Por George Friedman*, do Geopolitical Futures.
A mudança do foco estratégico de Washington para a Ásia e o Pacífico em detrimento da Europa, como vinha ocorrendo até há poucos anos, não se deve a uma suposta postura isolacionista dos Estados Unidos, como acreditam alguns analistas, mas simplesmente atende aos interesses americanos.
Uma questão que vem sendo feita entre analistas internacionais, especialmente em conferências europeias, é “o que aconteceu com a liderança americana”? Esta pergunta é normalmente seguida por outra, saber se os Estados Unidos estão retornando ao isolacionismo.
É o conceito de “retorno” que confunde George Friedman, já que, na visão dele, os EUA nunca se isolaram. Segundo ele, é verdade que no período entre guerras os Estados Unidos tentaram evitar entrar uma nova guerra na Europa. Os EUA envolveram-se na Primeira Guerra Mundial para bloquear a vitória alemã e então retiraram suas tropas. Os Estados Unidos viram isso como uma guerra para acabar com todas as guerras, e os europeus cada vez mais agiam como se fosse uma trégua dentro de uma guerra. Os EUA não queriam ser arrastados para outro banho de sangue europeu e não estavam em posição de impedir o que, para os americanos, era uma interminável dinâmica europeia.
Mas, embora os Estados Unidos procurassem se distanciar da Europa, estavam envolvidos na Ásia. Opuseram-se à invasão da Manchúria pelo Japão, fornecendo força militar limitada à China, engajaram-se com as Filipinas e mantiveram uma força naval substancial no Havaí. As medidas econômicas americanas foram tão intensas que desencadearam o ataque do Japão a Pearl Harbor. Para os europeus e o que se poderia chamar de europeístas nos EUA, o fracasso em se engajar na Europa é considerado isolamento, e o engajamento substancial na Ásia é considerado irrelevante. Os Estados Unidos não estavam engajados na Europa porque acreditavam razoavelmente que poderiam ter pouca influência ali e que expandir sua influência seria muito arriscado. Não queriam repetir a Primeira Guerra Mundial e foram atraídos para a Europa por Hitler declarando guerra aos EUA após Pearl Harbor. Não está claro o que os Estados Unidos teriam feito se isso não ocorresse, mas o desejo de não ficar preso em outro banho de sangue europeu não era irracional nem irresponsável.
Assim que Hitler declarou guerra, os EUA inevitavelmente assumiram a liderança. A planta industrial americana era indispensável para a Grã-Bretanha e a União Soviética, e as forças americanas rapidamente superaram os britânicos na Europa. Os Estados Unidos foram forçados a uma guerra no Pacífico pelo Japão e a uma guerra no Atlântico por Hitler, não totalmente por opção. Tornaram-se líderes em ambos os teatros devido ao poder que exerceram. A liderança era o resultado de um desequilíbrio de poder.
Após a Segunda Guerra Mundial, tornou-se evidente para Washington que, sem a presença dos EUA na Europa, a União Soviética dominaria o continente e, ao fazer isso, ameaçaria o controle americano no Atlântico. Então os Estados Unidos ficaram na Europa, enviando tropas, organizando a economia, reabilitando a Alemanha e assim por diante. Mais importante, as forças americanas e a ameaça de armas nucleares criaram o que acabou sendo um entendimento prudente, embora difícil, entre os EUA e a Europa. Os americanos impuseram unidade aos estados fraturados como parte dessa estratégia. Foi a liderança dos poderosos sobre os fracos.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estiveram intensamente envolvidos no Pacífico, travando grandes guerras na Coréia e no Vietnã que mataram quase 100.000 americanos. Este foi um período único da história americana visto pelos aliados como a nova norma. Mas os EUA estavam engajados para enfrentar uma coalizão de estados comunistas. Ao criar uma coalizão anticomunista, os EUA suportaram um fardo econômico substancial e incorreram em riscos militares significativos. A única vantagem era defensiva – impedindo o domínio da Europa e da Ásia por uma potência rival. De outra forma, havia pouco benefício.
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O colapso da URSS e a evolução da China após a morte de Mao Zedong mudaram drasticamente a realidade global. Os europeus assinaram o tratado de Maastricht, que não preocupou particularmente os EUA, apesar de terem tido pouca influência nas negociações. A Europa estava agora livre para seguir seu próprio curso. Da mesma forma, a Ásia (particularmente o Japão) estava crescendo e, com a China se redesenhando, não havia razão para uma presença maciça lá.
A presença americana em ambas as extremidades da Eurásia não foi desencadeada por nenhuma vantagem econômica real, mas pelo interesse americano em manter o Atlântico e o Pacífico como amortecedores contra ameaças da Eurásia aos Estados Unidos. Na década de 1990, essas ameaças desapareceram e, portanto, uma nova estratégia foi necessária, e ela foi surgindo lentamente. Washington não abandonou a Europa; não havia inimigos significativos, a economia europeia estava crescendo e a necessidade de liderança americana diminuiu. É difícil morrer de velhos hábitos e instituições como a OTAN continuaram com capacidade militar enfraquecida, enfrentando uma ameaça enfraquecida. A Europa reconheceu isso e ajustou sua política de defesa para que pudesse se concentrar nas questões econômicas. Em muitos aspectos, a presença americana tornou-se anacrônica. Na última década, os EUA se concentraram em uma improvável ameaça russa à Europa, colocando tropas americanas na Polônia e na Romênia. Mas com a União Europeia tendo um produto interno bruto aproximadamente igual ao dos EUA e nenhuma ameaça militar significativa, o interesse dos EUA na Europa diminui e a necessidade europeia dos Estados Unidos se dissolve.
Os Estados Unidos são uma potência de dois oceanos. Durante a Segunda Guerra Mundial, os dois oceanos foram importantes. Durante a Guerra Fria, a precedência mudou ocasionalmente. Agora, o interesse dominante dos Estados Unidos é conter o poder naval chinês por meio do controle de suas águas litorâneas. Os EUA têm um enorme sistema de alianças fazendo exatamente isso. Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Austrália são formal ou implicitamente aliados. Vietnã, Indonésia e Índia não estão formalmente comprometidas, mas têm interesses paralelos aos dos Estados Unidos em relação à China. Ele cria uma linha de contenção das Aleutas ao Estreito de Malaca e no Oceano Índico. Como na Guerra Fria, a estratégia dos EUA é a contenção e uma estrutura de aliança construída em torno do grande poder americano. Ele foi projetado para tornar uma ofensiva chinesa muito arriscada para Pequim, ao mesmo tempo que contém a China a um alto custo financeiro, mas com baixo risco militar.
Portanto, a resposta à pergunta original – “O que aconteceu com a liderança americana”? – é que a história avançou e a Europa pode e conduz a si própria. Quaisquer que sejam os riscos que a Europa enfrenta, eles devem ser tratados por meio da liderança europeia e, quando necessário, um certo grau de força dos EUA pode aumentá-los. Os interesses exigem que os EUA se concentrem no Pacífico, assim como tem feito desde antes da Segunda Guerra Mundial. A liderança americana é facilmente aparente lá.
Em outras palavras, a liderança dos EUA vai para onde os EUA têm interesse significativo. A Europa não precisa da liderança americana em economia ou defesa. Os EUA têm um interesse abrangente na Ásia. Não tem vontade ou meios para obrigar a uma ação europeia significativa, nem os europeus estão interessados em dá-la. A ameaça de uma invasão russa da Europa é pequena, mas os EUA assumiram compromissos prudentes nos países da linha de frente.
Os Estados Unidos não são isolacionistas, não pretendem ser e nem poderão arbitrar disputas europeias. Os europeus viveram um período de grande envolvimento econômico e militar americano. Esse período acabou. As estruturas da aliança podem permanecer no lugar e as reuniões podem ser realizadas com a emissão de comunicados, mas a história mudou. Assim como os EUA.
*George Friedman é analista geopolítico e estrategista de assuntos internacionais mundialmente reconhecido. É fundador e presidente da Geopolitical Futures, um think tank especializado em relações internacionais e política externa americana. É autor de diversas obras, dentre as quais os best-sellers “Os próximos 100 anos” e “A próxima década”.
Excelente Artigo, obrigado pela tradução, Albert.
Rogerio, eu é que agradeço por nos acompanhar. Um abraço!
O Brasil também faz parte dessa esfera de influência americana? Acho que essa aproximação entre os dois países tende a ser promissora.
otimo artigo
super muito bem escrito
clarissimo para entender
Muito obrigado, Paulo. Forte abraço!
Muito bom o artigo.
Um panorama bem claro na linha do tempo.
Obrigado por compartilhar.
Miguel, muito obrigado. Forte abraço!