O extenso e rico litoral do Brasil Colônia encorajou aventuras de diversos países e a Holanda não foi diferente, atuando em vários locais incluindo a Amazônia, Pernambuco, Bahia e o Espírito Santo. Em todos os casos, obtiveram êxito temporário até serem finalmente vencidos pelas lutas patrióticas dos luso-brasileiros e pela falência da Companhia das Índias Ocidentais, financiadora dessas operações.
A situação da Europa, em 1492, fervilhava entre disputas territoriais e religiosas, levando à uma grande movimentação de pessoas de diferentes credos e ocupações. Como destaque, observa-se a perseguição aos judeus na região. O motivo dessa diáspora devia-se à Inquisição que estava em franca atividade.
Cerca de oitocentos mil judeus foram expulsos da Espanha por questões religiosas. Estes se deslocaram para Portugal, que após passarem um tempo sendo expulsos emigraram para os Países Baixos e a Inglaterra. Em 1549, quatrocentos mil mouros abandonam a Espanha pelo mesmo motivo que os Judeus. A diferença é que eram ligados às atividades agropecuárias e artes mecânicas, atividades que consistiam em comércio em geral tais como joalherias, lojas e serviços bancários.
Aparentemente essa iniciativa dos reinos espanhóis criou uma situação negativa para o próprio país, já que a mesma entrou em decadência econômica. Os recursos financeiros foram sendo transferidos de mãos, geralmente retornando às mãos dos financistas judeus, já em terras inglesas ou nos Países Baixos.
Com as sucessões reais os Países Baixos terminaram sob o governo de Felipe II. Ao mesmo tempo, a Reforma de Lutero é absorvida no norte da Europa, em especial na Holanda. Felipe II procurou combater essa nova doutrina (considerada uma ameaça ao catolicismo), culminando numa guerra que resultaria em muitas mortes em ambos os lados.
Para combater os rebeldes protestantes foi organizada uma força tarefa de vinte mil homens, liderada pelo Duque de Alba, com a finalidade de restabelecer a ordem. Isso foi conseguido por meio de execuções e exílio de vários líderes insurretos. Um desses líderes, William Orange, reuniu adeptos e invadiu o território, cujo apoio popular foi crucial para o sucesso, já que a população estava sob o regime do Duque de Alba, cuja política fiscal era pesada. Depois de um período intenso de lutas, as diversas regiões se uniram e, sob o comando de William Orange, conseguiram a independência em 1581.
Em 1588 a Inglaterra prestou apoio ao novo país e a Espanha assinou um tratado de paz (a “Trégua de Doze Anos”), estabelecendo a República Batava. Com a reforma religiosa, o protestantismo calvinista passa a ser majoritário na nova nação. O calvinismo, como doutrina religiosa (além das questões espirituais e morais), preza pela valorização dos resultados do trabalho (seja em lucros, seja em resultados materiais em geral).
Deste modo, o país avança através de uma nova classe dominante comercial e financeira, com fortes interesses ultramarinos. Logo, a Holanda se organiza e se estabelece como uma nação com interesses multinacionais. O sistema bancário se estabelece em 1609 com a criação do Banco de Amsterdã. As grandes campanhas de navegação não teriam sido realizadas sem o financiamento do dinheiro holandês.
Em 1580, a coroa espanhola e portuguesa, liderada por Felipe II, decreta um bloqueio aos navios holandeses em todos os portos na Península Ibérica. O bloqueio incluía o arresto de navios e carga. Com isso, a Holanda foi obrigada a procurar matérias-primas em outros lugares no mundo.
Assim, em 1602, foi criada a Companhia das Índias Orientais, com a qual explorava comercialmente o Extremo Oriente fazendo frente ao monopólio luso-espanhol. Usando o know-how adquirido em apenas 10 anos, obteve grandes lucros. Os armadores holandeses passaram a produzir numerosos navios para atender as demandas comerciais da própria Holanda. Já havia em Amsterdã uma intensa atividade econômica, que incluía uma Bolsa de Valores.
O Brasil surge como fonte de riquezas, dentre as quais destaca-se o açúcar, nessa época mercadoria muito valiosa, e os olhos holandeses se voltam para o país, especialmente o nordeste brasileiro e a região de Pernambuco, polo produtor de açúcar. Assim o território do Brasil se torna objeto de invasão por embarcações holandesas e sofre várias tentativas de domínio sobre os luso-brasileiros da época.
O bloqueio português dá início a uma guerra comercial e à criação de outra companhia holandesa de comércio, a Companhia das Índias Ocidentais. Seu objetivo primário era o volume de açúcar transacionado entre o Brasil Colônia e Portugal. Duas capitanias progrediam, Pernambuco e São Vicente. A primeira, por sua proximidade com a Europa, se tornou alvo preferencial.
Assim, as principais invasões holandesas ao Brasil ocorreram em duas ocasiões: Salvador, na Bahia, de 1624 a 1625, e em Pernambuco, que perdurou de 1630 a 1654. A invasão de Pernambuco pode ser separada em três fases:
- 1ª Fase: Desembarque, conquista e primeiros combates (1630 a 1637);
- 2ª Fase: Período Nassoviano (1637 a 1644);
- 3ª Fase: Insurreição Pernambucana (1645 a 1654), que culminou com a expulsão dos invasores (mercenários de várias nacionalidades a serviço da Companhia das Índias Ocidentais).
Dessa fase, temos os primeiros resultados da criação da nação brasileira, com a mistura das três raças (branco, negro e índio). Esse amalgama resultou naquilo que nos tornamos como nação. A ocupação, no Período Nassoviano (Maurício de Nassau), trouxe um grande desenvolvimento à região, que pode ser observado até os dias de hoje.
Holandeses na Amazônia
No início dos anos 1600, uma expedição holandesa oriunda dessa região partiu do porto de Vlissingen em um pequeno e veloz veleiro chamado Gouden Haan (Galo de Ouro), com destino ao Rio Amazonas. O comandante, Pieter Adrienszon, tinha a missão de subir o rio o máximo possível para estabelecer relações comerciais com os moradores locais, em busca de ouro e pedras preciosas.
Obtiveram ajuda dos índios, e depois de alguns meses outros navios chegaram, dando início a uma colonização holandesa e à construção do Forte do Morro da Velha Pobre. No entanto, espiões relataram os fatos à coroa portuguesa, ressaltando a grande desenvoltura dos invasores com os nativos. Em 1623 os holandeses são expulsos, o Gouden Haan é levado à terra e incendiado e o forte é destruído.
Holandeses no Espírito Santo
Parte do projeto da coroa portuguesa para a ocupação do território brasileiro, a Capitania do Espírito Santo não obteve o destaque econômico esperado, mas ainda assim foi alvo de ataques dos holandeses.
Em 12 de março de 1625, os holandeses atacaram a região de Vitória sob o comando do almirante Piet Heyn, considerado um homem de pequena estatura, porém muito capaz. Sua força atracou no local que hoje é a Praça Oito de Setembro (FIGURA 1).
Dali, o almirante seguiu com 84 soldados e 166 marinheiros. Usava o fardamento da Companhia das Índias Ocidentais. Sua missão era conquistar e saquear a vila em nome do governo holandês. O local é razoavelmente protegido por sua própria topografia, sendo uma ilha circundada por uma pequena cadeia de quatro montes na direção sudeste-sul. O setor noroeste-norte-nordeste é composto por uma área de mangues que termina em uma praia, hoje denominada como Praia de Camburi. Logo na entrada, ao sul, os montes são: Morro do Moreno, Morro do Convento da Penha, Morro da atual Escola de Aprendizes de Marinheiros e Morro de Jaburuna.
Mais para dentro dessa baía temos o “Morro do Penedo” (FIGURA 2), uma pedra que delimita o atual complexo do Porto de Vitória, ao lado de Vila Velha. Parte mais estreita da Baía de Vitória, o morro servia como outro ponto de defesa contra invasões. À sua frente há o Forte de São João. Após a invasão, as defesas do forte foram reforçadas com mais peças de artilharia.
A ilha tem terreno acidentado e o conjunto de edificações importantes se situa na parte alta, que é chamada de “Cidade Alta”. No ponto de acesso à parte alta, uma jovem de 20 anos de origem luso-espanhola chamada Maria Ortiz organizou um movimento bem sucedido de resistência aos invasores.
Quando a invasão foi detectada, os sinos da igreja tocaram convocando todos para a luta. Soldados e civis lutam para rechaçar os invasores. Com a ajuda dos caciques Japi-Açu e Gato Grande, os holandeses são obrigados a recuar.
A passagem era estreita, o que facilitou a contenção da força invasora, que se viu atacada por água fervente, pedras, pedaços de madeira e o que quer que os moradores tivessem nas mãos. A ação ganhou tempo suficiente para que reforços chegassem ao local, sob o comando de Salvador Correia de Sá, e salvassem a cidade. Com o recuo dos invasores, a região voltou à normalidade.
Deste modo, a invasão holandesa foi desarticulada e o comandante Piet Heyn foi expulso da Baía de Vitória. A rua onde ocorreu a resistência hoje se chama “Escadaria Maria Ortiz” (FIGURA 3) em homenagem àquela jovem heroína que se destacou na organização do combate.
Quinze anos depois, os holandeses voltam à região e dessa vez, sob o comando do coronel Coen, tentam subir o monte onde se localiza o atual Convento da Penha. Conta a lenda que essa força foi repelida por um grande exército que desceu da montanha e que, assustada, fugiu. Em 1653, com a ajuda de um traidor português, piratas holandeses retornam ao local, saqueiam e levam todo o acervo do templo religioso, incluindo as figuras religiosas, obras de arte e escravos.
Duzentos anos depois, os holandeses retornam ao Espírito Santo, dessa vez não para roubar e saquear, mas para tentar construir uma nova vida. Há, ainda hoje, um quadro pintado nesse convento mostrando essa passagem (ROOS; ESHUIS, 2008).
Considerações finais
O que tornou o Brasil Colônia tão cobiçado? O que levou potências da época a atravessar o oceano e vir até aqui para saquear? Com quais tecnologias da época foram capazes de chegar ao litoral brasileiro e, a partir daí, avançar sobre algumas das cidades mais importantes? Com mais de 7.000 quilômetros, o nosso litoral representa ainda hoje um desafio para qualquer força invasora, e não era diferente no século XVII.
Com tecnologia limitada em termos de mobilidade e comunicação, observa-se que, mesmo assim, era possível fazer movimentações bastante precisas utilizando embarcações à vela. O invasor também contava com armas de fogo que, se por um lado, tinham pouca precisão a longas distâncias, por outro sua carga ofensiva era suficiente para causar sérios danos ao inimigo.
A Baía de Vitória já contava com alguns meios de defesa, entre elas uma fortificação no lado sul (onde hoje se encontra o 38º Batalhão de Infantaria). Adentrando a baía, no lado da ilha, encontra-se outra fortificação, chamada Forte de São João. O motivo para manter as defesas de uma região sem muitos atrativos pode estar relacionado com a possibilidade de acessar as Minas Gerais e seus minérios e pedras preciosas.
Desta forma, conclui-se que, mesmo sendo quase irrelevante em termos econômicos, a então Capitania do Espírito Santo foi capaz de atrair a atenção dos corsários holandeses com a finalidade de gerar lucros para a Companhia das Índias Ocidentais.
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O sentimento patriótico da jovem Maria Ortiz, somado ao senso de dever dos militares e de parte da população civil, gerou esse episódio pouco conhecido da nossa história, que ensina importantes lições para os dias atuais:
- embora pouco importante no contexto geral da história do Brasil Colonial, o interesse de outro povo europeu denota aspectos importantes que a região possuía, sendo um provável polo produtor de açúcar e outros produtos agrícolas;
- mesmo não tendo recursos materiais para rechaçar uma invasão e muito menos treinamento militar, um grupo de civis foi capaz de repelir uma força invasora até a chegada de uma força militar profissional;
- esse episódio serve para ilustrar que já havia senso de patriotismo e também uma disputa religiosa (catolicismo e protestantismo);
- o sentimento de brasilidade (responsável por criar um único povo, oriundo de um amálgama de raças) se fortalece e perdura até a expulsão dos holandeses em 1654.
Fica uma pergunta: teria sido o evento do Espírito Santo uma inspiração para que os luso-brasileiros da região do Recife também tivessem força moral para resistir e lutar nos Guararapes?
Referências
BITTENCOURT, Armando de Senna et al. História Militar Brasileira I: do período colonial ao monárquico. Palhoça: UnisulVirtual, 2009.
ROOS, Ton; ESHUIS, Margje. Os capixabas holandeses: uma história holandesa no Brasil. Barneveld: Koninklijke BDU Uitgevers, 2008.
Francisco Teixeira de Carvalho Neto ,NUNCA NO TEMPO de escola foi falado sobre o assunto de modo tao extraordinario. Parabéns pelo texto
Paulo, muito obrigado! Vou repassar seu comentário ao autor. Forte abraço!
hoje, que isso sirva de aprendizagem estao de olho na nossa Amazonia!!!
Exatamente Paulo! Temos que estar vigilantes! Forte abraço!
Gostei da história de baixar PDF para ler depois.
Abração
Obrigado Plinio. Foi pedido de leitores que queriam ler depois offline. Um abração!
Mais uma vez um excelente artigo, meus parabéns!
Como história nos mostra o Brasil sempre foi alvo de conquistadores seja por minérios, madeiras, produção agrícola ou território.
No entanto também sempre foram rechaçados pelos brasileiros.
Com isto fica a lição que é melhor se defender do que reconquistar de volta.
Abraços!
A História é mestra, Paulo! Um abraço!
Mais uma grande matéria sobre as batalhas do nosso Brasil colonial eu não conhecia essa jovem heroína mais um capítulo de nossa história apagado e esquecido quem dera se nós fizéssemos filmes sobre essas e tantas outras histórias esquecidas de nossos antepassados… Grande matéria velho general parabéns.
Filipe, fico feliz com sua mensagem e ainda mais se podemos contribuir, nem que seja um pouco. Muito obrigado por nos acompanhar, Forte abraço!