As grandes potências militares enxergam motivos suficientes para ampliarem seus gastos militares, mesmo em meio a uma conjuntura tão adversa advinda da pandemia mundial. Os motivos estão todos os dias nas manchetes dos jornais, com a competição geopolítica sendo travada à luz do dia. O Brasil, mesmo geograficamente distante das principais disputas globais, também não pode escapar dos efeitos dessa realidade.
O Presidente Biden acaba de enviar ao Congresso norte-americano sua proposta de orçamento de Defesa para 20221. O documento propõe um orçamento de US$ 752,9 bilhões, um aumento em cerca de 1,5% em relação aos gastos previstos para o corrente ano.
Em perfeito alinhamento com o previsto na Estratégia de Defesa do país, lançada em 2018, na qual a guerra ao terror perdeu importância e a competição entre Estados passou a ser a principal preocupação da segurança nacional norte-americana, a proposta orçamentária pretende dotar as forças armadas dos recursos necessários para se contrapor às ameaças representadas por China e Rússia.
A contenção à China recebeu especial prioridade. A iniciativa chamada “Pacific Deterrence Initiative”, ou Inciativa de Dissuasão do Pacífico, recebe investimentos específicos, da ordem de 5,1 bilhões de dólares. Trata-se de uma rubrica especial, destinada a dotar o Comando do Indo-Pacífico de “recursos para capacidades militares vitais para conter a China”.
A área de Ciência & Tecnologia também foi priorizada. Estão previstos recursos para inteligência artificial, 5G, microeletrônica, cibernética, além da modernização do arsenal nuclear. Há recursos para aquisição ou modernização de diversos sistemas de armas, navios, submarinos, aeronaves, mísseis balísticos intercontinentais, sistemas de armas autônomos e remotamente pilotados e veículos blindados. Quanto aos blindados, merece destaque a destinação de um bilhão de dólares para o prosseguimento da modernização dos Carros de Combate Principais M-1 Abrams.
O documento ainda prevê recursos para o enfrentamento às mudanças climáticas e à COVID-19, além da previsão de aumento salarial ao pessoal civil e militar das Forças Armadas.
O esforço orçamentário norte-americano na área de defesa, mesmo em pleno enfrentamento da crise provocada pela pandemia, não é isolado. China, Reino Unido e Japão são outros exemplos.
O Instituto de Pesquisas da Paz de Estocolmo (SIPRI) divulgou recentemente os dados de seu levantamento anual sobre os gastos militares dos países. Trata-se de uma pesquisa consistente, internacionalmente reconhecida, que baliza os mais variados estudos sobre orçamentos de defesa por pesquisadores de todo o mundo.
A pesquisa concluiu que os gastos com defesa do mundo cresceram quase US$ 2 bilhões em 2020, um incremento de 2,6%, em termos reais, quando comparado com 2019. Esses números chamam ainda mais atenção porque foram alcançados em um ano em que o PIB global despencou 3,3%, em razão da pandemia da covid-19. E ocorreram apesar de alguns países com gastos militares importantes, como Brasil e Rússia, terem gastado em 2020 consideravelmente menos do que o inicialmente previsto em seus orçamentos.
Cinco países somados correspondem a 62% dos gastos mundiais com defesa: EUA, China, Índia, Rússia e Reino Unido. Em 2020, os gastos norte-americanos, que respondem por 39% do total global, cresceram pelo 3º ano consecutivo. Os gastos chineses, subiram pelo 26º(!) ano consecutivo. Esta série ininterrupta de aumentos jamais foi alcançada por outro país no longo histórico de pesquisas do SIPRI.
É claro que a escolha de onde investir seus orçamentos reflete as prioridades conferidas pelos governos às inúmeras necessidades que devem ser cobertas por recursos invariavelmente insuficientes, para o atendimento das múltiplas necessidades governamentais. A defesa compete com saúde, educação, segurança pública, obras de infraestrutura e um sem-número de outras necessidades que, geralmente, são muito mais demandadas e urgentes para o dia a dia dos cidadãos.
Assim, é forçoso acreditar que os governos – especialmente os das principais potências militares – veem motivos suficientes para ampliarem os gastos, mesmo em uma conjuntura tão adversa. E os motivos estão todos os dias nas manchetes dos jornais. A competição geopolítica está sendo travada à luz do dia, não podendo ser desconsiderada por planejadores nos níveis político e estratégico, estejam esses em cargos públicos ou na iniciativa privada, uma vez que interfere nas relações internacionais e nos negócios de todos os países. E o Brasil, mesmo que geograficamente distante das principais disputas, também não consegue escapar dos efeitos dessa realidade.
1 Acesse os documentos em: https://velhogeneral.com.br/download/24265/ e https://velhogeneral.com.br/download/24271/