A superpotência regional turca

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Soldados americanos ao lado de veículo militar turco nos arredores de Tel Abyad, na Síria, perto da fronteira com a Turquia, em setembro de 2019 (Foto: Delil Souleiman/Agência France Presse/Getty Images).

Soldados americanos ao lado de veículo militar turco nos arredores de Tel Abyad, na Síria, perto da fronteira com a Turquia, em setembro de 2019 (Foto: Delil Souleiman/Agência France Presse/Getty Images).

Com uma população que em 2020 atingiu a marca de 82 milhões de habitantes e um contingente militar ativo de 355 mil soldados, a Turquia aspira ascender ao posto de “superpotência regional” nos próximos anos.


Além do Irã e da Coreia do Norte (esta última sob o estrito ponto de vista militar), a Turquia também aspira ascender ao posto de “superpotência regional” nos próximos anos. Para tanto, Ancara espera recriar parte do Império Otomano e lograr-se vitoriosa em seu histórico confronto com a Grécia.

Vale recordar que nos últimos 40 anos, a Grécia e a Turquia sempre estiveram à beira de uma guerra por conta da soberania sobre as águas do Mar Egeu. Historicamente, a Turquia perdeu a maior parte de seus territórios europeus nos séculos XIX e XX, enquanto a Grécia manteve a hegemonia cultural sobre estes, bem como sobre o litoral da Anatólia.

Apesar de Constantinopla (atual Istambul) ter sido conquistada pelos otomanos há quase seis séculos, populações gregas permaneceram, até recentemente, na margem oriental do Mar Egeu. DIDIER ORTOLLAND, em seu estudo sobre as disputas entre Turquia e Grécia pela região, afirma que o Tratado de Lausanne, assinado em 24 de julho de 1923, levou à fuga de 1,3 milhão de gregos das regiões de Esmirna e da Trácia Oriental, bem como fez com que 400 mil muçulmanos deixassem a Trácia Ocidental para se estabelecer na Turquia. Existem, assim, duas realidades históricas opostas, juntamente com um grande ressentimento.


Diagrama 1: Superpotências regionais do Século XXI (Elaboração do autor).

A Grécia detém soberania sobre praticamente todas as ilhas do Mar Egeu, povoadas por gregos há milênios. Algumas destas ilhas, espalhadas por todo este mar, ficam bem perto da costa da Turquia, particularmente Lesbos, Syros, Cós, Rodes e Samos, sendo que ilhas menores estão ainda mais próximas, como Megísti ou Castelorizo, que se encontra a pouco mais de um quilômetro da costa turca. Não por outras razões, – além de um almejado (e futuro) predomínio marítimo sobre o Mar Mediterrâneo –, a Turquia necessita ampliar seu poder naval, incluindo a capacidade de projeção aeronaval e anfíbia.

Nesse sentido, deve-se rememorar que em julho de 2017, ao supervisionar o lançamento de uma corveta de fabricação nacional, o presidente da Turquia, RECEP TAYYIP ERDOGAN, expressou o objetivo de seu país de construir porta-aviões próprios como parte dos esforços de Ancara para se tornar independente no campo da defesa até o final do presente decênio. Oportuno pontuar que os turcos se destacam (já há algum tempo) como grandes construtores de submarinos para sua esquadra, como a classe Reis, com contrato para o desenvolvimento de seis submarinos, com valores estimados em 12 bilhões de dólares. Tal cenário marca um salto na independência naval bélica, firmando a Turquia como um dos grandes operadores navais, valendo registrar a recém-lançada classe de navio de assalto anfíbio TCG Anadolu, embarcação qualificada como porta-aviões leve, baseada no navio anfíbio espanhol Juan Carlos I.

A princípio, os reais planos do almirantado turco eram consolidar a classe Anadolu como a principal operadora dos F-35 Lightning II, da Lockheed Martin. Contudo, tais planos foram ofuscados pelo boicote geral do Departamento de Defesa dos Estados Unidos após ERDOGAN transacionar sistemas de defesa antiaérea com a Rússia, ao arrepio dos demais membros da OTAN. Deste modo, ter à disposição um porta-aviões como o Anadolu, – ou um ainda superior –, é um divisor de águas no atual cenário do Mar Egeu, como ainda no contexto mais amplo do Mar Mediterrâneo. Alternativamente ao desmonte dos planos de incorporar o caça furtivo F-35, o Anadolu poderia servir como porta-helicópteros, transportando os AgustaWestland T129, que a Turquia produziu em conjunto com a Itália, juntamente com helicópteros de carga pesada.

Muito embora os gastos tenham sido, até o momento, reconhecidamente expressivos, há relatos de analistas navais de que a experiência da função principal da plataforma Anadolu como porta-aviões leve, – assim como o espanhol Juan Carlos I, que atua como navio de transporte de tropas e opera, também, caças AV-8B Harrier II –, abre notáveis possibilidades para que a Marinha turca adquira os caças russos Sukhoi Su-33 Flanker-D, uma reconhecida aeronave de superioridade aérea de assento único que opera em porta-aviões multifuncionais e convencionais. Além disto, favoravelmente ao incremento do poder naval turco, surgiu a hipótese de a Marinha turca recuperar o NAE São Paulo (ex-porta-aviões francês da classe Clemenceau, deslocando 32.800 t), recentemente comprada do Brasil como “sucata” (em uma operação dissimulada, que lembra a compra chinesa do Liaoning da Ucrânia em 1998), como plataforma de treinamento aeronaval, ou mesmo como porta-aviões convencional dotado de catapultas.


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Merece ser destacado que a Marinha e o Exército turco possuem grande experiência em atuação de frente e em pequenas intervenções em outras nações. Há quatro anos, havia inúmeros militares estacionados no Golfo Pérsico, e ERDOGAN construiu uma base militar na Somália para ajudar a treinar o Exército Nacional com a finalidade de combater o grupo Al-Shabbab, além de atuarem na porção norte da Síria e no Iraque contra insurgentes e, também, contra os curdos, que historicamente são considerados pelos turcos como terroristas.

A Turquia, ostentando um Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 de US$ 649 bilhões e despendendo com sua defesa US$ 12,9 bilhões (ou cerca de 2% de sua renda nacional) vem procurando, portanto, se posicionar como superpotência regional, destacando-se, junto com o Egito (que possui a classe francesa Mistral, com embarcações adquiridas da França em 2015), como as únicas nações na região que operam navios de desembarque anfíbio e porta-aviões leves, o que lhes confere uma capacidade que poucos países possuem[1].

Nessa esteira, a Turquia, com uma população que em 2020 atingiu a marca de 82 milhões de habitantes e um contingente militar ativo de 355 mil soldados (além de outros 378 mil na reserva), vem rapidamente estabelecendo uma grande e doméstica indústria militar, permitindo que Ancara possa, gradativamente, substituir seus ativos militares importados por equipamentos fabricados por sua indústria, seja através de licenciamento, seja por meio do desenvolvimento de sua própria tecnologia.


Diagrama 2: Principais ativos militares turcos em 2020 (Compilação do autor).

Notas

[1] Fonte: Canal Área Militar, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7fRKPR_mgvY

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