Os crescentes gastos com Defesa em todo o mundo

Compartilhe:
Capa

Cel-Paulo-Filho Por Cel Cav Paulo Roberto da Silva Gomes Filho*

O Instituto Internacional para Estudos da Paz, de Estocolmo (SIPRI – na sigla em inglês) dedica-se, desde 1966, à pesquisa de conflitos, armamentos, controles de armas e desarmamento. É um dos mais respeitados think tanks do mundo. No último dia 29 de abril, o SIPRI divulgou seu balanço anual sobre os gastos militares em âmbito mundial.

O instituto concluiu que em 2018 os gastos militares de todos os países do mundo, somados, cresceram 2,6% em relação a 2017, alcançando a cifra de 1,8 trilhão de dólares. Isto corresponde a 2,1% do PIB mundial, ou 239 dólares por habitante do planeta Terra. Cinco países respondem por 60% desses gastos: Estados Unidos, China, Arábia Saudita, Índia e França. Trata-se da maior cifra já encontrada desde 1988, ano em que se considera que os dados passaram a ser consistentes.

Alguns resultados da pesquisa chamam atenção. Os gastos hoje são 76% mais altos do que há 20 anos. EUA e China respondem juntos por metade dos gastos militares de todo o mundo. Os EUA retomaram o crescimento dos gastos, fato que não ocorria desde 2010, para alcançar a cifra de 649 bilhões de dólares. A China, por sua vez, incrementou seus investimentos militares pelo 24º ano consecutivo, chegando à marca de 250 bilhões de dólares. Seus gastos são dez vezes maiores do que em 1994. Aliás, a Ásia é o continente em que houve maior crescimento. Além da China, Índia e Coréia do Sul também apresentam gastos acentuadamente crescentes. Outra área onde há marcante incremento é a Europa Central e do Leste, especialmente Ucrânia e Polônia. A Rússia, sexto maior orçamento de defesa do mundo (61,4 bilhões de dólares), vai na contramão da tendência e vê seus gastos diminuírem pelo segundo ano consecutivo. A Turquia foi o país que teve o maior crescimento percentual de gastos, 24%. A América do Sul viu os orçamentos de defesa crescerem 3,1%, enquanto o continente africano foi o único a ver seus gastos diminuírem, 8,4%.

A pesquisa, para além da montanha de números, deve ser analisada de modo que se compreendam as tendências regionais e as causas que motivam o crescimento ou diminuição dos gastos. E, pelos números apresentados, fica evidente que os governos estão muito mais preocupados com assuntos de defesa. A pergunta a ser respondida é: por quê?

A resposta passa pela percepção generalizada de que se vive uma conjuntura geopolítica de rearranjo do cenário internacional. Após o fim da guerra fria imaginou-se que o “Ocidente tinha vencido”. Era o fim da história, e as nações caminhariam, quase por gravidade, para uma ordem liberal e democrática. Depois, com os atentados de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas do World Trade Center, o inimigo passou a ser o terrorismo. As guerras seriam travadas não mais contra Estados-Nações, mas sim contra grupos, na maior parte das vezes, transnacionais. A “guerra no meio do povo” seria o novo paradigma. O livro do general britânico Rupert Smith, “A utilidade da força: A arte da Guerra no mundo moderno”, de 2005, passou a ser leitura obrigatória nas Escolas de Estado-Maior do mundo todo. A frase inicial do seu livro: “Já não existem guerras”, sintetizava o novo e surpreendente paradigma.


1_top15spenders_sipri_2019
Fonte: SIPRI

Ora, para o tipo de guerra que se passaria a travar, sistemas de armas complexos e caros, como blindados e peças de artilharia, caças e submarinos, mísseis e navios aeródromos, não pareciam tão necessários. Os gastos com defesa poderiam ser reduzidos em favor de outros assuntos mais prementes.

Mas a roda do tempo continuou girando e, mais uma vez, a realidade mostra que Clausewitz ainda não foi superado. A guerra, como fenômeno político, econômico e social continua uma constante, ao longo da história.

A realidade se impôs. A Rússia invadiu a Criméia e ameaça a Ucrânia, alarmando os países do Leste Europeu. A China se mostra cada vez mais assertiva em relação aos seus interesses na Ásia, África e Oceano Pacífico. Japão e Taiwan reagem a essa assertividade reequipando e modernizando suas forças. Índia e Paquistão voltam a se enfrentar militarmente na Caxemira. A Coréia do Norte se apresenta ao mundo como uma potência nuclear. O Irã surge como uma potência regional ameaçando a liderança da Arábia Saudita. O norte da África permanece em permanente crise. Até mesmo a América do Sul, região antes imune a este tipo de tensão, vê a situação na Venezuela se agravar rapidamente e os EUA afirmarem que não descartam nenhum tipo de ação, inclusive a militar.

Além desses aspectos geopolíticos, há que se considerar que se vivem dias de uma nova “Revolução dos Assuntos Militares”. Novos equipamentos, de altíssima tecnologia agregada, e por isso mesmo, muito caros, passaram a ser itens obrigatórios para os exércitos mais evoluídos. De satélites a mísseis, passando por aeronaves remotamente pilotadas, viaturas blindadas cada vez mais automatizadas, aeronaves, navios e submarinos com sistemas de armas avançadíssimos, equipamentos cibernéticos e de guerra eletrônica. Até mesmo o equipamento individual do soldado passou a agregar um valor antes impensável. Se nas guerras do Século 20 o soldado tinha apenas o capacete de aço para protegê-lo, no século 21 os soldados dispõem de um fardamento com tecido inteligente, resistente ao fogo, um colete de proteção balística, um equipamento de comando e controle que transmita imagens, voz e dados, um armamento com sistema de pontaria avançado. Tudo isso multiplicou inúmeras vezes o custo das forças armadas.

Como se vê, o aumento dos gastos militares no mundo não é causa e sim, consequência, de uma realidade geopolítica desafiadora. E os governos continuarão a ser pressionados a encontrar espaço nos cada vez mais apertados orçamentos para manter suas Forças Armadas em condições mínimas de operação nesse ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo.


*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br


RECOMENDADOS PELO VELHO GENERAL

Captura de Tela 2019-05-27 às 08.35.28

SIPRI Yearbook 2019: Armaments, Disarmament and International Security

  • Stockholm International Peace Research Institute (Autor)
  • Em inglês
  • Capa dura
Captura de Tela 2019-05-27 às 08.35.45

The Military Balance 2019

  • The International Institute for Strategic Studies (IISS) (Autor)
  • Em inglês
  • Capa Comum

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

3 comentários

  1. O mundo está cada vez menor graças às conquistas nas áreas de telecomunicação. Em poucos anos o homem foi ao espaço, pisou na lua e enxerga muito além das estrelas… E ainda estamos cá caminhando em cima de medos, de revoluções, de culturas milenares que pouco mudaram mesmo diante de tantas mudanças, dos fatores religiosos… Tantos ingredientes que vão compor as decisões. Vivemos num mundo mais seguro após as armas nucleares, a dicotomia da guerra fria e uma nova Rússia querendo voltar aos tempos de potência que dividia com os Estados Unidos, e agora uma China que quer seu espaço. Nesse montante de necessidades, desejos, culturas… temos o meio militar sendo reforçado com medo de perder o espaço para outro ator no cenário global. Enfim, apenas um pálido ponto azul como diria Sagan.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

____________________________________________________________________________________________________________
____________________________________
________________________________________________________________________

Veja também