Novo pacto militar com os EUA e o Reino Unido desfaz programa de compra de submarinos franceses pela Austrália; a França classifica a decisão de “lamentável”, e a China diz que o acordo “prejudica a paz regional”.
Os Estados Unidos, a Austrália e o Reino Unido anunciaram ontem um histórico pacto militar para a região do Indo-Pacífico, cujo principal objetivo, embora não especificamente verbalizado, é conter o avanço da China.
A aliança foi anunciada em uma declaração conjunta do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e dos primeiros-ministros do Reino Unido, Boris Johnson, e da Austrália, Scott Morrison. Chamado AUKUS, o acordo é a maior parceria de defesa em décadas desses países, que vêm demonstrando crescente preocupação com o crescimento da presença militar chinesa no Indo-Pacífico.
O pacto inclui áreas como inteligência artificial, tecnologia quântica e segurança cibernética; no entanto, um dos pontos que mais causou polêmica foi a transferência de tecnologia para construção de submarinos nucleares para a Austrália. Os novos submarinos australianos seriam mais furtivos, mais rápidos, mais resistentes e capazes de desdobramentos por tempos mais longos do que os atuais, o que, de acordo com um funcionário americano citado pela Defense News, vai permitir que a Austrália opere em um nível muito mais alto, equiparado às capacidades americanas.
Uma declaração do Reino Unido também citada pelo Defense News diz que os britânicos vêm construindo e operando submarinos nucleares por mais de 60 anos, portanto, poderão trazer profundo conhecimento e experiência ao projeto australiano.
Até então, a Austrália planejava substituir seis submarinos classe Collins por 12 submarinos convencionais de ataque baseados na classe francesa Barracuda. A criação do AUKUS implica que a Austrália descartará o programa com a França e prevê a construção de oito submarinos de propulsão nuclear com os EUA e o Reino Unido. De acordo com o jornal Australian Financial Review, agora o governo australiano deverá anunciar um programa de extensão de vida dos classe Collins.
De acordo com o Defense News, autoridades americanas afirmaram que, embora os submarinos australianos sejam movidos a propulsão nuclear, a Austrália não pretende buscar armas nucleares e continua comprometida com seu regime de não proliferação.
Reações na França
Morrison, o primeiro-ministro australiano, disse que a decisão de cancelar o contrato com a França foi tomada devido à mudança da situação estratégica no Indo-Pacífico, que ele acredita que exige que a Austrália possua armamentos mais versáteis. Segundo Morrison, “eles [os franceses] têm sido bons parceiros. Trata-se de nosso interesse estratégico, nossos requisitos de capacidade estratégica e um ambiente estratégico alterado, e tivemos que tomar essa decisão.”
Na França, a decisão foi classificada como “lamentável”. Conforme reportado pela Agência Anadolu, altos funcionários do governo francês enfatizaram que a medida “reforça a necessidade de levantar a questão da autonomia estratégica europeia em alto e bom som”.
Jean-Yves Le Drian, ministro das Relações Exteriores francês, e Florence Parly, ministra das Forças Armadas do país, disseram em declaração conjunta que a decisão dos EUA excluiu um aliado e parceiro europeu em um momento em que são enfrentados desafios sem precedentes na região Indo-Pacífico.
Eles salientaram que a decisão “sinaliza uma falta de consistência que a França só pode notar e lamentar”, e prosseguiram acrescentando que é “contrária à letra e ao espírito da cooperação que prevalecia entre a França e a Austrália, baseada em uma relação de confiança política”.
Le Drian disse que foi “uma facada nas costas”, e acrescentou que “precisamos de explicações”. Ele lamentou a conduta dos EUA atacando o governo Biden: “Esta decisão brutal e unilateral se parece muito com o que Trump fazia.”
O secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, insistiu que a Grã-Bretanha não “foi pescar” pelo pacto, enquanto Boris Johnson disse que o relacionamento militar dos britânicos com a França “é sólido como uma rocha e estamos ombro a ombro com os franceses”.
O presidente francês, Emmanuel Macron, disse que convocará uma cúpula sobre defesa europeia envolvendo todas as potências continentais relevantes.
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A França se tornou o principal ator estratégico da União Europeia no Indo-Pacífico, e o ANKUS cria um obstáculo duradouro nas relações EUA-França. Independente das motivações dos EUA, o contrato dos submarinos australianos era visto em Paris como parte de um esforço estratégico maior e, sem dúvida, dá mais voz aos que expressaram dúvidas sobre o relacionamento com os EUA.
O governo de Macron tem razões para estar em choque. O acordo com a Austrália era considerado o “contrato do século”, com valor de cerca de AU$ 50 bilhões quando assinado e cerca de AU$ 90 bilhões hoje. A produção dos 12 submarinos sustentaria pelo menos 500 empregos, conforme estimativas do Naval Group, estaleiro francês responsável pela construção.
O Le Monde falou em “crise diplomática”: a França não perde apenas o contrato, mas também o prestígio e o valor estratégico do acordo. Benjamin Haddad, diretor do Centro Europa do think tank Atlantic Council, disse que, para Paris, o problema é maior do que meramente uma questão comercial. Segundo ele, este acordo “foi um alicerce da presença da França no Indo-Pacífico e seu aprofundamento no relacionamento com parceiros como a Austrália”.
O pacto foi interpretado em Paris mais um exemplo da insegurança americana. “A maior parte da raiva [no comunicado francês] parece ser dirigida aos Estados Unidos – não há muito sobre a Austrália”, disse Tara Varma, chefe do escritório de Paris do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
Reações na China
Zhao Lijian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, disse em uma entrevista coletiva em Pequim que “a decisão dos EUA e do Reino Unido de exportar tecnologia de submarino nuclear altamente sensível para a Austrália prova mais uma vez que eles estão usando as exportações nucleares para ganhos geopolíticos … o que é extremamente irresponsável”.
Zhao acrescentou ainda que o acordo “prejudica seriamente a paz e a estabilidade regionais, intensifica a corrida armamentista e mina o tratado de não proliferação”. Segundo ele, a China observará com atenção o desenvolvimento do AUKUS, acrescentando que os países devem “abandonar sua guerra fria e sua mentalidade de jogo de soma zero; caso contrário, vão levantar uma pedra que vai cair sobre seus próprios pés”.
O porta-voz chinês afirmou que o fato da Austrália importar tecnologia para submarinos nucleares dá motivos para que se questione sua capacidade de cumprir tratados internacionais, lembrando que o país é signatário do tratado de não proliferação e do Tratado de Zona Franca Nuclear do Pacífico Sul.
Li Haidong, professor do Instituto de Relações Internacionais da China Foreign Affairs University, disse ao jornal estatal chinês Global Times que o AUKUS está no centro do sistema de alianças dos Estados Unidos para conter a China. Segundo ele, os EUA estão usando a mesma abordagem empregada para conter a Rússia na Europa depois da Guerra Fria, para conter a China na região da Ásia-Pacífico.
Li afirma que Washington está construindo uma aliança semelhante à OTAN na região, com o AUKUS no centro, as alianças entre o Japão, Estados Unidos e a Coreia do Sul em torno dele, e o Quad num nível mais externo, porque a Índia, que não é um aliado dos EUA, pode não ser tão confiável para Washington. Esses pequenos grupos de alianças podem levar à formação de uma grande aliança liderada pelos EUA. Portanto, segundo ele, “a ameaça e o desafio que a China está enfrentando são críticos e sérios”.
Ainda de acordo com o Global Times, um especialista militar não identificado disse que, no momento, apenas países com armas nucleares têm submarinos nucleares, e que a tarefa de um submarino nuclear é lançar um ataque nuclear de segundo turno em uma guerra nuclear. Portanto, ao adquirir tal tecnologia, a Austrália passa a representar uma ameaça nuclear para outros países, pois seria fácil para os Estados Unidos e o Reino Unido implantar armas nucleares e mísseis balísticos nos submarinos australianos.
Isso tornaria a Austrália um potencial alvo de ataques nucleares, já que estados nucleares como China e Rússia estariam enfrentando uma ameaça de submarinos nucleares australianos alinhados às demandas estratégicas dos Estados Unidos. Nesse raciocínio, Pequim e Moscou não tratariam Canberra como uma “potência não nuclear inocente”, mas como um “aliado dos EUA que poderia estar armado com armas nucleares a qualquer momento”. Portanto, enfatizou o especialista, o AUKUS está colocando a Austrália em perigo e pode trazer consequências destrutivas para o país.
Para saber mais
BATCHELOR, Tom; HANCOCK, Sam. Aukus pact – live: China says deal makes Australia ‘nuclear war target’ as UK insists France relations ‘solid’. The Independent, 16 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.independent.co.uk/news/uk/politics/boris-johnson-live-aukus-pact-china-b1921350.html.
KHALIQ, Riyaz ul. China says Australia’s nuclear submarine deal damages regional Peace. Anadolu, 16 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.aa.com.tr/en/asia-pacific/china-says-australia-s-nuclear-submarine-deal-damages-regional-peace/2366410.
Experts React: The US, UK, and Australia struck a nuclear submarine deal. What does it mean? Atlantic Council, 15 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.atlanticcouncil.org/blogs/new-atlanticist/experts-react-the-us-uk-and-australia-struck-a-nuclear-submarine-deal-what-does-it-mean/.
GOULD, Joe. New pact with the US and UK is set to sink Australia’s historic submarine buy from France. Defense News, 15 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.defensenews.com/congress/2021/09/15/new-pact-with-the-us-and-uk-is-set-to-sink-australias-historic-submarine-buy-from-france/.
SHENG, Yang. Nuke sub deal could make Australia ‘potential nuclear war target’. Global Times, 16 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.globaltimes.cn/page/202109/1234460.shtml.
COOK, Cindi. ‘Regrettable decision’: France upset over AUKUS alliance snub. Anadolu, 16 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.aa.com.tr/en/europe/regrettable-decision-france-upset-over-aukus-alliance-snub/2366451.
VOCK, Ido. “Stab in the back”: How the new AUKUS pact sparked French outrage. The New Statesman, UK Edition, 16 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.newstatesman.com/security/2021/09/stab-in-the-back-how-the-new-aukus-pact-sparked-french-outrage.
O precedente foi aberto. Não há mais argumentos para criticar, quem quer que seja, que o Brasil possua sua frota de submarinos nucleares e até mesmo outros artefatos.
É mais um motivo para que o Brasil rompa de vez o tratado de não proliferação de armas nucleares, assinado pelo lixo do FHC. Um ser insignificante desse merecia apodrecer na cadeia igual ao Lula ou então ser fuzilado.
O submarino Álvaro Alberto que será o nosso primeiro submarino à propulsão nuclear, será muito bem vindo na nossa Marinha do Brasil.
A França tomou uma porrada bem certeira com essa, e com os países europeus se divergindo entre si, além de conflitarem entre eles próprios, a Rússia cada vez mais levará vantagem sobre tudo isso. A Europa está com seus dias contados!!!