Por Albert Caballé Marimón* |
Com o fim da Guerra Fria, o B-52 perdeu seu papel tradicional e a USAF procurou novas formas de utiliza-lo. A invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990 deu à aeronave a oportunidade de novamente provar seu valor, e as equipes que o voavam souberam aproveitar a chance. Voando a partir de bases no Oceano Índico, Grã-Bretanha, Espanha, Arábia Saudita e até mesmo dos EUA, o grande bombardeiro esteve na vanguarda da campanha e fez o primeiro ataque da Guerra do Golfo.
O B-52 Stratofortress, apelidado de “BUFF” (Big Ugly Fat Fucker; fontes mais “comportadas” afirmam ser Big Ugly Flying Fellow), é um bombardeiro pesado, subsônico, de longo alcance capaz de operar a altitudes de até 50.000 pés. Voou pela primeira vez em 15 de abril de 1952 e teve sua IOC (Initial Operational Capability, Capacidade Operacional Inicial) declarada em junho de 1955. Setecentas e quarenta e quatro aeronaves foram produzidas até outubro de 1962. A aeronave recebeu inúmeras modificações, incluindo novos aviônicos, melhorias em contramedidas eletrônicas e várias outras.
No auge das operações aéreas na Guerra do Golfo, um total de sessenta e oito bombardeiros B-52G chegaram a ser implantados em quatro bases aéreas:
Tabela 1 – Bases de Operação dos B-52
Apesar da idade avançada, poucas missões tiveram que ser abortadas; sua taxa média de missão foi de 86,2%. O B-52 não sofreu nenhuma perda em combate.
Embora representassem 3% do total de aeronaves em combate na Guerra do Golfo, os B-52s voaram um total de 1.741 missões em 15.269 horas de combate e despejaram mais de 72.000 bombas e munições num total de 27.000 toneladas, ou 30% da tonelagem total lançada pelos EUA em toda a guerra.
Tabela 2 – Munições
No início da operação, os B-52Gs foram usados em ataques noturnos a baixa altitude contra alvos estratégicos usando FLIR (Forward Looking Infrared, sensor infravermelho de visão frontal) e sensores de TV para melhorar a penetração noturna. Após atingir as refinarias de petróleo de Uwayjah na terceira noite da campanha aérea, um dos B-52G aparentemente foi atingido por um míssil ou artilharia antiaérea, mas retornou com segurança à sua base. A partir daí, os B-52 passaram a ser empregados apenas em ataques a grande altitude. Quando a Coalizão obteve a supremacia aérea, eles passaram a operar a qualquer horário.
O B-52 foi muito empregado contra concentrações de tropas, divisões da Guarda Republicana, bunkers e outros complexos logísticos. Foram usados também para destruir as estruturas que os iraquianos construíram para repelir um esperado ataque anfíbio. Realizaram missões de interdição contra fábricas de munição, centros de armazenagem, refinarias de petróleo, depósitos de combustível, instalações de produção e armazenamento de mísseis Scud, instalações industriais e bases aéreas.
LIVRO RECOMENDADO:
B-52 Stratofortress: The Complete History of the World’s Longest Serving and Best Known Bomber
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O B-52G também funcionou bem como arma psicológica. Antes do início da ofensiva terrestre, suas tripulações lançavam panfletos de guerra psicológica para alertar as forças iraquianas que os B-52 estavam chegando. Após o ataque, lançavam mais panfletos avisando aos iraquianos que voltariam. O general Norman Schwarzkopf, comandante das forças de terra, preferiu usar o B-52 contra a Guarda Republicana, mas rejeitou o termo “bombardeio intensivo”; segundo ele, isso “tende a parecer algo indiscriminado, em massa”.
Grande parte do esforço aéreo se concentrou em atacar o equipamento das forças armadas iraquianas no KTO (Kuwaiti Theater of Operations, Teatro de Operações Kuaitiano). Os ataques aéreos visavam destruir ou danificar porcentagens mensuráveis e quantificáveis de tanques, veículos blindados de transporte e peças de artilharia do exército iraquiano. Ironicamente, quando a guerra terminou, constatou-se que o B-52, mesmo sendo a plataforma de menor precisão no inventário da Coalizão, foi a que obteve o maior impacto no moral.
O B-52 preparou o campo de batalha para o assalto terrestre, lançando bombas MK-82 de espoleta dupla projetadas para destruir barreiras e obstáculos como cabos de concertina. Perto do fim da guerra, os B-52 despejaram bombas CBU-87 nas colunas de tanques e veículos iraquianos ao longo das estradas que levavam ao norte, para fora do Kuwait.
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Desert Storm Air War: The Aerial Campaign against Saddam’s Iraq in the 1991 Gulf War
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O início: operação “Senior Surprise” (“Secret Squirrel”)
Na manhã do dia 16 de janeiro de 1991, cinquenta e sete tripulantes do 596º Esquadrão da 2ª Ala de Bombardeiros em Barksdale, Louisiana, voaram a operação inicial da guerra com sete B-52G. A missão de ida e volta ao Iraque durou 35 horas e totalizou 22.000 km. Exigiu quatro reabastecimentos aéreos para cada B-52 e foi a mais longa missão de combate aéreo até então. Além dos KC-135 da base aérea Robins, Geórgia, que os reabasteceram no Atlântico, foram utilizados KC-135 da base de Lajes, nos Açores e KC-10 da base Morón, Espanha.
Essa foi também a primeira operação com CALCM (Conventional Air Launched Cruise Missile, Mísseis de Cruzeiro Convencionais Lançados do Ar), empregando 35 mísseis AGM-86C guiados por GPS (a Guerra do Golfo foi a primeira em que o GPS foi utilizado para guiar aeronaves, armas, tanques e tropas).
Oficialmente chamada de “Senior Surprise”, a operação ficou conhecida como “Secret Squirrel” (“Esquilo Secreto”). Sua missão era destruir as instalações de comando e controle iraquianas, cegando os comandantes e negando informações sobre quantos aviões aliados estariam voando, em que direção e quais seriam os possíveis alvos. A avaliação de resultados estimou que entre 85% e 91% dos alvos foram destruídos. A operação permaneceu classificada até 16 de janeiro de 1992, quando membros das tripulações foram condecorados.
Infográfico da Operação
Missões
À medida em que a campanha aérea evoluiu, os B-52 realizaram missões de ataque a diversos alvos, tanto estratégicos como táticos. Alguns destaques das missões dos B-52 na Operação Tempestade no Deserto:
- Foram realizados noventa e nove ataques contra aeródromos, aeronaves em solo e infraestrutura de apoio a aeródromos utilizando bombas de uso geral e bombas de fragmentação.
- Trezentos e três ataques foram feitos contra alvos estratégicos, tais como instalações de comando, controle e comunicações, plantas industriais, instalações nucleares, químicas e biológicas e de mísseis balísticos de curto alcance; interdição de alvos como áreas de armazenamento de petróleo, óleo lubrificante e ferrovias. A maioria destes ataques foram realizados a grande altitude com empregando armas guiadas por radar.
- Os B-52 fizeram 1.175 ataques contra a Guarda Republicana, blindados, unidades mecanizadas e de infantaria. A grande carga de bombas e alcance do B-52 o tornaram muito eficaz nessa função.
A capacidade do B-52 de voar com grandes cargas por grandes distâncias sem necessidade de reabastecimento liberava os tankers para outras missões. O comando aéreo evitava usa-los em áreas de maior ameaça; em operações onde havia riscos mais significativos, eles operavam em conjunto com Wild Weasels* ou com aeronaves em CAP (Combat Air Patrol, Patrulha Aérea de Combate).
*“Wild Weasel” é o nome de código dado pela USAF para aeronaves de qualquer tipo equipadas com mísseis de busca por radar e encarregada da supressão das defesas aéreas inimigas.
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B-52 Stratofortress Units in Operation Desert Storm
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A Batalha de Khafji
Embora a batalha de Khafji tenha absorvido apenas uma pequena parte dos ativos aéreos da Coalizão, ela trouxe o primeiro desafio real à capacidade de resposta dos recursos de CAS (Close Air Support, Apoio Aéreo Aproximado) e BAI (Battlefield Air Interdiction, Interdição Aérea do Campo de Batalha). Na noite de 29 de janeiro de 1991, as forças iraquianas cruzaram a fronteira em três lugares: Ras Al Khafji, Wafrah e Umm Hujul. As forças da coalizão, principalmente as tropas terrestres sauditas, em conjunto com a 3ª Ala Aérea dos Marines e o Comando de Componentes Aéreos da Força Conjunta, repeliram os ataques.
A pedido do comandante dos Marines, tenente-general Boomer, com aprovação do tenente-general Horner, comandante do CENTAF (Central Command Air Forces, Comando Central das Forças Aéreas), os B-52 foram usados no sul do Kuwait, onde blindados iraquianos se deslocavam para reforçar as posições iniciais iraquianas. Isso resultou num ataque bem-sucedido a aproximadamente cem veículos blindados iraquianos. Conforme descrito num relatório de campo, o efeito do ataque dos B-52 foi “como acender uma luz num apartamento infestado de baratas”. O ataque dos B-52 fez os veículos baterem em retirada e colocou-os numa armadilha, direcionando-os para vetores táticos (A-10, AH-1 e outros) que os aguardavam, prontos para destrui-los.
Apoio a operações psicológicas
O apoio dos B-52 deve ser medido não apenas em termos de acertos diretos ou danos físicos, mas também em termos dos efeitos psicológicos que produziu. Ciente do impacto dessas missões, o general Schwarzkopf ordenou que os B-52 se concentrassem na Guarda Republicana.
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When Penguins Flew and Water Burned
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No final de janeiro de 1991, a USAF aprovou um plano do 4º Grupo PSYOP (operações psicológicas) para uma campanha que informava aos iraquianos quando eles seriam bombardeados e por qual aeronave. A ideia era disseminar folhetos para unidades iraquianas específicas que, apoiados por transmissões de rádio, especificavam qual unidade iraquiana seria atingida e quando.
No dia seguinte, o CENTAF bombardeava a unidade especificada com três B-52s. Isso era seguido por outro dia de folhetos indicando quando a mesma unidade seria bombardeada novamente e que os soldados iraquianos sobreviventes deveriam desertar ou se entregar. No dia seguinte o CENTAF bombardeava novamente a unidade. No auge, uma formação de três bombardeiros atacava as tropas iraquianas a cada três horas, vinte e quatro horas por dia.
Apesar de imprecisões, a partir de entrevistas feitas com prisioneiros de guerra durante e após o conflito, estimou-se que o B-52G ajudou a influenciar 24% dos soldados iraquianos que operavam no deserto.
Especificações
Conclusão
O B-52 continua fazendo seu trabalho e a USAF, com planos para voa-lo até pelo menos a década de 2050, claramente tem utilidade para ele. O BUFF não é furtivo e pode não realizar o trabalho que ganha os holofotes da mídia, mas ainda é o “carregador de piano” no trabalho diário de despejar milhares de toneladas de bombas sobre os inimigos dos EUA.
Há aeronaves mais novas e bem mais sofisticadas para a tarefa, mas se o B-52, robusto e confiável, continua a fazer o que faz tão bem, por que descartar uma aeronave que faz seu trabalho com tanta eficiência e confiabilidade?
*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing, é fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida. É colaborador do Canal Arte da Guerra e da revista Tecnologia & Defesa. Pode ser contatado pelo e-mail: caballe@gmail.com
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Bom dia Velho General.
O companheiro teria algum texto sobre Logística na Guerra do Golfo ? É para o contribuir para o curso de História Militar dos cadetes na AFA, na qual sou o instrutor.
Bom dia! Publicado no blog ainda não, mas é um assunto sobre o qual eu pretendo trabalhar. Eu devo ter alguma coisa guardada em minhas pastas, vou verificar e farei contato. Obrigado por seguir e pelo comentário, forte abraço!