Por Cel Cav Paulo Roberto da Silva Gomes Filho* |
“Nas guerras civis do presente, esvaiu-se a legitimidade. A violência libertou-se completamente da fundamentação ideológica”
Hans Magnus Enzensberger
Recentemente, as páginas dos jornais passaram a relatar grandes manifestações populares, em diferentes partes do mundo que, via de regra, descambam para a violência, inclusive com mortes de manifestantes, agentes de segurança ou civis. Cenas de enfrentamento entre populares e policiais equipados com equipamentos anti-distúrbios, nuvens de gases lacrimogêneos, carros, prédios e barricadas em chamas tornaram-se comuns em lugares tão díspares quanto distantes entre si, governados por comunistas ou liberais, progressistas ou conservadores, religiosos ou ateus, banhados pelo Pacífico ou pelo Atlântico, no Ocidente ou no Oriente. Chile, Hong Kong, Bolívia, Equador, Haiti, França, Espanha, Líbano, Iraque e Indonésia foram palco de cenas muito parecidas.
Não há uma causa comum determinável para esses acontecimentos. No Chile, os protestos se iniciaram em razão de um aumento nos preços dos transportes urbanos. Em Hong Kong, a causa foi uma nova lei de extradições. Na Espanha, os catalães protestaram em razão da prisão de líderes do movimento separatista. No Líbano, o motivo foi exigir a queda do governo incapaz de resolver os problemas econômicos. Os haitianos foram às ruas por não suportar mais o completo caos político, econômico e social. Em Paris, as causas iniciais dos protestos dos “coletes amarelos” foram os aumentos de impostos e custo de vida.
Protestos são a forma de que as pessoas dispõem para se fazerem ouvir quando os canais oferecidos pela organização política dos Estados não estão disponíveis ou se mostram ineficientes. Martin Luther King dizia que são “a linguagem dos que não são ouvidos”. Todos os exemplos acima comprovam que as causas iniciais dos protestos, mesmo diversas, têm em comum o fato de serem reivindicações legítimas e bem definidas. Entretanto, há outro ponto que os une: muito rapidamente as manifestações ganham novos e variados objetivos e são tomadas por episódios de violência crescente e incontrolada.
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Essa violência cobra um preço alto em vítimas civis e agentes de segurança pública. Em patrimônio público e privado. Em deterioração econômica e institucional. E é o fato de ser a violência o ponto comum que assemelha eventos tão distantes entre si que provoca a pergunta: há uma causa comum, um estopim para deflagrar a cenas de vandalismo, de enfrentamento, tão parecidas entre si que tornam impossível se distinguir à distância se ocorreram em Santiago do Chile ou em Hong Kong?
Alguns articulistas na imprensa nacional e internacional respondem identificando uma espécie de mal-estar social, causado por uma série de fatores. Crescimento econômico frustrante, desigualdade social, corrupção, falta de liberdade política, todos esses fatores apresentados como geradores de uma grande frustração, que permanece encubada até o momento em que há uma explosão. A partir de um pretexto inicial, os eventos se aceleram em uma espiral de violência incontrolável.
O intelectual alemão Hans Magnus Enzensberger também tem sido lembrado na busca por explicações. Em ensaio publicado em 1995, ele tratou do tema, sob a perspectiva da época, cunhando um novo conceito, o da chamada “guerra civil molecular”. Segundo a visão pessimista do intelectual alemão, que escreveu impactado pelo fim da bipolaridade e pela guerra na Iugoslávia, as guerras não seriam mais entre estados nacionais, passando a ser travadas no coração das sociedades. Seria um fenômeno urbano, de vandalismo e violência nas cidades. As ações seriam caracterizadas pelo “autismo e pela falta de convicção. Seriam lideradas por vanguardas de jovens movidas pelo simples desejo de agressão, sem nenhum conteúdo ideológico”.
Ao caldo de “mal-estar social”, frustração ou simples agressividade, há que se acrescentar os fenômenos da instantaneidade das comunicações, das redes sociais, das fake news e da chamada “guerra de narrativas”. Correntes de opinião influentes se formam e se sobrepõem, umas às outras, em um ritmo frenético, ao sabor de comentários nas redes sociais. Quando uma dessas ondas coincide com os gritos das multidões nas ruas, os protestos virtuais impulsionam os reais, que realimentam o mundo virtual com imagens transmitidas por milhões de celulares ao vivo, em um ciclo difícil de ser quebrado.
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Em meio a tudo isso, é importante considerar ainda que há grupos, nacionais e estrangeiros, interessados em fomentar e tentar conduzir os protestos na direção de seus próprios interesses. Esses grupos atuam com profissionalismo e objetivos bem definidos, muitas vezes produzindo e disseminando informações falsas ou fora de contexto.
Face a tantas variáveis, governos de todo o mundo têm se mostrado incapazes de oferecer respostas e de lidar com essas situações. Estão presos a estratégias de comunicação ultrapassadas, que não reagem com a rapidez necessária às demandas sociais. São incapazes de detectar as “ondas” em seu início ou de proteger suas sociedades de manipulações ou orquestrações.
Hannah Arendt escreveu, em 1951, que “provavelmente, jamais faltou ódio ao mundo, no entanto ele evoluiu ao ponto de tornar-se um assunto político decisivo em todos os assuntos públicos… (o ódio) penetrou em cada poro da vida cotidiana e pôde disseminar-se em todas as direções e assumir as formas mais fantásticas e imprevisíveis… cada um passou a ser contra cada um e, sobretudo, contra os vizinhos.” Os acontecimentos recentes nas mais diferentes partes do mundo parecem afirmar que suas palavras permanecem atuais. Espera-se que as sociedades encontrem as melhores maneiras para mediar os conflitos e serenar os ânimos.
*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. Foi instrutor da AMAN, EsAO e ECEME. É mestre em Ciências Militares pela ECEME e realizou o Curso de Estudos de Defesa e Estratégia na Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China, entre 2015 e 2016. Comandou o 11º RC Mec. Atualmente exerce a função de assistente do Comandante de Operações Terrestres, além de ser o gerente do Projeto Combatente Brasileiro (COBRA). Pode ser contatado pelo e-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br.
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Interessante é notar que a Rússia e China estão com a internet blindada, não como está no resto do mundo mas me parece que estamos diante de uma nova e letal versão de política e guerra, onde as disputas são online num primeiro momento e depois vem os protestos.
Vamos acompanhar, o futuro está batendo.
A Rússia está implantando a sua digamos própria Internet, na verdade querem ter as bases na Rússia, já que as mesmas ficam localizadas principalmente nos EUA.
A China realmente controla a Internet.