A manipulação das grandes potências pelos países periféricos

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Imagem: World Map Globe, PNGWAVE.

A doutrina polemológica não registra nenhum estudo sério, aprofundado e, sobretudo, bem alicerçado sobre a notável habilidade dos denominados países periféricos de, explorando com maestria a rivalidade das grandes potências, lograrem obter indiscutíveis vitórias em emblemáticos conflitos patrocinados, em lados opostos, pelas mesmas (reconhecidamente providas de poder nacional infinitas vezes maior).

A esse especial respeito, os mais diversos exemplos históricos podem ser mencionados, tais como: a consolidação da vitória castrista na insignificante ilha de Cuba, no contexto da Crise dos Mísseis de 1962; a exitosa política dos revolucionários do inexpressivo Vietnã, em diversos momentos temporais relativos à segunda metade do século XX, a exemplo do triunfo daquele pequeno país contra a definitividade da divisão em dois diferentes Estados, na altura do paralelo 17, proposta pela União Soviética em 1957 (cf. DEMÉTRIO MAGNOLI; História das Guerras: Guerras da Indochina, Editora Contexto, São Paulo, 2006, p. 404), ou mesmo a (sigilosa) proposta, em termos relativamente assemelhados, da China em 1965 (temerosa de que o Estados Unidos invadisse o território do Vietnã do Norte, reunificando, pela força de seu poderio, todo o país, sob os auspícios da OTASE), ou ainda, poucos anos mais tarde, a proposta soviética, no contexto de seu conflito fronteiriço com a China, de estabelecer uma zona de influência definitiva norte-americana em todo o território vietnamita, em troca da celebração de um compromisso de não intervenção estadunidense em um eventual conflito soviético-chinês; dentre tantas outras emblemáticas situações no contexto geopolítico, notadamente do pós-Segunda Guerra Mundial.

Em todas essas situações, verificou-se, ao final do episódio epigrafado, que os verdadeiros vitoriosos acabaram não sendo nenhuma das grandes potências em confronto indireto por áreas de influência geopolítica, e tampouco o povo residente nessas nações oprimidas (como sempre apregoam e imaginam os incorrigíveis românticos idealistas), mas, ao reverso, os tiranos e seus respectivos movimentos armados (travestidos de revolucionários, sob as mais diferentes rotulagens ideológicas) que assumiram o poder, afirmando-se como os verdadeiros vitoriosos do confronto, ainda que indiscutivelmente dotados de menor poder relativo.

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Nessa seara, vale consignar que, historicamente, o temor reverencial em relação ao esmagador poderio econômico e militar dos Estados Unidos, desde o imediato pós-guerra, nunca foi muito bem explorado pelos mesmos, – resultado de uma combinação (no contexto da vitória da concepção ideológica liberal anglo-americana) de um governo inglês (CLEMENT ATTLEE, 1945-51) de feição esquerdista (e que ingenuamente acreditava obter um acordo com a União Soviética, evitando a Guerra Fria) e, do lado estadunidense, o próprio despreparo político (e a deficiente visão estratégica) do presidente TRUMAN (1945-52), adicionado, ainda, a uma crença popular presente na sociedade norte-americana que imaginava que a ONU (e não os EUA diretamente) pudesse policiar o mundo, assegurando a estabilidade e a segurança internacional –, o que acabou, em certo aspecto, acompanhado da baixa determinação nacional dos EUA de se impor como uma “polícia mundial” (fruto de resíduos, ainda que pouco estudados pela doutrina, de uma política isolacionista que perdurou entre os dois conflitos mundiais), por desenvolver um estranho contexto de fraqueza relativa, fazendo com que o pejorativo apelido de “tigre de papel” (antiga expressão chinesa que se refere a algo aparentemente ameaçador, mas que em realidade é inofensivo), cunhado por MAO TSÉ TUNG durante entrevista à jornalista norte-americana ANNA LOUISE STRONG em agosto de 1946, se tornasse, no contexto da Guerra Fria, uma efetiva realidade.

Ainda que o desenho dessa concepção de fortalecimento dos poderes estatais periféricos tenha sido inaugurado com o desastroso colapso das instituições militares no Sudeste Asiático, ante o violento ataque das forças militares japonesas no final de 1941 e no início de 1942, erradicando a crença de que o “homem branco e seus regimes eram inerentemente superiores aos povos coloniais que dominava” (cf. JAMES LACEY e WILLIAMSON MURRAY; As Batalhas Mais Decisivas da História: DIEN BIEN PHU, Editora CULTRIX, São Paulo, 2013, p. 406), o fato é que a extraordinária superpotência estadunidense, que emergiu dos escombros da Segunda Guerra, por si só representava um surpreendente elemento de poder real no contexto das relações internacionais (agora com inédito alcance global), cuja lógica não era indicativa de ser possível qualquer tipo de desafio confrontativo, exceto pelo eventual poder contra-pontual exercido pela União Soviética, sobretudo após a explosão de sua bomba atômica em 1949 (rompendo o anterior monopólio norte-americano).

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*Reis Friede é desembargador, presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, professor emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Pode ser contactado através do e-mail: reisfriede@hotmail.com.


 

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2 comentários

  1. Pequenos gigantes que souberam tirar o máximo proveito de seu conhecimento do local e das fraquezas das potências ocidentais. No caso do Vietnã, por exemplo, mesmo tendo ganho todas as batalhas, os EE.UU. não cumpriram o objetivo da campanha. Tanto que Saigon hoje não se chama “Lyndon Johnson City”… Forte abraço!

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