O pioneirismo na guarda e uso de equipamentos de alta energia em uma unidade policial contemporânea, da audácia à conquista.
A gestão pública tem como imperativo buscar soluções visando a prestação de serviços de qualidade, prezando por princípios administrativos que norteiem suas ações. No tocante a segurança pública, o Brasil apresenta um cenário complexo, com elevada incidência de crimes principalmente contra a vida, com 47.773 mortes violentas em 2019 (das quais 72,5% causadas por armas de fogo[1]), como também crimes contra o patrimônio com utilização de armas de fogo.
O uso de armas de fogo como meio de consumação de crimes agrega ações violentas, que geram resultados nefastos no meio social, com o uso destes materiais por indivíduos potencializando sua capacidade de causar danos às vítimas. Temos registrado no Brasil índices elevados de apreensão de armas de fogo que podem variar conforme suas características e seu potencial lesivo. Na Paraíba foram apreendidas 27.600 armas de fogo entre os anos de 2010 a 2019. Destas, 3.754 no último ano da pesquisa, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social da Paraíba. Em uma análise macro constatamos que no Brasil foram apreendidas 105.038 armas de fogo em 2019 pelas polícias estaduais.
Desta totalidade de armas de fogo apreendidas passamos a perceber o aumento de equipamentos de alta energia, os quais são utilizados geralmente em ações específicas, em que seu uso visa garantir a posse da res furtiva. São ocorrências de ataques a instituições financeiras, a instalações policiais, evoluindo para os eventos intitulados “domínio das cidades”, em que os municípios alvos são divididos em pontos vulneráveis (pontos suscetíveis de ser atacados, por exemplo, Estabelecimentos prisionais, Instalações Policiais, Bases de guarda de valores, etc.) e alvos sensíveis (pontos que, se atacados, geram prejuízo às atividades essenciais, por exemplo, Centro Integrado de Operações Policiais, Subestações de fornecimento de energia, antenas de transmissão rádio ou de telefonia).
O aumento de ocorrências de alta complexidade gerou questionamento por parte dos operadores policiais quanto à capacidade de enfrentamento a estas organizações criminosas, que de modo ilegal tem acesso a armas de fogo de alto poder de destruição das quais fazem uso, de modo não controlado, por meio de contrabando através de países fronteiriços que dispõem destes equipamentos em larga escala. Em contrapartida, os equipamentos disponíveis para enfrentamento, até então, para as forças de segurança eram de fabricação nacional, como também dependiam da capacidade de aquisição pelos entes federados, no caso principalmente as policiais estaduais.
O legislador federal que tem competência para tratar do tema passou a buscar ferramentas que pudessem desburocratizar o processo, possibilitando uma maneira mais célere no procedimento de utilizar armas de fogo apreendidas em poder de organizações criminosas e seu perdimento em favor de órgãos de segurança pública. A destinação do armamento leva em consideração, prioritariamente, o órgão que efetuou sua apreensão, que irá analisar as especificidades do equipamento para apreciação de viabilidade de emprego operacional.
No caso do estudo específico, a PMPB (Polícia Militar da Paraíba), através do GEOsAC (Grupamento Especializado de Operações em Área de Caatinga), com sede na cidade de Pocinhos-PB, que tem como área de atuação todo o território paraibano, sendo o órgão de repressão qualificada, vinculado diretamente ao Gabinete do Comandante Geral, tendo como escopo o patrulhamento preventivo e repressivo a grupos do crime organizado e atuação em ocorrências de alta complexidade em áreas rurais ou de baixa densidade demográfica. Foi criado em março de 2017, com papel destacado no combate a grupos criminosos que agem mediante utilização de artefatos explosivos, armas de alta energia, geralmente no período das madrugadas, sendo denominado pela mídia nacional como “Novo Cangaço”, em referência ao movimento do banditismo que teve seu auge no início do século XX que tinha como modus operandi o saque de cidades e cometimento de todo tipo de atrocidades com os moradores da localidade.
Assim, a partir das primeiras intervenções em ocorrências complexas pelo GEOsAC, utilizando da Doutrina de Operações Rurais desenvolvida com características genuinamente paraibanas, foram apreendidas armas de fogo de alta energia. Em consonância com a mudança da legislação vigente, iniciou-se o procedimento de solicitação de equipamentos apreendidos de criminosos em confrontos armados, gerando assim um protocolo em todas as ações e revertendo os equipamentos em prol da defesa da sociedade paraibana, conduta pioneira no estado e referência para outras forças coirmãs.
A partir de uma visão holística sobre um problema complexo, a PMPB passou a retirar das organizações criminosas equipamentos de alto poder de destruição, com a possibilidade legal de reversão de tais recursos na melhoria das condições logísticas de enfrentamento destas, além de impedir que tais equipamentos permanecessem em fóruns e delegacias, passíveis de ser subtraídos em ações criminosas, como ocorrido em algumas cidades do Brasil. Além disso, gerando economia de recursos que podem ser investidos em outras demandas existentes no aparato de segurança pública.
O presente trabalho visa disseminar o modo procedimental para realização do perdimento de armas de fogo portáteis em prol dos órgãos de segurança pública, evitando assim que equipamentos em ótimo estado de conservação sejam destruídos pelo Exército Brasileiro e deixem de ser utilizados no combate ao crime, visando sempre a preservação da segurança pública e a busca da paz social.
Metodologia
Este estudo busca disseminar informações acerca dos procedimentos empregados para a aquisição de equipamentos oriundos de apreensões de grupos criminosos em operações policiais para emprego em prol da sociedade. Foi utilizada pesquisa aplicada, gerando conhecimento para aproveitamento prático em problemas específicos em uma abordagem qualitativa e quantitativa, tendo por base documentação formal oriunda de lei especial sobre o tema e decisões judiciais.
O interesse e a curiosidade do homem pelo saber levam-no a investigar a realidade sob os mais diversificados aspectos e dimensões. Cada abordagem ou busca admite níveis diferentes de aprofundamento e enfoques específicos conforme o objeto de estudo, os objetivos visados e a qualificação do pesquisador. É natural, pois, a existência de inumeráveis tipos de pesquisa. Cada tipo de pesquisa possui, além do núcleo comum de procedimentos, suas próprias peculiaridades (CERVO et. al, 2007; RICHARDSON, 1999).
Não cabe enumerar todos os aspectos que a pesquisa possa abordar ou transcrever todas as classificações já apresentadas. É oportuno, porém, referir à ênfase que alguns autores dão à distinção entre a pesquisa pura e a aplicada. Na pesquisa pura ou básica, o pesquisador tem como meta o saber, buscando satisfazer uma necessidade intelectual por meio do conhecimento. Já na pesquisa aplicada, o investigador é movido pela necessidade de contribuir para fins práticos mais ou menos imediatos, buscando soluções para problemas concretos. São pesquisas que não se excluem, nem se opõem. Ambas são indispensáveis para o progresso das ciências e do ser humano: uma delas busca a atualização de conhecimentos para uma nova tomada de posição, enquanto a outra pretende, além disso, transformar em ação concreta os resultados de seu trabalho (CERVO et al, 2007; RICHARDSON, 1999).
Confrontos que geraram oportunidades
As atribuições inerentes às funções constitucionais desempenhadas pela polícia militar são o policiamento ostensivo e preventivo dentro do cenário de segurança pública, na busca pela preservação da ordem pública e manutenção da tranquilidade pública mediante ações que visem impedir a consumação de atos criminosos.
Os atos de organizações criminosas que visam o cometimento de delitos complexos, como ataques a instituições financeiras, a unidades do sistema prisional ou bases de valores, são realizados com aparatos belicosos e planejamento, que visam impedir a reação da força policial, utilizando-se do fator surpresa e por vezes atacando as instalações principalmente da Polícia Militar, que está presente em todos os municípios da Paraíba, tendo naturalmente uma variação de efetivo conforme a estrutura da sociedade local.
O estado da Paraíba teve o ápice dos ataques a instituições financeiras no ano de 2015, conforme dados oficiais do Núcleo de Análises Criminais e Estatística da SEDS-PB e do próprio Sindicato dos Bancários da Paraíba. De acordo com os gráficos do Sindicato dos Bancários da Paraíba, naquele ano foram 132 ataques.
Diante do cenário catastrófico que se expunha, medidas deveriam ser aplicadas pela gestão do aparato de segurança pública como ferramenta de combate a estes delitos. Naturalmente há diferenças nos números de ataques devido à metodologia empregada por cada órgão.
O gestor da PMPB, através da análise das possibilidades viáveis de sua gestão, decidiu por criar um órgão de repressão qualificada subordinado diretamente ao Gabinete do Comandante Geral. Tal órgão deveria ter capacidade de mobilização em curto espaço de tempo em qualquer área do Estado da Paraíba, mediante ordem, por meio terrestre ou com apoio aéreo, de forma preventiva ou repressiva, com orientação da Coordenadoria de Inteligência (COInt) da PMPB para o combate a Organizações Criminosas, Narcotráfico e Associações Criminosas, prioritariamente em áreas rurais ou de baixa densidade populacional. Nascia assim o GEOsAC, o qual, desde a sua criação, passou a ser uma ferramenta importante nas ações de combate a crimes de alta complexidade.
Após processo de estruturação da Unidade e através do COSAC (Curso de Operações e Sobrevivência em Área de Caatinga), que proporcionou a capacitação necessária para o emprego de técnicas e táticas imprescindíveis ao combate desse tipo de incidência criminosa. O GEOsAC passou a operar subsidiado por dados processados da COInt da PMPB.
Operando de forma deliberada ou de natureza emergencial, as Volantes[2] do GEOsAC passaram a suplementar a tropa ordinária em operações e ações preventivas e repressivas em todas as regiões do Estado, buscando fomentar a garantia do apoio às guarnições de Unidades de Área, que não apresentam condições de modo isolado para o enfrentamento de crimes de alta complexidade. Ainda assim, as Unidades de Área são estruturas importantes em diversas ações primárias, pois por vezes conseguem dissuadir a ação do infrator, dissipando o intento criminoso ou modificando seu plano inicial de evasão, possibilitando assim a localização do causador do evento crítico. O processo de integração quanto à circunstância para o desenvolvimento de ações entre as tropas de emprego especial e o policiamento ordinário é peça chave para o êxito das operações. Esta é a resposta primária para o enfrentamento e o suporte quando do emprego da tropa especial, gerando assim um tipo de “protocooperação[3] entre estruturas internas”, sendo necessário, portanto, investimento no processo de capacitação continuada, para ratificação de responsabilidades e divisão de tarefas, proporcionando melhor qualidade do produto ofertado à sociedade.
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Como os confrontos armados passaram a ser uma constante com as Volantes do GEOsAC, diversas armas de fogo de alta energia foram apreendidas em ocorrências de ataque a instituições financeiras, passando a ser requisitadas às Comarcas e a fazer parte do material bélico utilizado tanto em ações policiais como em treinamentos executados pelos militares que compõem a Unidade. Conforme descreve Greene (2011, p. 58) “Quanto maior o número de conflitos e situações difíceis em que você se colocar, mais testada para a batalha estará sua mente.”
A guarda de armas de fogo é um problema encontrado pelas comarcas no nosso estado, como verificamos em fato ocorrido na cidade de Alagoa Grande-PB em 26 de novembro de 2019 com a subtração de 61 armas do Fórum Desembargador José Farias, as quais foram recuperadas pela PMPB [4]. A fragilidade das condições de segurança dessas edificações demonstra o risco de permanência destes equipamentos bélicos em fóruns e delegacias.
Dentro da perspectiva de enfrentamento foi verificada, após confronto armado com criminosos que haviam atacado instituição financeira no sertão paraibano, a apreensão de um fuzil que havia sido extraviado do Exército Brasileiro, sendo recuperado e após comprovação pericial e retornado, por decisão judicial, às Forças Armadas, impedindo assim sua utilização em eventos futuros, haja vista seu alto poder de destruição por ser arma de calibre restrito. A legislação descreve que armas brasonadas entregues ao Exército após apreensão não poderão ser destruídas, devendo permanecer em depósito para posterior retorno à cadeia de suprimento ou devolução à Força Singular ou ao Órgão de Segurança Pública de origem.
A PMRJ (Polícia Militar do Rio de Janeiro) é a líder em apreensões de fuzis no Brasil, tendo apreendido 505 fuzis somente em 2019[5]. É o maior número registrado até hoje e um indicativo da capacidade de enfrentamento dos grupos criminosos em relação às forças policiais. Naturalmente este número é proporcional à quantidade de armamentos com estas características em circulação naquele estado. Conjecturamos que um percentual muito efêmero de armas é utilizado pelas forças de segurança após apreendidas, sendo uma ferramenta que carece de propagação de mecanismo procedimental de reversão ao aparato estatal.
Legislação específica
A construção de uma norma tem amparo em uma necessidade que vise o bem social. Embora o sistema jurídico não se resuma à lei, esta exerce função nuclear à harmonia nas relações interpessoais. Na construção em questão, toda a fundamentação legal encontrou amparo inicialmente no Decreto nº 8.938/2016, que alterou o Decreto nº 5.123/2004 e regulamenta a Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), para dispor sobre a doação de armas apreendidas aos órgãos de segurança pública e às Forças Armadas. No entanto, ocorreram revogações seguidas da mesma matéria nos seguintes Decreto nº 9.785/2019, Decreto nº 9.844/2019 e, por fim, Decreto nº 9.847 de 25 de junho de 2019, este em vigor.
A sociedade brasileira apresenta índices elevados relativos à violência em todas as regiões, com maior ou menor incidência de acordo com especificidades locais, porém a média é de uma pessoa assassinada no Brasil a cada 10 minutos no primeiro semestre de 2020. No total, foram 25.712 assassinatos entre janeiro e junho de 2020, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública produzido pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública)[6]. Diante dos dados, é patente que os números mostram um cenário complexo para a capacidade de enfrentamento de combate ao crime organizado pela estrutura estatal.
Desta forma, as armas de fogo apreendidas, observados os procedimentos relativos à elaboração de laudo pericial e quando não mais interessarem à persecução penal, serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo máximo de quarenta e oito horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas. A doação de que trata este artigo restringe-se às armas de fogo portáteis previstas no Art. 3º, caput, Incisos I, II, III e IV, da Instrução Técnico-Administrativa Nº 11 de 9 de agosto de 2017.
Os órgãos de segurança pública ou das Forças Armadas responsáveis pela apreensão manifestarão interesse pelas armas de fogo de que trata o § 1º art. 45 do Decreto nº 9.847/2019, respectivamente ao Ministério da Justiça ou ao Comando do Exército, no prazo de até dez dias contados da data de envio das armas ao Comando do Exército.
A relação de armas a serem doadas e a indicação das instituições beneficiárias serão elaboradas, desde que: verificada a necessidade de destinação do armamento; obedecidos o padrão e a dotação de cada órgão; e atendidos os critérios de priorização estabelecidos pelo Ministério da Justiça e Cidadania, nos termos do § 2º do art. 45 do Decreto nº 9.847/19.
Os critérios de que trata a lei deverão considerar a priorização de atendimento ao órgão que efetivou a apreensão. Por meritocracia, nada mais justo que o órgão de segurança pública que efetivou a apreensão seja o primeiro a ter a opção de solicitar o equipamento. Na hipótese de não haver manifestação expressa do órgão que realizou a apreensão das armas de que trata o § 1º do art. 45 do Decreto nº 9.847/19, os demais órgãos de segurança pública ou das Forças Armadas poderão manifestar interesse pelas armas, no prazo de trinta dias contados da data de recebimento do relatório a que se refere o art. 25, § 1º da Lei nº 10.826 de 2003, cabendo-lhes encaminhar pedido de doação ao Comando do Exército.
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As armas de fogo apreendidas de valor histórico ou obsoletas poderão ser objeto de doação a museus das Forças Armadas ou de instituições policiais indicados pelo Comando do Exército.
As armas de fogo de uso permitido apreendidas poderão ser devolvidas pela autoridade competente aos seus legítimos proprietários se cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 4º da Lei nº 10.826 de 2003:
Art. 25. As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quando não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na forma do regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.886, de 2019)
Em relação a quais armas são passíveis de doação, a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército Brasileiro editou a Instrução Técnico- Administrativa nº 11 de 9 de agosto de 2017, in verbis:
Art. 3º as armas apreendidas passíveis de doação de que trata o Decreto 5.123/2004 destinam-se aos Órgãos de Segurança Pública e/ou Forças Singulares e se restringem a:
I – carabina: arma de fogo portátil semelhante a um fuzil, de dimensões reduzidas, de cano longo, embora relativamente menor que o do fuzil, com alma raiada;
II – espingarda: arma de fogo portátil, de cano longo com alma lisa, isto é, não raiada;
III – fuzil: arma de fogo portátil, de cano longo e cuja alma do cano é raiada; e
IV – metralhadora: arma de fogo portátil, que realiza tiro automático.
Parágrafo único. As armas citadas no caput não poderão ser pré-destruídas, até decisão da DFPC.
Incluído pela Lei nº 13.886 de 2019, com escopo de acelerar a destinação de bens apreendidos ou sequestrados que tenham vinculação com o tráfico ilícito de drogas, o §1º-A, arrazoa o seguinte texto.
“As armas de fogo e munições apreendidas em decorrência do tráfico de drogas de abuso, ou de qualquer forma utilizadas em atividades ilícitas de produção ou comercialização de drogas abusivas, ou, ainda, que tenham sido adquiridas com recursos provenientes do tráfico de drogas de abuso, perdidas em favor da União e encaminhadas para o Comando do Exército, devem ser, após perícia ou vistoria que atestem seu bom estado, destinadas com prioridade para os órgãos de segurança pública e do sistema penitenciário da unidade da federação responsável pela apreensão”.
No tocante à apreensão de armas de fogo, existe no Estado da Paraíba a Lei nº 9.708/2013, que trata do pagamento de valor pecuniário para cada arma de fogo sem registro e/ou autorização legal apreendidas pelas forças de segurança pública, tendo natureza jurídica de premiação meritória. O valor por cada apreensão varia de acordo com o potencial lesivo da arma apreendida e das circunstâncias, oscilando entre R$ 600 e R$ 1.500 conforme enquadramento legal.
Referência no processo
Em uma análise na linha do tempo, o primeiro ente federado a receber equipamentos bélicos com base na regulamentação presente no decreto nº 8.938/2016 foi o estado de São Paulo, que em maio de 2017 recepcionou 37 fuzis que estavam sob custódia do Tribunal de Justiça daquele Estado, sendo destinados 20 fuzis para Polícia Civil e 17 fuzis para Polícia Militar paulista, todos apreendidos em operações policiais.
A PMPB está no rol do pioneirismo, no nordeste, no procedimento de solicitação de perdimento de armamento portátil de modo protocolar em favor de uma unidade por conta de suas características de emprego. Tal prática foi iniciada em operação na cidade de Taperoá-PB em 2018, após ataque a instituição financeira, quando veio a apreender seis armas de fogo, sendo três fuzis modelo M4A1 de fabricação norte-americana, os quais foram os primeiros a serem revertidos conforme decisão judicial precursora do magistrado daquela comarca, que conforme fundamentação legal tornou o comandante do GEOsAC responsável pela guarda e uso dos fuzis em instrução e operações exclusivas da Unidade.
Baseadas em princípios administrativos, as medidas visam a economicidade de recursos públicos através do emprego de equipamentos servíveis apreendidos de criminosos, que passam a compor a estrutura de equipamentos de enfrentamento destes grupos criminosos, gerando assim condições favoráveis de paridade no combate. Na doutrina, podemos citar importante escólio sobre a economicidade, a saber:
O vocábulo economicidade se vincula, no domínio das ciências econômicas e de gestão, à ideia fundamental de desempenho qualitativo. Trata-se da obtenção do melhor resultado estratégico possível de uma determinada alocação de recursos financeiros, econômicos e/ou patrimoniais em um dado cenário socioeconômico. (BUGARIN, 2007, p. 123)
O contato com os magistrados através de reuniões, instruções e nas próprias audiências favoreceu a criação de um ambiente de confiança entre os órgãos envolvidos em todo o processo de persecução penal, seja na justiça estadual ou federal, conforme a competência de cada jurisdição.
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Na fala do presidente da AMPB (Associação de Magistrados da Paraíba), Ex.mo Sr. Juiz de Direito Max Nunes de França, verificamos a importância do empenho em conjunto de modo institucional para o combate a grupos criminosos no estado da Paraíba.
“A apreensão de armas de fogo, sobretudo de fuzis e metralhadoras, tem aumentado muito nos últimos anos. Ordinariamente, esse armamento ficava armazenado nos depósitos dos fóruns, até que houvesse a tramitação do processo em todas as instâncias, para só então ser encaminhado ao Exército Brasileiro. O procedimento legal para que se ultime a doação de armas apreendias aos Órgãos de Segurança Pública e/ou Forças Singulares é um tanto burocrático e sujeito a várias etapas, o que, em regra, inviabiliza que essas armas apreendidas cheguem com rapidez ao seu destinatário final e possam ser utilizadas em proveito da própria sociedade. Aguardar todo esse trâmite burocrático até que se ultimasse a doação definitiva tornou-se um motivo de preocupação para todos. Primeiro, porque tais armas poderiam estar desde já nas mãos da polícia, utilizando-as no combate à criminalidade e segundo, porque o armazenamento prolongado dessas armas nos depósitos judiciais colocava em risco a própria segurança do ambiente, que não dispunha de segurança suficiente para essa guarda, tornando-se assim um alvo para eventuais ataques visando sua subtração.
Diante desse cenário, e percebendo que a entrega rápida desse armamento ao seu destinatário final era uma pretensão que atendia aos interesses de todos, foi que surgiu a iniciativa de estimular os Órgãos de Segurança Pública e/ou Forças Singulares, notadamente aqueles responsáveis pela apreensão das armas, a em uma fase precedente ao pedido de doação definitiva, formularem pedidos de acautelamento para guarda provisória e uso desses armamentos, tornando assim possível sua utilização imediata.
Da mesma forma, os juízes também foram estimulados a tão logo ultimada a perícia sobre as armas apreendidas, deferirem essa entrega provisória, de preferência aos responsáveis pela apreensão, o que muito tem contribuído para a celeridade desse procedimento e redução dos riscos no ambiente forense.
A partir dessa nova sistemática, foi possível acelerar muitos pedidos de entrega provisória de armas aos Órgãos de Segurança Pública, tornando o procedimento mais célere e efetivo.
Podemos citar um exemplo de sucesso os vários pedidos de acautelamento formulados pelo GEOsAC (Grupamento Especializado de Operações em Área de Caatinga) e já deferidos nas mais diversas Comarcas da Paraíba. Por ser um órgão da Polícia Militar de repressão qualificada ao crime organizado, esse grupamento é responsável pela maioria das apreensões de metralhadoras e fuzis, e ao receber autorização para uso provisória desse armamento, pode empregá-lo da proteção da própria sociedade, fechando assim um ciclo no combate à criminalidade.”
A procura por novos meandros deve ser imperativa à gestão que busca a excelência em sua essência, e caminhos não explorados denotam possibilidades nunca antes vistas, como descreve o treinador de vôlei brasileiro (Resende, 2011, p. 95) “as oportunidades normalmente se apresentam disfarçadas de trabalho árduo e é por isso que muitos não as reconhecem”.
Conforme as incidências criminosas foram ocorrendo e as apreensões de equipamentos de alta energia sendo realizadas pelas Volantes modernas do GEOsAC, novos pedidos foram sendo confeccionados junto às comarcas das respectivas jurisdições responsáveis. Utilizando como modelo a decisão judicial da Comarca de Taperoá-PB, passamos a adquirir diversas armas portáteis de diversos modelos e fabricações, sendo naturalmente uma ferramenta documental, referência a ser disponibilizada para outras Unidades Policiais Militares da Paraíba e, quando da realização de cursos e estágios para outras coirmãs, este conhecimento é repassado como ferramenta de gestão estratégica. No gráfico da IMAGEM 06 verificamos os dados institucionais relativos à redução dos ataques a Instituições Financeiras na Paraíba na série histórica.
Considerações finais
O escopo deste estudo é a transmissão de informações pertinentes ao processo de perdimento de armamentos de alta energia apreendidos em operações policiais, especificamente ações da Policia Militar da Paraíba, através do Grupamento Especializado em Operações e Sobrevivência em Área de Caatinga-GEOsAC, proporcionando a outras organizações militares a adoção deste método que, de acordo com suas especificidades e dentro do principio de economicidade de meios da gestão pública, irão auxiliar nas condições operativas dos policiais nos confrontos com organizações criminosas que atuam com estruturas belicosas e de modo imponderável.
O legislador, ao tratar de matéria que visou desburocratizar o processo de transferência destes equipamentos bélicos para posse e uso dos policiais, contribuiu de modo efetivo para a estruturação dos aparelhos de defesa da sociedade. Fuzis que outrora seguiam para destruição por determinação legal hoje estão nas mãos de defensores da lei, que alocam suas vidas em prol de impedir condutas criminosas, como outros bens provenientes de atividades ilícitas e apreendidos ou sequestrados para uso em benfeitoria para sociedade, conforme legislação recentemente sancionada no tocante ao tráfico de drogas.
Os confrontos armados dentro da perspectiva de convívio social são constantes em uma sociedade com índices aterrorizantes de crimes, onde a violência é tão presente que se torna corriqueira, proporcionando o agravamento de condutas criminosas e o uso de equipamentos oriundos do mercado ilegal. A partir de um marco legal em que as forças de segurança, não somente passam a retirar equipamentos da posse de delinquentes, mas, mais do que isso, passam a usar tais materiais em prol da defesa social, nota-se uma evolução de procedimentos em busca do resguardo do profissional de segurança pública pelo oferecimento de meios de combate ao crime.
A construção de uma estrutura de defesa social passa pelo aparelhamento das forças de segurança. Temos diversos agentes de segurança pública que se arriscam diariamente fundamentados em valores e princípios que não se explicam por mero deleite pessoal, mas são motivados pela busca incessante da aspiração de proteger a vida de cidadãos e preservar a lei, mas que necessitam de amparo para enfrentar essa peleja. No campo de batalha, não há missão maior que retornar sãos a seus lares. Conforme análise do polímata Rui Barbosa de Oliveira (Barbosa, 1897, p.65), “Não se obtém a paz, senão aparelhando a paz”.
*Floristan Ferreira de Sousa, capitão da Polícia Militar da Paraíba-PMPB, é bacharel em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar do Cabo Branco (APMCB/PMPB), graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e possui o Curso de Operações e Sobrevivência em Área de Caatinga (COSAC/PMPB). Atualmente exerce a função de Subcomandante do Grupamento Especializado de Operações em Área de Caatinga (GEOsAC/PMPB). Contato: e-mail floristancg@hotmail.com.
Notas
[1] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf.
[2] Volante é uma tropa móvel, que pode deslocada ou movimentada a qualquer momento, e seu efetivo corresponde à importância da missão a ser cumprida em seu início.
[3] Protocooperação é uma relação ecológica harmônica (não ocorre prejuízo para nenhum individuo) e interespecífica (entre indivíduos de espécie diferentes), em que ocorrem benefícios para todos os seres envolvidos, sendo que estes podem viver de modo independente.
[4] https://www.jornaldaparaiba.com.br/vida_urbana/grupo-invade-forum-rende-juiz-e-rouba-mais-de-60-armas-em-alagoa-grande.html.
[5] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/01/14/pm-apreende-505-fuzis-em-2019-e-bate-recorde-da-decada-no-rj.ghtml.
[6] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf.
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GREENE, Robert. 33 Estratégias de guerra: Aprenda com as batalhas da história e vença os desafios cotidianos. Tradução de Talita M. Rodrigues. Produção de Joost Elffers. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
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BRASIL. Decreto nº 9.844 de 25 de junho de 2019. Regulamenta a Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, cadastro, registro, porte e comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Brasília, DF, junho, 2019.
BRASIL. Decreto nº 9.847 de 25 de junho de 2019. Regulamenta a Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, cadastro, registro, porte e comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Brasília, DF, junho, 2019.
BRASIL. Decreto nº 8.938 de 21 de dezembro de 2016. Altera o Decreto nº 5.123 de 1º de julho de 2004 que regulamenta a Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003 para dispor sobre a doação de armas apreendidas aos órgãos de segurança pública e às Forças Armadas, Brasília. DF, dezembro, 2016.
BRASIL. Decreto nº 5.123 de 21 de julho de 2004. Regulamenta a Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição e sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM e define crimes. Brasília, DF, julho, 2004.
BRASIL. Decreto nº 13.886 17 de outubro de 2019. Altera as Leis nº 7.560 de 19 de dezembro de 1986, 10.826 de 22 de dezembro de 2003, 11.343 de 23 de agosto de 2006, 9.503 de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), 8.745 de 9 de dezembro de 1993 e 13.756 de 12 de dezembro de 2018, para acelerar a destinação de bens apreendidos ou sequestrados que tenham vinculação com o tráfico ilícito de drogas. Brasília, DF, outubro, 2019.
Brasil. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/atlas-da-violencia-2020/.
PARAÍBA. Lei nº 9.708 de 25 de maio de 2012. Instituiu o sistema de bônus pecuniário aos Policiais Civis e Militares pela apreensão de armas, e dá outras providências. Paraíba, maio, 2012.
SOUSA, F. F. Análise do atual cenário de atuação do fenômeno criminoso “novo cangaço” no Estado da Paraíba: Ataque às instalações policiais e às instalações financeiras. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito). Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 45 páginas, 2017.