Analisar a história nos mostra que, independentemente do direito internacional, o poder econômico e a força militar são fatores determinantes no relacionamento entre as nações.
Introdução
As discussões acadêmicas sobre poder nas relações internacionais estão, de algum modo, alinhadas a alguma ideologia, a alguma escola de relações internacionais, a algum grupo específico da área política ou diplomática, enfim, atreladas a, talvez, prévios conhecimentos ou conceitos quanto à política internacional. Assim, alguns defendem a visão do direito internacional operando legitimamente entre Estados, outros a ideia da coação econômica nessas relações, já outros são de opinião de que organismos internacionais são capazes de solucionar os impasses supranacionais; enfim, há uma gama variada de conceitos quanto ao poder na sociedade das nações e cada um desses grupos tem suas defesas e legitimações.
Luiz Toledo de Machado, quando, em 1972, ao tratar do poder mundial e da influência que as potências exerciam sobre os demais países, proferiu as seguintes palavras:
Sem dúvida, por força da realidade internacional, as iniciativas promanam, geralmente, das grandes potências, o que não significa, contudo, que possam continuar sendo privilégio exclusivo delas. (Machado, 1972)
É bem provável que ele sugeria os EUA e a URSS quando se referiu às grandes potências. Entretanto, a tensão deixou de ser Leste-Oeste após 1989[1], passando a ser Norte-Sul, ou seja, mudaram os atores, mas a verdade dita por Machado pode ainda ser uma realidade, com reflexos para a política exterior brasileira.
O que se pretende com este artigo é realizar algumas reflexões sobre o ideal do direito internacional “versus” a realidade das relações internacionais. Eu tive um professor de Direito Internacional Público, em 2000, que tinha a firme convicção de que as relações entre os Estados Nacionais seguiam literalmente as normas internacionais. Ele, por seu lado, não era culpado em sua crença. Conforme Silva e Accioly (1998, pág. 3), “quanto mais perfeita a ordem jurídica, menor a necessidade de coação”. Isso se refere às relações internacionais.
Ao fazermos uma leitura da história mundial nos últimos 150 anos, quem mais esteve ao lado dos atores das guerras foram as mais consolidadas democracias de que temos exemplo: EUA, Inglaterra e França (BOUTHOUL e CARRÈRE, 1979).
O fim da Guerra Fria, com seus reflexos econômicos para as sociedades do esfacelado regime comunista e a polarização do poder mundial para o lado dos Estados Unidos da América (MEAD, 2006); a expansão além das fronteiras, na busca incessante de mercados consumidores, impulsionando a globalização, mormente a econômica; os conflitos localizados; a formação de blocos econômicos, visando a crescer economicamente regiões tidas como pobres ou em desenvolvimento, como é o caso da união dos Tigres Asiáticos ou dos países do cone sul da América Meridional; as mudanças profundas do pensamento jurídico internacional, procurando um enfoque mais centrado nos direitos humanos e no respeito à dignidade humana (BOUVIER, 2000) e menos no poder econômico, têm sido, entre tantas que se podem enumerar, as molas propulsoras das mutações que vêm sofrendo as relações internacionais.
Existe uma tendência natural dos chamados internacionalistas em atribuir ao direito internacional, com base em suas estruturas jurídicas legítimas e, consequentemente, com base nas normas jurídicas aplicadas com os mesmos critérios em estados diferentes, a capacidade de solucionar os conflitos existentes entre estados e, assim, ser a razão única dos benefícios que os participantes desses tratados venham a obter.
Essa não tem sido a realidade histórica. Exemplos recentes provam o contrário. O fracasso da ONU para se adaptar às novas realidades políticas no imediato pós-Guerra Fria levou a desastres no início de 1990 na Somália, Ruanda e Bósnia, bem como a incapacidade de estabilizar o Haiti (RAM, 2008). Além disso, outros exemplos sobre soluções ligadas à capacidade de dissuasão são as chamadas Guerras do Iraque em 1991 e 2003 e o caso da Coréia do Norte em 2010. O primeiro, sendo fraco militarmente, foi invadido duas vezes, uma das quais sem o aval das Nações Unidas, e o segundo, que, sendo um país ainda médio de desenvolvimento humano[2], não foi sancionado e nem houve uma evolução desfavorável a ele, quando, segundo consta, teria afundado navios sul-coreanos e os EUA juntou-se à Coréia do Sul para impor sanções ou resolver o conflito[3]. Relembrando: a Coréia do Norte encontra-se no rol dos países que possuem armas nucleares[4]. A situação dessa crise hoje está estabilizada.
Na política exterior, verifica-se o grande muro protetor que é o poder bélico de um país. Uso uma metáfora, que ainda precisa ser mais investigada, da qual não tenho a pretensão se julgar-me seu criador (embora ainda não a tenha lido em literaturas afins), em que digo: “quando dois países se apresentam para se relacionar entre si, primeiro eles mostram seu tigre (economia). Em caso de algum fracasso ou crise, eles mostram o seu leão (poder bélico, no qual se insere o poder nuclear)”.
Assim, a alternância do poder na comunidade internacional, desde o fim do Século XIX até os dias atuais, será estudada neste artigo, tendo como fases de análise a situação europeia no final do Século XIX, os períodos pré-Primeira Guerra Mundial, o inter-guerras, e o pós-Segunda Guerra Mundial, até os dias de hoje, com uma percepção militar da influência dos poderes econômicos e bélicos sobre as relações internacionais.
O poder mundial do fim do Século XIX
Em termos de relações internacionais, após o advento do cristianismo e considerando raríssimas exceções, como o Império Otomano, que exerceu papel importante na pulverização do poder internacional enquanto permaneceu firme, o poder mundial sempre esteve nas mãos dos europeus até as proximidades da Primeira Guerra Mundial. O continente europeu exerceu, durante séculos, um papel hegemônico sobre o resto do mundo. Entretanto, no final do Século XIX, com uma própria briga pelo poder interno, o Velho Continente viu iniciar-se a ruína de sua secular história de poder mundial.
Obviamente suas culturas, apanágios étnicos e religião eram transmitidos aos povos dominados. Consequentemente, pela coerção, as imposições legais também iam sendo absorvidas pelas nações subjugadas. As palavras de Garcia (1982) são muito elucidativas quanto à essa “exportação” cultural, imposta, obviamente, pela coerção às colônias, coerção esta alicerçada no poder bélico europeu:
A Europa do século XIX foi também rica em Literatura, Música e Artes. Na Filosofia, no pensamento político e econômico estabeleceu os padrões do mundo moderno. Garcia (1982)
É importante ressaltar que a segunda metade do Século XIX foi marcada por vários fatos favoráveis ao progresso do direito internacional, entre eles o Congresso de Paris, em 1856; a 1ª Convenção da Cruz Vermelha, em 1864; a Declaração de 1868, contra Projéteis Explosivos ou Inflamáveis; o Congresso de Berlim, em 1878; a Conferência Africana de Berlim, de 1884 a 1885; a Conferência de Bruxelas, em 1889 e 1890, que teve como objetivo deliberar contra o tráfico de escravos; a 1ª Conferência Internacional dos Países Americanos, realizada em Washington, de outubro de 1889 a abril de 1890 e a 1ª Conferência da Paz de Haia, em 1899 (SILVA e ACCIOLY, 1998).
De acordo com Bouvier (2000), essas conferências tiveram interesses humanistas, de melhorias sociais, tendo sido, de certo modo, relevantes para o direito internacional ou para amadurecer as relações internacionais. No entanto, o âmago dessas conferências eram questões econômicas, de interesses puramente localizados de um país, que pudessem se harmonizar com os interesses de outro país. Apesar desses esforços da comunidade internacional, tais conferências não evitaram as grandes crises que marcaram o final do Século XIX.
Após a Reunificação Alemã em 1870, a hegemonia britânica na Europa passou a ser desafiada pela Alemanha. Segundo Garcia (1982), a ambição de Bismark se limitou à unificação da Alemanha e isso permitiu que França e Inglaterra se reerguessem novamente, a partir de 1870, partindo para a busca de colônias e restaurando minimamente o espaço de poder.
Apesar dessa busca incessante por poder, entre 1890 e 1905, as tensões na Europa foram abrandadas pelo deslocamento da expansão territorial, que se tornara possível pela abertura da China e da Ásia à exploração europeia (GARCIA, 1982).
Conforme Bouthoul e Carrère (1979), os países que mais estiveram envolvidos nas guerras ocorridas no mundo do final do Século XIX foram Inglaterra, França, Rússia, China e Áustria-Hungria. Interessante salientar dois aspectos dessa realidade histórica. Desses países, apenas o império Austro-Húngaro deixou de existir. Os outros quatro, mais os Estados Unidos, que iriam despontar no poder mundial a partir do início do Século XX, são exatamente os países que hoje integram o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Isso implica afirmar que, de um modo ostensivo e, em alguns casos, velado, os países que mantinham o poder mundial centralizado na Europa no final Século XIX eram a Inglaterra, a França e a Rússia. Atualmente, esses três são a maioria dos que hoje compõem o CSNU, que, por suas características legais, é uma das entidades mais poderosas no concerto das nações. O poder mundial está, portanto, de acordo com nossa inferência, orbitando entre os mesmos países há, pelo menos, 150 anos.
Reforçando as ideias deste primeiro capítulo, enfatizo as palavras de Bouthoul e Carrère:
A participação frequente nos conflitos interestaduais (principalmente guerras estrangeiras) tem sido uma constante para as grandes potências, implicadas pela extensão e importância de seus interesses e ambições, na metade das guerras estrangeiras. (Bouthoul e Carrère, 1979, pág. 52)
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Como já apresentado, a arrancada alemã, após sua reunificação em 1870, para disputar a posição de hegemonia com a Inglaterra, logo deu frutos no início do Século XX.
Ora, a reunificação tornou a Alemanha uma potência industrial, o que gerou um vasto crescimento econômico e fez aumentar seu parque bélico, já que a indústria alemã tinha uma relação muito grande com a produção de equipamentos militares e armamento (GARCIA, 1982). Com essa impulsão, a Alemanha ganhou outros rivais e não somente a Inglaterra. Ela passou a ameaçar interesses econômicos e político-militares da Rússia e da França. Pontos não resolvidos do passado começavam a ressurgir novamente, especialmente, segundo Garcia (1982), em função dos interesses colonialistas.
O que é interessante notar, nesse contexto, é a ausência de um consciente coletivo de organismos internacionais ajustados, de foco no bem-estar do homem, nos direitos humanos, na educação e na melhoria de qualidade de vida das colônias. O que a história nos esclarece é que o predomínio das relações internacionais se enfocava nos interesses econômicos ou outros, de acordo com a época, como a expansão territorial, por exemplo.
Lamentavelmente, o direito internacional não conseguia influir nessas questões interestados. Silva e Acciolly (1998) mesmo enfatizam:
O direito internacional só existe se existir estado, ou seja, o nacional. Sem o nacional não existe o internacional, sendo que o direito internacional está acima dos nacionais e é o interesse público dos nacionais.
Com isso, o interesse em estar ao lado do mais forte ou mais rico, e proteger-se, levou a formação de alianças baseadas em interesses econômicos e militares e, então, essas alianças em busca de poder no continente europeu e a consequente possibilidade de liderar as questões sobre as colônias africanas e asiáticas, começaram como um reflexo imediato da Reunificação Alemã. Com a Reunificação, os estados europeus, nitidamente, passaram a encarar a possibilidade do surgimento de uma nova potência, o que viria realmente a acontecer anos mais tarde. Anteriormente, em 1879, a própria Alemanha havia firmado um acordo com o Império Austro-Húngaro contra a Rússia. Três anos depois, a Itália, rival da França no Mediterrâneo, juntou-se à Alemanha e aos austro-húngaros, constituindo a Tríplice Aliança (GARCIA, 1982).
Em oposição notória à Tríplice Aliança, o Reino-Unido tratou de tomar providências a fim de barrar a expansão do poder germânico, formando, em 1904, juntamente com a França, a Entente Cordiale[5]. A Rússia, ao tomar ciência de que seus interesses estavam mais alinhados com a Entente Cordiale, pois ela vinha em um regime czarista de crescimento, embora fragilizado com a Guerra Russo-Japonesa, e a Alemanha certamente seria um óbice ao seu avanço, tratou de se desligar da Tríplice Aliança e juntar-se à Entente Cordiale.
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 28 de junho de 1914, cujo estopim teria sido a morte do arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo, a Áustria invadiu a Sérvia e, na sequência, o complexo de alianças dos europeus acabou conduzindo os outros países à Guerra.
Entretanto, para escolher em que lado lutar, os estados não analisavam questões jurídicas comuns, ou o respeito à vida ou qualquer outro paradigma de uma sociedade mais humanista. Os interesses econômicos e as rivalidades históricas mal resolvidas, além, é claro, da opção de lutar ao lado do que, presumivelmente, fosse mais forte, eram os fatores preponderantes para que os chefes de estado ou seus parlamentos decidissem em que aliança estariam (GARCIA, 1982).
Neste contexto, ou seja, no ambiente da Primeira Guerra Mundial, quem aumentou suas vantagens em termos de poder mundial foram os EUA. Segundo Grieco (1998), os EUA ocupavam o 4º lugar em termos de produção industrial e, já em 1914, ou seja, no ano que eclodiu a Primeira Guerra Mundial, passaram ao 1º lugar, sendo sua produção maior do que a soma das produções de França e Inglaterra.
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Ainda de acordo com Grieco (1998), os EUA ganharam muito em termos de poder e mesmo finanças, em função de sua neutralidade inicial na Primeira Guerra Mundial. Entre 1913 e 1916, as exportações americanas cresceram 120%, sendo que desse montante, 43% eram destinadas aos Aliados. Após a Guerra, a ascensão dos EUA foi apenas uma questão de tempo, já que os Aliados, dos quais especialmente França e Inglaterra, iriam pagar suas dívidas com os americanos, levando-o ao topo, já naquele período entre guerras, do poder internacional.
Sem pretensão de defender alguma escola das relações internacionais[6], o que se observou como um fato histórico, neste contexto, foi que os interesses particulares dos países se tornaram mais valiosos do que as vidas de milhares de soldados e civis que morreram no embate.
Até mesmo o Japão, que vinha se tornando uma potência, já que do atraso oriental era a única exceção, despertou sua ambição nos domínios germânicos no oriente e engrossou o bloco contra a Alemanha (GARCIA, 1981).
Vinte e quatro nações formaram uma ampla coalizão ao lado da Entente, que veio a ficar conhecida como Aliados. Do lado da Tríplice Aliança, duas modificações ocorreram: a Alemanha recebeu a adesão do Império Turco-Otomano, rival da Rússia e da Bulgária por questões de interesses na região dos Bálcãs, e da Itália, que inicialmente esteve ao lado da Alemanha, vindo a trocar de lado em 1915, depois de receber uma promessa dos Aliados de que receberia parte de territórios turcos e austríacos.
Para quem procura uma análise imparcial sobre direito internacional e relações internacionais, fica difícil encontrar razões históricas para acreditar que, um dia, haverá direito internacional no seu sentido mais técnico e puro. O direito internacional tem evoluído, mas basta voltarmos nossos olhos para o passado para que tenhamos dúvidas sobre sua eficácia no concerto das nações.
Ainda sobre a Primeira Guerra Mundial, com a derrota russa consumada e o risco de a Alemanha avançar na frente ocidental e conquistar a França, os EUA entraram na guerra para decidir o conflito. Na realidade, o interesse norte-americano era preservar o equilíbrio do poder na Europa e evitar que a Alemanha se tornasse hegemônica, já que os interesses americanos estavam mais alinhados com a Grã-Bretanha.
Em 1919, foi assinado o Tratado de Versalhes, que ficou conhecido por ter posto fim à Primeira Guerra. Aliás, esse Tratado criou a Liga das Nações[7], que teria como um de seus objetivos mais sublimes impedir uma nova guerra. No entanto, o Senado Americano recusou-se a ratificar o Tratado e os EUA ficaram de fora da Liga. Segundo Garcia (1981) a Liga das Nações, praticamente, não teve nenhuma participação positiva no cenário internacional. Defendeu os interesses exclusivos de seus integrantes, embora sem muita força, pela ausência americana, e teve como aspecto positivo apenas o fato de ter sido o embrião da ONU.
Historicamente, a Primeira Guerra ficou mal resolvida e gerou a Segunda Guerra Mundial. Praticamente o que se buscava com a Primeira Guerra só se tornou realidade após o término da Segunda. Entretanto, nesse período inter-guerras, o poder mundial deslocou-se da Europa e uma das maiores consequências da Segunda Guerra Mundial viria a ser a bipolarização do poder mundial.
O poder mundial, assim, após a Primeira Guerra mundial, deu um salto para o outro lado do Atlântico, pois os EUA saíram em vantagem em relação a todos os europeus, forçados a se reconstruir em função da destruição deixada pela guerra.
Como nosso objetivo é tratar sobre as variações ou alternâncias do poder na sociedade das nações, já se pode depreender que, desde o início do Século XX, o poder migrou para o lado norte-americano, fato que se consolidou após a Primeira Guerra Mundial.
Entretanto, antes que se inicie uma análise das influências da Segunda Guerra Mundial sobre os centros de poder, é interessante compreendermos o cenário internacional pré-Segunda Guerra, bem como durante o período do conflito, de modo que se possa compreender com clareza a nova situação do poder mundial no pós-Segunda Guerra Mundial.
No período entre a Primeira e a Segunda guerras, a Europa estava em reconstrução e os americanos desfrutavam de um crescimento invejável, apesar da crise ocorrida em 1929 (GARCIA, 1982). A Rússia, por outro lado, fechou-se ao Ocidente após a vitória da Revolução Russa, e passou a denunciar a democracia liberal e a objetivar um rápido crescimento econômico, a despeito das graves violações dos direitos humanos que viriam a ser concretizadas na consolidação do novo regime.
Segundo Júnior (2011) a França e a Inglaterra, tidas como as vencedoras da Primeira Guerra Mundial na Europa Ocidental, trataram de definir suas políticas coloniais e de firmar sua aliança, com as devidas dívidas morais e pecuniárias aos americanos, para que se mantivessem na posição de líderes na Europa.
A Itália, embora tida também como uma das vencedoras, estava ferida em seu orgulho e grandemente perturbada pela inquietação industrial. Além disso, apresentava um alto índice de analfabetismo e pobreza, o que serviu, alguns anos à frente, de grande fertilidade para o Fascismo.
Na Alemanha, os sociais-democratas assumiram o poder, procurando estabelecer uma constituição mais liberal e abandonar a resistência passiva aos franceses. Os alemães também acabaram contraindo grandes empréstimos com os americanos para pagar suas reparações. Os países credores da Alemanha, em especial França e Inglaterra, deviam aos EUA e esse dinheiro voltava para a América do Norte. Assim, o sistema inteiro passou a depender do livre fluxo de dólares da América para a Europa e havia, obviamente, um sério risco de uma quebra no eixo EUA-Europa, o que de fato aconteceu em 1929 com a crise da Bolsa de Nova Iorque.
Entretanto, a alta capacidade alemã de se reorganizar levou o país novamente a uma situação de sensível vantagem sobre os demais países europeus. Além disso, o nazismo, que surgia na Alemanha impulsionado pelo exacerbado nacionalismo alemão, avançou sensivelmente em suas ideias cada vez mais radicais em relação aos dogmas da raça ariana.
O cenário se encaminhava para a crise. De fato, depois da Primeira Guerra Mundial, os problemas vividos antes na Europa não apenas não foram resolvidos, mas ao contrário, agravaram-se com a destruição que a guerra trouxe para a infraestrutura, estabelecendo a fertilidade da crise e do conflito pós-Primeira Guerra Mundial.
A inevitável Segunda Guerra Mundial eclodiu em 1939. Com isso, novamente as alianças, motivadas puramente por interesses econômicos, começam a aparecer. As inimizades históricas, neste momento, deixaram de existir, em nome da “democraeconomia”, ou seja, dinheiro (JÚNIOR, 2011).
Com o final da Segunda Guerra Mundial (aqui dou um salto nos eventos do referido embate, visto não ser necessário um aprofundamento específico da guerra, já que nosso interesse é o poder internacional), o cenário mundial, mais uma vez, acaba se moldando aos interesses daqueles que se saíram como vencedores da guerra. Aqueles que, de algum modo, tinham o poder decisório em suas mãos nas relações internacionais, o tinham em função da capacidade bélica que atingiram para usarem para coação dos mais fracos (KEEGAN, 2006).
Segundo as palavras de Keegan (2006):
No auge do seu poder, Hitler havia controlado territórios habitados por 260 milhões de pessoas, duas vezes mais que a população dos Estados Unidos. Ele havia sido a causa direta das mortes de, no mínimo, 20 milhões … A Alemanha, que fora o Estado mais populoso e mais poderoso da Europa Central, foi dividida, ocupada, faliu e foi paralisada. (KEEGAN, 2006, pág. 127 e 128)
Ora, a referida divisão da Alemanha foi exatamente a nova marca do poder mundial. Do lado oriental de Berlim, a Rússia; e do lado ocidental, os EUA. Iniciava-se a Guerra Fria.
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A partir de 1945, houve uma prolongada inimizade entre a América e a URSS (já se usava essa abreviatura). A Ásia e partes da África foram libertadas do domínio europeu e verificou-se grande, embora precária, prosperidade no Ocidente. A Rússia, assim, no outro lado da balança, despontou como a segunda potência econômica e militar do mundo.
É interessante que se ressalte o fato que a antiga Rússia (no fim do Século XIX), mesmo mais afastada do ocidente europeu, gravitava em torno do poder, como já apontado neste artigo. Novamente, o poder retornou aos russos, dividindo-o desta feita com os EUA.
A Guerra Fria, iniciada com o final da Segunda Guerra Mundial, foi a bipolarização do poder mundial, que iria magnetizar a maioria dos países de então, mormente os mais desenvolvidos, até o ano de 1989, quando houve a queda do Muro de Berlim. Ora, o poder mundial, agora, estava nas mãos de russos e americanos.
Os russos mantiveram a política expansionista do regime, enquanto os Estados Unidos, do outro lado, iam obstando, de todos os modos, os avanços comunistas no cenário internacional. Não vamos nos ater aos motivos que impulsionaram a Rússia desde a Revolução Bolchevique em 1917[8] até o fim da Segunda Guerra Mundial, mas existiram aspectos decisivos para o avanço soviético no poder mundial, estabelecidos pela teoria conhecida como universalidade do regime.
O que manteve essa divisão de poder intacta durante tanto tempo (cerca de 45 anos), caso trabalhemos com o período 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial) até 1989 (queda do Muro de Berlim)? O que respaldou essa polarização de poder?
Será que a Organização das Nações Unidas (ONU), criada exatamente após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, em substituição à Liga das Nações (RAM, 2008), que, na realidade, deveria ser imparcial e contra essa bipolarização, não contribuiu para isso? Será que era o respeito que russos e americanos nutriam pelos direitos humanos ou pelas normas jurídicas internacionais, ou mesmo um pelo outro, seria suficiente para mantê-los intactos? Não, obviamente que não. Era a força do dinheiro, era a força das armas, era a força do status de ser uma potência.
Durante a Guerra Fria, várias direções foram tomadas por ambas as potências de então, no sentido de não perderem mais a posição de mandatárias. A corrida armamentista, a guerra espacial, as políticas econômicas, as políticas expansionistas russas e, em contrapartida, as políticas americanas de freio ao comunismo, enfim, muitos rumos que, para americanos e russos, os manteriam no auge do poder das nações.
Segundo Júnior (2011), surgiu uma falha do lado soviético. O regime de Moscou começou a não suportar a globalização e sua economia, que já vinha enfrentando grandes óbices, acabou ruindo, culminando com a tão conhecida “Queda do Muro de Berlim”. O que derrubou Moscou acabou não sendo a falta de políticas sociais, acabou não sendo o seu tão expressivo parque bélico, acabou não sendo, por si só, o regime comunista. O que derrubou Moscou foi a economia. Eles não conseguiram administrar as suas graves crises.
Em um rumo paralelo, com um comunismo não alinhado a Moscou, a China, embora com os muitos espinhos encontrados em sua Revolução Cultural, mantinha-se intacta e, de certo modo, imune aos terríveis reflexos da globalização, que nada mais foi, no início, que a ocidentalização do oriente. Essa China conseguiu se segurar e acabou crescendo, mesmo que escravizando seus trabalhadores. A União Soviética deixou de ser URSS e passou a ser a Rússia. As várias nações que se escondiam sob a capa da União Soviética resolveram tomar rumos próprios. Resolveram assumir a identidade histórica que lhes cabia, mas assumindo todos os problemas que nasceriam da independência.
Na década de 1990, além da questão econômica, outro assunto começou a incomodar as nações. A explosão das nacionalidades sufocadas pelas guerras, tratados e outras conveniências internacionais (RAM, 2008).
É aí que entra uma reflexão que nos remete às escolas das relações internacionais. Será que é tão simples gerir relações internacionais tão somente pelo direito internacional, por uma compreensão humanitária de respeito às normas e acordos firmados entre Estados?
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De acordo com Júnior (2011), outro ponto que vem afetando as relações internacionais de maneira intensa neste início de século e que teve início acelerado no final do Século XX é a questão étnica. Quanto mais surgem antagonismos motivados pela etnia, mais enfraquecimento sofre a região onde os conflitos ocorrem e, quanto mais se fortifica o espírito da nacionalidade, mais crescimento decorre dessa união nacional. Acontece que esta questão não tem afetado diretamente as atuais potências militares e econômicas, como EUA e China, ou mesmo alguns países da Europa. Essa questão é ainda realidade no continente africano e asiático e pode, ainda, dar muito assunto para os estudiosos das relações internacionais.
Conclusão
Como nosso objetivo era mostrar a relação entre força econômica e força militar ao longo de um período da história, nas relações internacionais, creio que, em parte, ele foi atingido.
O poder de decisão no cenário jurídico internacional sempre esteve ao lado de quem podia ditar as regras do jogo. O mais fraco nunca ditou as regras. Essa afirmação não tem fulcro em fortalecer ou enfraquecer uma ou outra teoria das relações internacionais. É fruto tão somente do que a história tem mostrado nos últimos dois séculos, como comprovado no presente artigo.
A Europa sempre foi o centro das decisões no concerto das nações, mas no início do Século XX seu poder começou a ser dividido com outros países, como os Estados Unidos, a Rússia e o Japão. A China, por sua vez, também sempre aparecia perifericamente como ator de força nesse contexto. Será que esses países (EUA, Rússia, Japão e China), que surgiram como atores no poder mundial, seriam capazes de pulverizar o poder europeu tão somente pelo convencimento dos tratados e convenções? Obviamente que não. Eles já possuíam força suficiente para barganhar. A força do dinheiro e a força das armas.
Com a Primeira Guerra Mundial, longe do centro nervoso dos combates, os Estados Unidos aproveitaram-se da situação para enriquecer e assumir a primeira posição na sociedade internacional. Via força econômica, comprou parte do poder britânico, francês e alemão, por meio de gigantescas somas de empréstimos a esses países para que eles se garantissem na guerra. Posteriormente, entraram na guerra para fazer França e Inglaterra vencedores e não dar chances para que eles se tornassem inadimplentes.
Após a Segunda Guerra, mais uma vez o poder da Europa tornou-se praticamente inócuo, ainda mais com a divisão de Berlim e o avanço soviético, que criou um “campo magnético do poder mundial”, que veio a ser conhecido como o período da Guerra Fria. Os pesados investimentos russos e americanos em tecnologia militar e industrial fizeram com que ambos os países se mantivessem por muito tempo na liderança das decisões mundiais.
Acontece que outras variantes são fundamentais para a manutenção estável do status de potência mundial. A questão econômica, voltada para o lado social, a questão da nacionalidade, a questão das liberdades democráticas, de um mercado mais flexível e liberal (não digo um mercado que se deixa vender por completo), entre outras, devem estar bem resolvidas, pois, caso contrário, cedo ou tarde, implodirão com a sociedade que convive com elas.
A União Soviética não conseguiu se manter com a economia desequilibrada e fechada, ao mesmo tempo em que mantinha a tutela de várias nações diferentes. Ressalta-se que, nesse caso, existiam diferenças extremas, pois dentro da própria URSS, ao mesmo tempo, era possível ver nações católicas e nações muçulmanas; ocidentais e orientais, ou seja, diferentes sendo forçados a ser iguais. Esse problema, um dia, viria à tona e enfraqueceria o império soviético.
Em que pese tantos internacionalistas discutindo teses, tratados, teorias, ensaios e mesmo as teorias das relações internacionais, não há como negar, julgando pela base histórica, a força econômica e militar nas relações internacionais.
A maioria dos juristas que se especializam em questões internacionais, bem como os estudiosos das relações internacionais (claro que não todos), por uma questão de formação acadêmica e ideológica, acaba deixando de lado a questão histórica, alinhada com a estratégica, militar e econômica, além das rivalidades étnicas e se apegam a pontos exclusivamente ligados a teorias e aspectos doutrinários.
Quando se deixa a história de lado e se mantém o foco apenas nas teorias ou escolas clássicas, é simples falar em direitos humanos, direito comunitário, direito humanitário e outros aspectos que existem muitas vezes utopicamente nos livros, mas que não são comprovados pela história.
Notas
[1] Ano da queda do Muro de Berlim. Alguns autores consideram que o conflito Leste-Oeste (ideológico) passou a ser Norte-Sul (financeiro), em alusão à Yalta e Bretton Woods, em especial Rufin (1996).
[2] Em termos de IDH: o último divulgado foi em 1998, sendo 0,766 (na 75ª posição). Fonte: www.pnud.org.br.
[3] Disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/07/100725_coreiaeuaexerciciosebc.shtml.
[4] Fonte: http://nuclearweaponarchive.org/.
[5] Nome dado às boas relações existentes entre a França e a Inglaterra no início do século XX, de 1914 a 1918. Esta expressão divulgou-se após a assinatura de um tratado entre a França e a Inglaterra em 8 de abril de 1904, sob proposta de Eduardo VII. Por ele, as duas potências acabavam de vez com suas questões e desavenças coloniais (algumas delas com muitos anos de existência), tendo em vista a prossecução de uma política comum; assim, como gesto de boa vontade, cada uma deixa livre à outra o Egito e Marrocos. Assim constituída, esta aliança vai-se afirmar de forma bem clara em determinados momentos de crise internacional; por exemplo, na conferência de Algeciras (1906) e no caso de Agadir (1911), a Inglaterra e a França surgem em bloco, impondo sua força, inclusive militar. Aliás, uma das dimensões dessa aliança era, exatamente, a intervenção/colaboração militar entre as duas potências em caso de guerra ou agressão de terceiros. O deflagrar da Primeira Guerra Mundial (1914) trouxe esta realidade à colação: a Entente Cordiale representou o bloco militar que se opôs ao avanço dos Impérios Centrais, cooperando militarmente ao longo da guerra e recebendo a adesão de países como a Itália e a Rússia (Infopedia: Porto, 2011).
[6] As Relações Internacionais se orientam segundo dois eixos básicos: o da cooperação e o do conflito. Em termos teóricos, estes eixos se dividem em três correntes básicas: o realismo, o liberalismo e o marxismo (PECEQUILO, 2010).
[7] De acordo com Hårleman (2006), logo no período subsequente à Primeira Guerra Mundial, fundou-se a Liga das Nações. Porém, esta Organização nunca foi acreditada e como consequência falhou em evitar a Segunda Guerra Mundial.
[8] Fevereiro de 1917 foi um período difícil para a Rússia. A guerra contra os alemães tomara um rumo desastroso. Após idas e vindas, Lênin foi exilado na Finlândia, mas retornou em outubro daquele ano e conduziu uma ação no dia 25 daquele mês, levando os bolcheviques a tomarem as pontes sobre o rio Neva. Os bolcheviques tomaram o poder em outubro de 1917 e posteriormente o Partido Bolchevique se transformou no Partido Comunista, permanecendo no poder durante quase todo o Século XX (DANIELS e HYSSLOP, 2005).
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