Uma série de incidentes e acidentes ao longo dos últimos anos levou congressistas americanos a encomendar um estudo sobre a US Navy; ao mesmo tempo, os programas de leitura oficiais priorizam ideologias progressistas sem apresentar contrapontos; As conclusões do relatório mostram uma tendência preocupante.
Em 12 de janeiro de 2016, duas pequenas embarcações de operações ribeirinhas da Marinha dos Estados Unidos adentraram águas territoriais iranianas perto da Ilha Farsi, no Golfo Pérsico, e foram apreendidas pela Marinha do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) do Irã. Inicialmente a US Navy alegou falhas mecânicas, e posteriormente disse que ocorreram erros de navegação. Os americanos foram liberados 15 horas depois, na sequência de negociações diplomáticas, mas o Irã divulgou fotos dos marinheiros americanos capturados.
Em 17 de junho de 2017, o contratorpedeiro USS Fitzgerald colidiu com o navio porta-contêineres MV ACX Crystal, de bandeira filipina, a cerca de 80 milhas náuticas a sudoeste de Tóquio, no Japão. O acidente matou sete marinheiros do Fitzgerald e deixou pelo menos mais três feridos, incluindo o seu comandante.
Cerca de dois meses depois, no dia 21 de agosto, outro contratorpedeiro, o USS John S. McCain, envolveu-se em uma colisão com o navio-tanque Alnic MC próximo do Estreito de Malaca. O acidente resultou em inundação de diversos compartimentos do navio, levando à morte de dez marinheiros.
Um ano atrás, em 12 de julho de 2020, o USS Bonhomme Richard, navio de assalto anfíbio, incendiou-se enquanto estava em manutenção na Base Naval de San Diego, na Califórnia. O incidente resultou em pelo menos 63 feridos e danificou seriamente o navio. As causas do incêndio ainda estão sendo investigadas. O prazo para os reparos foi estimado em cerca de sete anos a um custo de US$ 3,2 bilhões, e o navio foi descomissionado e será desmantelado.
Essa série de incidentes levou um grupo de parlamentares americanos – o senador Tom Cotton (Arkansas), os representantes Jim Banks (Indiana), Dan Crenshaw (Texas), e Mike Gallagher (Wisconsin), todos do Partido Republicano – a encomendar uma revisão sobre a Marinha americana. Sua intenção foi estabelecer se estes foram casos isolados ou se poderiam indicar questões institucionais mais amplas que estariam degradando o desempenho da força naval do país.
O trabalho foi conduzido por dois oficiais aposentados, o tenente-general Robert E. Schmidle, dos US Marines, e o contra-almirante Mark Montgomery, da US Navy. Eles lideraram uma equipe composta por funcionários do Congresso, militares veteranos e especialistas civis, que, entre setembro de 2020 e março de 2021, entrevistaram pessoal da ativa ou que passou para a reserva recentemente. No total, foram entrevistados 77 militares, a grande maioria com patentes de tenente e capitão; 67 eram do sexo masculino e 10 do sexo feminino.
O relatório identificou uma série de tendências preocupantes na liderança e treinamento da US Navy. Muitos entrevistados disseram que o treinamento de diversidade tem precedência sobre o treinamento de combate; há relatos de que a prontidão foi obrigada a dar espaço para rotinas de implantação ideológicas que nada tem a ver com questões operacionais.
O relatório chega ao mesmo tempo em que o Programa de Leitura Profissional da US Navy, sancionado recentemente pelo Chefe de Operações Navais, o almirante Michael Gilday, passa a incluir livros de cunho ideológico, entre eles o polêmico How To Be An Antiracist, de Ibram X. Kendi, sobre a teoria racial crítica. Em recente audiência do Comitê de Serviços Armados da Câmara, Gilday não reconheceu as queixas de marinheiros preocupados com o que eles dizem ser treinamento woke.
Pressionado sobre as razões de incluir esses livros, Gilday deu uma resposta nebulosa, dizendo que é “o chefe de operações navais, não um teórico”, e afirmou que queria que a lista de leitura apresentasse diversidade de pensamento. No entanto, os conceitos apresentados nesses livros não são contrapostos em nenhuma outra obra da lista.
Essas questões levaram o senador Tom Cotton e o congressista Dan Crenshaw a implantar uma linha direta de denúncias sobre essas questões.
Brent Sadler, da Heritage Foundation, escreveu em artigo recente que a missão primordial da Marinha americana é defender os EUA e seus interesses nacionais por meio da aplicação de força no mar, um trabalho de tempo integral, que deixa pouco tempo para envolvimento em política.
De acordo com o artigo de Sadler, Gilday sem dúvida foi pressionado por forças externas à Marinha. Um memorando de 1º de julho teria citado a turbulência inflamada pela campanha presidencial e a morte de George Floyd. Em resposta, Gilday formou uma força-tarefa para examinar as questões de diversidade na Marinha, mas os resultados não parecem apontar que isso seja um problema (leia o artigo de Sadler, Navy Needs a Course Correction To Avoid Politicization).
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Recomendações
Os problemas específicos levantados pelo estudo foram agrupados em seis tópicos principais:
- Foco insuficiente de liderança no combate;
- Mentalidade de defeito zero predominante e paralisante;
- Investimento insuficiente em treinamento de oficiais de guerra de superfície;
- Programas de manutenção de navios de superfície com poucos recursos e mal executados;
- Expansão de cultura de microgestão;
- Super-responsividade corrosiva à cultura da mídia.
O relatório é concluído com oito recomendações à Marinha americana, a maior parte com foco em questões de liderança e treinamento de combate:
- Priorizar o combate. Pagar para desenvolver, hospedar e utilizar ferramentas de treinamento de combate de ponta, multimissão e para tripulações de navios. Uma vez que um navio está pronto para implantação, o treinamento administrativo não deve ser priorizado pelo seu comandante. Promover na comunidade da guerra de superfície um foco melhor na missão central da Marinha de lutar e vencer em alto mar;
- Estimular a tomada de riscos. Desenvolver e conduzir capacidades experimentais de jogos de guerra em todas as áreas de concentração da frota, onde os combatentes podem desenvolver novas táticas e experimentar até o fracasso;
- Escolher um roteiro de treinamento e desenvolvimento dos oficiais de guerra de superfície, depois assegurar de que ele tenha recursos significativos e suficientes atribuídos e, então, mantê-lo por meia década ou mais. Identificar maneiras de aumentar o tempo de passadiço para os oficiais de guerra de superfície.
- Desenvolver um curso rigoroso de combate estratégico operacional para oficiais com foco de combate na integração das capacidades navais de superfície para atingir estados finais estratégicos.
- Publicar a programação anual de manutenção da Marinha de superfície e o plano de financiamento e, em seguida, fornecer um boletim informativo ao Congresso no final do ano com cada atraso/mudança no financiamento explicado (como um fator de risco acumulado). O Secretário da Marinha ou Chefe de Operações Navais deve assumir a responsabilidade e propriedade do plano.
- Tirar a política e a mídia da sala dos oficiais. Renovar a nobre tradição da Marinha de permanecer fora da política. Limitar as contas de mídia social e atividades de oficiais da Marinha, desencorajar o uso de plataformas tóxicas por marinheiros, remover todos os tópicos políticos e sociológicos da Educação Militar Profissional e substitui-los por materiais didáticos essenciais de combate. Modernizar o treinamento de relações públicas.
- Instituir uma revisão de nível de serviço para deixar o treinamento não-combatente fora dos ambientes de combate, e para avaliar e reduzir as funções burocráticas e administrativas atribuídas aos combatentes durante os desdobramentos. Capacitar os comandantes a fazer julgamentos sobre a priorização do treinamento e apoiá-los em suas decisões.
- Eliminar distrações. Instituir uma revisão para identificar e reduzir o excesso burocrático, comunicações não essenciais e encargos administrativos desnecessários. Procurar criar espaços nos calendários que possam ser usados para treinamento, doutrina e fundamentos de combate.
De acordo com o congressista Jim Banks, o relatório não mede palavras. “Como a Marinha da China excede a nossa em tamanho, a Marinha dos EUA deve estar pronta para enfrentar qualquer ameaça. Estou ansioso para implementar as recomendações do relatório e redirecionar nossa Marinha para as ameaças da China.”
O senador Tom Cotton disse que pretende trabalhar com os veteranos que produziram o estudo, com os líderes da Marinha e com os demais membros do Congresso para implementar as recomendações do relatório (faça download do relatório completo).
É de se esperar que a US Navy identifique suas prioridades da forma mais conveniente possível. Se a preocupação dos EUA realmente é a PLAN (a Marinha do Exército Popular da China), um foco excessivo em treinamento de diversidade, em detrimento das operações de combate, parece não ser o melhor caminho a seguir para enfrentá-la no Pacífico – ou em qualquer outro oceano.
´´E de lamentar *bucaneros* dos Sete mares!!!!
Bom dia, Albert! Parabéns pelo trabalho !
Muito preocupante o que essas agendas “progressistas” tem feito, se nas forças armadas americanas, já existe um espaço para tal pauta, imagina para setores civis, imagina isso ser mais importante para os pilotos de companhias aéreas do que ser mais operacional, isso é um perigo, não é nem o sinal está amarelo, mas sim o sinal está vermelho.
Mais uma dúvida, por que não tem mais o link para compartilhar no whattsapp? Sempre compartilhei essas matérias nessa plataforma.