indica também o apoio da China para com a Rússia, caso a OTAN domine a Ucrânia, em dois tempos eles chegam na China pelo oeste. Mas acredito que os EUA e a Europa sabem realmente o que estão fazendo, mas acho que a aposta foi muito alta e, o tiro vai sair pela culatra.

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