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Todos os países, não apenas potências como Estados Unidos, Rússia e China, empregam serviços de inteligência. Grandes potências dedicam orçamentos bilionários, países menores nem tanto. Mas nenhum pode prescindir dessa atividade. É dever de qualquer chefe de Estado proteger sua nação, e saber o que os demais países pensam ou fazem – para além de discursos de ódio ou amizade – não é apenas fundamental, é imprescindível.
Os Estados Unidos afirmam ter identificado uma grande operação de inteligência russa destinada a reunir segredos de empresas e do governo. A linha de Washington é que a operação foi bem-sucedida, mas o quê precisamente os russos coletaram não foi divulgado. O fato de a operação ser conhecida a torna ineficaz do ponto de vista de Moscou. Portanto, os americanos estão lutando para descobrir o quanto os russos descobriram, e os russos para descobrir há quanto tempo a contraespionagem dos EUA estava ciente da operação.
O fato de ter sido anunciado recentemente não significa necessariamente que foi detectado apenas recentemente, e o fato de ter sido detectado não significa necessariamente que os Estados Unidos não tenham alimentado a Rússia com desinformação. Portanto, é difícil saber quem ganhou e quem perdeu. A espionagem sempre foi um jogo complexo, seja realizado por agentes em campo, seja por hackers em um escritório confortável e seguro.
Este é um lembrete oportuno de que não apenas todas as nações se envolvem em espionagem, mas são moralmente obrigadas a fazê-lo. Cada governo é responsável pela sua segurança nacional. Talvez seja a sua maior obrigação. Para cumprir esse dever, é preciso conhecer a capacidade e as intenções de todos os governos, hostis ou amigos. O ditado de que as nações não têm amigos ou inimigos permanentes, mas apenas interesses permanentes, significa que os líderes devem estar cientes das intenções dos outros líderes. É essencial que não acreditem nas declarações dos líderes de outras nações, visto que essas declarações podem ser totalmente sinceras ou profundamente enganosas. Qualquer governo deve fazer tudo o que for possível para determinar as intenções e as capacidades ocultas de outros. E como amigos podem se tornar inimigos muito antes de publicar um comunicado à imprensa, a inteligência é um exercício de supor o pior enquanto se espera pelo melhor.
As operações de inteligência de Moscou – agora conhecidas como hacking – são, portanto, uma obrigação moral do Estado russo. Moscou deve conhecer as intenções e capacidades americanas. A política, a intenção da política externa, está na Casa Branca. A capacidade de agir frequentemente reside nas empresas americanas. Esta operação pelos russos aparentemente perseguiu ambos. O fato de os EUA não terem sido pegos realizando uma operação de tal magnitude não significa que não a tenham feito. O silêncio relativo sobre quaisquer operações dos EUA pode ser devido ao fato de que nenhuma foi detectada. Pode ser devido ao fato de que o governo russo está escondendo a intrusão para manter a credibilidade interna. Pode ser que os russos a tenham detectado e assumido o controle das operações fingindo não ter percebido.
Tudo isso é desconhecido. O que é certo é que os Estados Unidos são tão moralmente obrigados a fazer espionagem quanto os russos, e administraram com prudência uma vasta e capaz organização de inteligência. O problema é que um cidadão não tem ideia se o sistema de inteligência de seu país é capaz de servir ao interesse nacional. Ele confia nesse sistema com base não no conhecimento direto, mas sim na suposição de que pelo menos parte do dinheiro alocado à comunidade de inteligência foi bem utilizado. Mesmo uma fração do dinheiro gasto deve ser um enorme sucesso. E isso é verdade para todas as nações, embora com orçamentos muito mais modestos.
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Também é verdade que todas as nações devem ter permissão para envolver suas operações de inteligência em segredo e engano, um “guarda-costas de mentiras”, como já foi dito. O fato de não sabermos quão bem-sucedidos os hackers russos foram, nem se o exploit foi descoberto meses atrás, não é o problema essencial. Todas essas operações caem no reino da necessidade moral, e não é preciso saber. O problema surge da suposição de que os líderes eleitos do país podem não saber o quanto os EUA estavam comprometidos com essa ação, ou o quão comprometidos os russos estavam.
Esse é o dilema moral da inteligência. Um serviço de inteligência é necessário para informar os líderes sobre as intenções de outras nações. E em qualquer caso particular, pode-se aceitar um “guarda-costas de mentiras”. Mas a inteligência dos EUA é vasta em termos de pessoal e custo. É também, por profissão e por lei, obrigada a agir em sigilo. A entidade encarregada da coisa mais importante do país não pode ser prontamente julgada por sua competência por líderes eleitos, muito menos por seus cidadãos.
Um cidadão americano precisa saber que os EUA estão dando o melhor que podem, e que a China ou a Rússia, cada qual cumprindo seu dever para com suas nações, está sentindo a justa raiva dos Estados Unidos. O autor, pessoalmente, acredita que os EUA são extremamente bons, mas não tem certeza. Não pode saber, até que ponto o serviço de inteligência é competente, agindo dentro das leis que o estabeleceram. Suas missões são secretas, mas esse mesmo sigilo força a ter dúvidas sobre tudo isso.
Isso não é exclusivo dos Estados Unidos nem das democracias. A China tem um vasto serviço de inteligência e o Comitê Central chinês tem apenas pouco mais de 200 membros. Eles não têm como saber se os operativos chineses estão roubando tecnologia para uso do governo chinês, para uso de corporações chinesas privadas ou para vender para a Índia. Em teoria, eles são indubitavelmente monitorados, mas pode-se ganhar muito dinheiro ignorando-os ou manipulando-os. O processo de monitoramento de qualquer agência de inteligência em qualquer país é a antiga questão romana: “Quem guardará os guardiões?” Como você pode evitar que essas operações secretas de monitoramento sucumbam à ganância, o mais humano dos vícios?
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Nos EUA, esse problema é enfrentado de duas maneiras. Uma é realizar audiências no Congresso nas quais os questionadores não têm ideia do que fazer, nem ideia real se as respostas que obtêm estão de alguma forma conectadas com a verdade. A segunda é criar uma nova organização para monitorar o serviço operacional. Aqui, existem duas opções. Uma é nomear alguém de fora da comunidade de inteligência, o que replica o dilema do Congresso. A outra é nomear um estadista mais velho da comunidade, que investiu sua vida no serviço e que pode ser incapaz de uma ação imparcial e implacável.
A questão mais importante é a eficácia. Todas as nações podem ignorar uma medida de corrupção se o interesse nacional for atendido de forma eficaz. Mas como saber se as informações fornecidas ao presidente são precisas? Em um mundo igualmente perigoso para a Rússia e os Estados Unidos, a necessidade de inteligência é óbvia, assim como a incapacidade da liderança política de supervisionar a vasta extensão das operações de inteligência.
Stalin resolveu esse problema matando periodicamente membros de seu aparato de inteligência. Isso não o ajudou e, no final das contas, o prejudicou, mas o fez se sentir melhor. Stalin, muito mais poderoso do que Putin, Xi ou Trump, não tinha certeza de seu serviço de inteligência. Ele estava tão em dúvida que ignorou o aviso de uma invasão alemã. Não confiar no serviço de inteligência pode ser tão calamitoso quanto confiar nele.
A inteligência antes do século XX era importante, mas nada é como hoje. Agora se espalha em todas as direções em todas as nações. A natureza global dos interesses das grandes potências gera vastos sistemas que parecem se multiplicar. Todos enfrentam o mesmo dilema moral. Todos querem proteger seus países. Todos desconfiam razoavelmente uns dos outros. Todos constroem serviços de inteligência. Eles devem ter um véu de confiança, ou não podem funcionar. Mas em cada país, uma pergunta é feita: eles são realmente competentes e dizem a verdade? Em algum ponto, a solução não se sustentará.
Excelente artigo…..exemplifica a ambiguidade dos tempos atuais.
Exatamente major Aguilar! Grato por comentar, forte abraço!
Imaginem o gato e sapato que russos e americanos não fazem por aqui em terras brasileiras
Não temos política nesse sentido e nem saberíamos como tê-la, não fosse os serviços militares o BR tava na roça.
Pois é, por aqui nossos magistrados querem impedir os serviços de inteligência de trabalhar. Forte abraço!
Tem um documentário no Netflix, por dentro do mossad, ali se ver como é crucial o trabalho das forças de inteligência.
O Brasil bate cabeça pra lidar com o tráfico de drogas. Não há, pelo menos que venha a público, nenhuma ação de monitoramento das ongs que atuam na Amazônia.
Se houvesse um trabalho sério de inteligência no Brasil, em poucos anos daria pra desarticular boa parte dessas organizações criminosas.
Não se combate crimes organizado subindo o morro pra trocar tiro com soldados do tráfico. Tem que identificar e eliminar as lideranças. Tomar seus bens, causar prejuízos.
Tornar inviável e arriscado a atividade criminosa.
Brasil tem muito a caminhar. Ainda estamos engatinhando.
Concordo plenamente! Ao meso tempo, temos um judiciário que pede “explicações” sobre as atividades de nossa organização de inteligência. Temos muito, muito a caminhar. Forte abraço!
Mas aí é um problema de desenho institucional.
Não há no Brasil uma clareza sobre o papel de cada instituição, quem faz o que e qual a competência de cada com seus limites de atuação.
O MPF faz papel de polícia judiciária, a PF quer ter autonomia pra fazer o que quer, quando deveria ser a polícia judiciária, o judiciário legisla, o legislativo quer pautar o executivo. E assim vai.
Há uma bagunça institucional, onde ninguém sabe quem deve fazer o que e quais seus limites.
Se esse papel institucional estivesse delimitado, não haveria espaço pro STF agir dessa forma. Até pq o STF deveria ser somente o guardião da constituição. Mas acaba abrangendo tudo e não resolvendo nada.