Analisar a situação do Afeganistão e a acachapante vitória do Talibã, à luz dos ensinamentos de Sun Tzu, traz à luz algumas constatações surpreendentes.
A surpreendente ofensiva final do Talibã, que varreu o país em poucos dias, vencendo o Exército afegão praticamente sem luta, será exaustivamente estudada pelos principais exércitos do mundo, muito especialmente, pelos norte-americanos.
É evidente que neste momento os dados para uma análise fidedigna estão indisponíveis. Pode-se apenas inferir e especular sobre as causas do fracasso dos norte-americanos e do governo afegão, de um lado, e de outro, a acachapante e vitoriosa ofensiva final talibã.
Apesar disso, para estudiosos de estratégia, história militar e operações militares, é irresistível fazer algumas conjecturas.
Resolvi fazer as minhas, tendo como referência os ensinamentos de Sun Tzu, em A Arte da Guerra. Escolhi cinco máximas do grande general chinês, escritas há 2.500 anos, que podem ser aplicadas ao Afeganistão atual. Muitas outras poderiam ser encontradas no magistral livro. Convido o leitor a fazer esse exercício.
LIVRO RECOMENDADO:
Adaptação de prefácio de James Clavell
- Sun Tzu (Autor)
- Em português
- Capa comum
1. Logo na primeira frase do livro, Sun Tzu escreve algo que o presidente norte-americano Joe Biden certamente está sentindo na pele: “A guerra é de vital importância para o Estado. É uma questão de vida ou morte, uma estrada tanto para a segurança, quanto para a ruína. Portanto, é um tema de estudos que não pode ser negligenciado.” Ainda no primeiro, capítulo se lê: “O general que perde a batalha faz apenas poucos cálculos de antemão. Assim, muitos cálculos levam à vitória e poucos cálculos, à derrota.” As repercussões do fracasso no Afeganistão, embora evidentemente não ameacem a existência do Estado norte-americano, podem ser de vital importância para o projeto político de Joe Biden. Será que os estudos sobre as repercussões da retirada foram negligenciados? Será que foram feitos todos os cálculos necessários, ou seja, as possibilidades do Talibã foram corretamente confrontadas com as capacidades do exército afegão, no “jogo da guerra” que precede todas as decisões militares?
2. No segundo capítulo, um ensinamento valioso: “Se a campanha for prolongada, os recursos do Estado não serão proporcionais ao esforço. Assim, uma vitória rápida deve ser o principal objetivo. Se a duração da guerra for excessiva, o exército ficará fatigado e a moral, baixa. Líderes de países vizinhos despontarão para tirar vantagem tuas dificuldades. Em resumo, na guerra, faze com que teu grande objetivo seja a vitória, e não campanhas prolongadas.” Os vinte anos de guerra cobraram um preço altíssimo, em recursos financeiros e, principalmente, em vítimas, em sua maioria, afegãos. Mas também norte-americanas e da OTAN. Fatigada pela guerra interminável, e sem alcançar a vitória, os EUA e a OTAN decidiram se retirar. A China e a Rússia, “os vizinhos” apontados por Sun Tzu, já correm para ocupar o vácuo deixado pela saída dos EUA e de seus aliados.
3. “Lutar e vencer todas as batalhas não é a suprema vitória. A excelência suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar”, é um dos conselhos existentes no terceiro capítulo. De alguma maneira, que ainda será esclarecida, foi exatamente o que o Talibã conseguiu em sua fulminante ofensiva de cerca de dez dias para conquistar as principais cidades do Afeganistão. As tropas do governo foram vencidas sem lutar. Logo, os talibãs conseguiram atingir a “excelência suprema” descrita por Sun Tzu.
4. Também no terceiro capítulo está aquela que talvez seja a mais famosa passagem de A Arte da Guerra: “Se conheceres o inimigo e a ti mesmo, não temas o resultado de cem batalhas. Se conheceres a ti mesmo, mas não ao inimigo, para cada vitória, também sofrerás uma derrota. Se não conheceres nem o inimigo, nem a ti mesmo, sucumbirás a todas as batalhas.” Esta é uma premissa básica. Conhecer possibilidades e limitações do seu exército, de seus aliados e do inimigo. Incrivelmente, parece que os EUA desconheciam as reais possibilidades das tropas do governo afegão, que eles mesmos treinaram e armaram por duas décadas. Esta é uma falha tão inacreditável para uma Força Armada como a norte-americana que chego a duvidar que possa ter ocorrido. Então, resta a possibilidade de que as capacidades e limitações das tropas afegãs deixadas para enfrentar o Talibã não tenham sido informadas adequadamente aos níveis de comando. Também acho difícil que isso tenha ocorrido. Restam, portanto, duas opções: os comandantes militares sabiam e não informaram corretamente ao nível político ou, o nível político sabia e nada fez, jogando com a sorte. Certamente saberemos o que aconteceu quando a história dessa guerra for contada, nos próximos anos.
5. No capítulo 4, Sun Tzu ensina: “Os bons guerreiros, primeiro colocam-se além da possibilidade da derrota, então, aguardam pela oportunidade de derrotar o inimigo. Assegurarmo-nos de não sermos derrotados está em nossas mãos. Mas a oportunidade de derrotar o inimigo é dada por ele mesmo.” Essa lição parece ter sido executada com maestria pelo Talibã. Durante os vinte anos de permanência dos EUA no Afeganistão, o grupo se manteve, evitando a derrota final. Quando os EUA deram a oportunidade de agir, passaram à ofensiva com grande velocidade e determinação.
Meus Parabéns Coronel Paulo Filho e Velho General pelo artigo.
Excelente reflexão, mesmo passando 2.500 anos, os ensinamentos do livro “Arte da Guerra” ainda fazem total sentido.
Outro livro que também gosto de utilizar como estudo para estes casos é o “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel.
Obrigado!
Antes de finalizar a matéria em que o Coronel Paulo Filho descreve os cinco pontos, resolvi escutar o livro de Sun Tzu para entender o que seria dito, pois até então não havia lido ( agora até arrisco a dizer que é um livro para se ter na cabeceira da cama); durante esse tempo que escutava, via claramente a obra milenar na prática nesse caso do Afeganistão. Ao que parece, os Talibãs passaram esses vinte longos anos estudando A arte da guerra, e em contra partida os americanos dão a entender que passaram esse tempo desaprendendo a arte de guerrear. Os pontos que observei do audiobook foram exatamente os mesmos que o Coronel disse. A pergunta que deixo é: As Forças Armadas Americanas sabem que existe o livro A arte da guerra? Por que eles não aprenderam com o Vietnã? Hoje, caso surgisse outro Hitler, será que ajudariam a mudar o cenário mundial? Claro que existem vários aspectos que não consigo visualizar por ignorância, por não compreender a visão militar do assunto. Outros talvez sejam até compreensíveis como o aspecto geográfico, ‘tribal’, religioso. Agora, o que devemos (nós, brasileiros) fazer para o caso de nos encontrarmos em uma situação parecida? Não sei se é o caso, mas talvez pecando pelo ceticismo em relação ao Brasil,
ao mundo e à Amazônia, numa situação hipotética, seremos capazes de vencer ?