Biden não deveria falar diretamente com Putin?

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O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken (esq.), cumprimenta o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, pouco antes de reunião entre ambos em Genebra, em 21/01/2022 (Reuters/Ministério das Relações Exteriores da Rússia).

Por M.K. Bhadrakumar*

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken (esq.), cumprimenta o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, pouco antes de reunião entre ambos em Genebra, em 21/01/2022 (Reuters/Ministério das Relações Exteriores da Rússia).

Uma vez que quatro governos europeus já caíram, indicando o risco de rompimento da unidade ocidental, Sergey Lavrov deve estar bem ciente das verdadeiras razões do telefonema de Antony Blinken.


Assim que o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, retornou a Moscou após a reunião ministerial da Organização de Cooperação de Xangai (SCO, Shanghai Cooperation Organization) em Tashkent (capital do Uzbequistão), o pedido pendente de conversa do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, foi agendado para a noite de sexta-feira. Esta foi a primeira conversa desde que a guerra começou na Ucrânia em fevereiro.

O comunicado de imprensa russo abordou as operações militares especiais da Rússia. Lavrov enfatizou a inevitabilidade de que “os objetivos e tarefas sejam totalmente alcançados”. Em segundo lugar, Lavrov disse a Blinken que os EUA continuam a armar a Ucrânia com armas “apenas prolongando a agonia do regime de Kiev ao prolongar o conflito e aumentar o número de vítimas”.

Lavrov também disse que a Rússia continuará seus “esforços consistentes para restaurar a vida pacífica nos territórios que está liberando”. Isso implica que a integração de Kherson, Zaprozhia, Kharkov etc. é um processo inexorável.

Em quarto lugar, Lavrov concentrou-se nas questões globais de segurança alimentar e no acordo de grãos e lamentou que os EUA ainda não cumpram “promessas de isenções para remessas de alimentos russos”, e que o Ocidente esteja “explorando o problema para promover seus interesses geopolíticos, o que é inaceitável”.

Finalmente, sobre a troca de prisioneiros, Lavrov “aconselhou fortemente” Blinken que este não é um assunto para amadores e que “vazamentos duvidosos na mídia” devem ser evitados.

Para uma conversa depois de vários meses, foi fria. Blinken está demorando para emitir um comunicado de imprensa. Mas foi evasivo na questão da troca de prisioneiros, acrescentando: “Não vou caracterizar a resposta dele (de Lavrov), e não posso avaliar se acho que as coisas são mais ou menos prováveis”.

Da mesma forma, no acordo de grãos, Blinken não fez referência ao levantamento recíproco das restrições à exportação de grãos e fertilizantes da Rússia. Seu interesse era apenas que a Rússia afrouxasse o bloqueio naval e permitisse que embarques de grãos deixassem os portos ucranianos do Mar Negro.

Há uma protuberância aparecendo aqui, com certeza. A viagem de Zelensky ao porto de Chernomorsk, no Mar Negro, perto de Odessa, acompanhado por embaixadores do G7, sugere que Washington está voltando ao modo de propaganda de que a Rússia está impedindo as exportações da Ucrânia.

O The New York Times observou: “Mesmo que os navios de grãos comecem a navegar, o perigo, a incerteza e a profunda desconfiança irão pairar sobre o esforço, e os principais obstáculos à execução do acordo permanecem.”

Conversas como as de ontem sofrem por serem totalmente opacas. Blinken não consegue nem articular as questões substantivas que incomodam Biden – as rachaduras na unidade ocidental.

Curiosamente, Biden enfrenta duas situações de crise com potencial explosivo no momento – na Ucrânia e em Taiwan. De fato, está claro que ambos foram precipitados por Washington. No entanto, a maneira como Biden está lidando com eles não poderia ser mais diferente.

No caso de Taiwan, Biden não hesitou em ligar para o presidente chinês Xi Jinping para acalmar as tensões. Mas ele escolheu um caminho diferente para se comunicar com o presidente Vladimir Putin.

Com certeza, nos seis meses do conflito na Ucrânia, Biden finalmente decidiu encarar a dificuldade e retomar o contato de alto nível com Moscou. Mas optou por falar com Putin através de seu secretário de Estado!

O problema aqui é que, embora as relações EUA-China sejam tensas, Biden nunca levou isso a um nível pessoal. Ele nunca usou linguagem depreciativa para ofender Xi Jinping, como fez repetidamente com Putin.


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Mas Blinken também enfrenta uma situação semelhante. De 7 a 8 de julho, ele evitou apertar a mão de Lavrov na reunião ministerial do G20 em Bali e não foi ao banquete oficial porque Lavrov estava lá. Mas depois de um comportamento tão grosseiro, aqui estava ele ontem procurando Lavrov!

O Departamento de Estado teria enviado recentemente uma circular às embaixadas americanas orientando diplomatas a dissuadir líderes estrangeiros de serem fotografados com Lavrov, para que o projeto de Washington de “isolar” a Rússia ganhasse força! Lavrov aparentemente soube disso por seus anfitriões!

Sem surpresa, Blinken teve que primeiro convocar uma coletiva de imprensa para racionalizar publicamente sua necessidade de conversar com alguém que ele tratou como “pária” apenas três semanas atrás. Blinken é um homem inteligente e sente que Biden está desesperado para abrir um canal de comunicação com o Kremlin (se uma conversa entre Biden e Putin apareceu na discussão de sexta-feira, não sabemos).

A questão é que, após cinco meses de conflito na Ucrânia, a economia russa não entrou em colapso, mas está se ajustando a um “novo normal” nas condições geopolíticas. A moeda russa está se saindo esplendidamente bem. E não houve insurreição na Rússia. Acima de tudo, a Rússia está vencendo a guerra na Ucrânia e se preparando para ditar os termos da paz.

Lavrov deve estar bem ciente das verdadeiras razões por trás da ligação de Blinken. Primeiro, há uma situação catastrófica que pode romper a unidade ocidental, já que o espectro do corte no fornecimento de gás russo ameaça os países europeus. Quatro governos europeus caíram até agora.

Todos entendem que é muito mais do que uma crise de energia. À medida que as economias começarem a entrar em colapso, a agitação social e política se seguirá. Há uma inquietação generalizada nas capitais europeias. O jogo da culpa começou.

Washington pode não ser capaz de salvar o cargo da chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, por muito mais tempo. Os líderes europeus percebem que Ursula jogou com eles em sua cruzada pessoal para punir a Rússia.

Há muito ressentimento reprimido em relação à Alemanha também. Os europeus não choram pela situação da Alemanha. A imposição de um duro programa de austeridade por parte de Berlim aos seus vizinhos do sul ainda é uma memória dolorosa.

Portanto, o mais recente esquema maluco de Ursula para impor uma redução de 15% no consumo de gás em todos os países da UE (para resgatar Berlim) enfrenta resistência. Na verdade, não há alternativa ao gás russo e Washington esqueceu sua promessa de encontrar substituto.

Biden trouxe essa calamidade para a União Europeia. O alerta em particular de Barack Obama agora é sabedoria popular para os europeus – “Não subestime a capacidade de Joe de ferrar as coisas” (Nota da tradução: “Don’t underestimate Joe’s ability to fuck things up”, veja em: ‘The President Was Not Encouraging’: What Obama Really Thought About Biden).

Lavrov também conhece a segunda razão pela qual Blinken quer se engajar novamente. As operações militares especiais russas estão fazendo um bom progresso e tudo indica que o regime de Zelensky está desmoronando. Assim, começaram os preparativos para a realização de referendos nas regiões de Kherson e Zaprozhia para verificar os desejos do povo.

A Rússia também convidou os moradores de Kharkov a se inscreverem para pedidos de cidadania, e a moeda rublo está sendo introduzida. Putin acaba de aprovar um plano mestre de três anos para reconstruir Mariupol. A antiga cidade em breve terá pontes, estradas e escolas para envergonhar Washington.

Mais importante, Biden deve estar preocupado que, mesmo multiplicando por cem vezes a divisão de Kosovo por Washington como um Estado-nação em 2008, ainda não corresponderia ao que está se desenrolando na Ucrânia. E os europeus estão assistindo a tudo isso – sem palavras, incrédulos – enquanto as fronteiras territoriais são redesenhadas em seu continente bem cuidado.

Há novos fatos no terreno desde março, quando a Rússia e Kiev chegaram a um acordo em Istambul (que a equipe de Biden prontamente torpedeou prometendo a lua a Zelensky). Muita água passou pelo rio Dnieper desde então. Assista abaixo ao vídeo do discurso de guerra de Biden em 28 de abril.


Publicado no Indian Punchline.


*M.K. Bhadrakumar foi diplomata de carreira por 30 anos no Serviço de Relações Exteriores da Índia. Serviu na embaixada da Índia em Moscou em diversas funções e atuou na Divisão Irã- Paquistão-Afeganistão e na Unidade da Caxemira do Ministério das Relações Exteriores da Índia. Ocupou cargos nas missões indianas em Bonn, Colombo, Seul, Kuwait e Cabul; foi alto comissário interino adjunto em Islamabad e embaixador na Turquia e no Uzbequistão.

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